Direitos Reprodutivos
Por , redação Marie Claire — São Paulo (SP)


Manifestantes argentinas vestem traje de 'O Conto da Aia' em protesto após Senado barrar legalização do aborto em julho de 2018, em Buenos Aires — Foto: Eitan Abramovich/AFP/Getty Images
Manifestantes argentinas vestem traje de 'O Conto da Aia' em protesto após Senado barrar legalização do aborto em julho de 2018, em Buenos Aires — Foto: Eitan Abramovich/AFP/Getty Images

Mantos vermelhos e gorros brancos com viseiras laterais passaram a se tornar trajes recorrentes em manifestações relacionadas à defesa dos direitos das mulheres no mundo todo. Principalmente em protestos favoráveis ao aborto e aos direitos reprodutivos. A inspiração vem do livro O Conto da Aia (The Handmaid's Tale, no título original), clássico da literatura feminista escrito por Margaret Atwood e publicado em 1985. A obra é uma distopia em que mulheres perdem seus direitos e têm seus corpos controlados por uma ditadura autoritária, teocrática e misógina.

A referência visual e conceitual de O Conto da Aia veio para somar com outras iconografias historicamente usadas (como cabides manchados de sangue e os característicos lenços verdes, criados na América Latina) para protestar contra retrocessos relacionados aos direitos reprodutivos de mulheres, meninas e pessoas que gestam.

O traje da aia começou a ser usado nos Estados Unidos, mas já foi incorporado em países como Irlanda do Norte, Croácia, Argentina e Brasil (veja o histórico mais abaixo).

No Brasil, os símbolos de O Conto da Aia voltaram a ecoar com força no último mês. Mais especificamente depois da votação do requerimento de urgência na Câmara dos Deputados para tramitação do PL 1904/24, que equipara aborto após a 22ª semana a homicídio simples.

De autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), integrante da bancada evangélica, e assinado por outros 55 parlamentares, o projeto poderia levar pessoas que abortaram depois deste período a até 20 anos de prisão – uma pena superior à prevista no Código Penal para estupradores condenados. Especialistas afirmam que, se aprovado, o PL impactaria sobretudo meninas vítimas de violência sexual.

Ativistas usam trajes de 'O Conto da Aia' em protesto contra PL Antiaborto por Estupro, em São Paulo, 15 de junho de 2024 — Foto: Nelson Almeida/AFP/Getty Images
Ativistas usam trajes de 'O Conto da Aia' em protesto contra PL Antiaborto por Estupro, em São Paulo, 15 de junho de 2024 — Foto: Nelson Almeida/AFP/Getty Images

Nesta semana, o presidente da Câmara, Arthur Lira, afirmou em coletiva de imprensa que recuaria na tramitação deste PL, que pode acontecer no segundo semestre, e criaria uma comissão representativa para analisar o texto. A decisão ocorreu após manifestações contrárias ao projeto ganharem força nas redes sociais e nas ruas, sob os coros “Criança Não é Mãe” e “Fora Lira”.

Além de manifestantes apareceram nas ruas vestindo o traje de aia – inclusive parlamentares eleitas –, charges, trechos da adaptação para a TV e ilustrações passaram a ser amplamente compartilhadas. Uma das imagens que mais circulou foi a arte de Cristiano Siqueira, que ilustra o Cristo Redentor caracterizado como uma aia.

Como ‘O Conto da Aia’ se tornou símbolo de protestos de defesa ao aborto

Por mais que a distopia de Atwood seja um dos títulos mais influentes da literatura feminista desde seu lançamento, a história ecoou com mais força com o lançamento de sua adaptação para a televisão.

O seriado protagonizado pela atriz Elizabeth Moss chegou à plataforma de streaming Hulu em 2017 e se tornou um grande sucesso de público e de crítica (no Brasil, a série é distribuída pela Paramount). No mesmo ano, a obra se tornou o livro de ficção mais lido da Amazon no verão dos EUA.

Trajes das aias no seriado 'O Conto da Aia', ou 'The Handmaid's Tale'; em foco, June Osbourne, protagonista interpretada por Elizabeth Moss — Foto: Divulgação
Trajes das aias no seriado 'O Conto da Aia', ou 'The Handmaid's Tale'; em foco, June Osbourne, protagonista interpretada por Elizabeth Moss — Foto: Divulgação

Também foi naquele ano que Donald Trump tomou posse como presidente dos Estados Unidos. Devido aos seus acenos a tentativa de retrocessos nos direitos das mulheres e a postura misógina durante a campanha, mulheres, organizações feministas e movimentos em prol do planejamento familiar passaram a demonstrar preocupações e previram uma gestão turbulenta.

A estratégia usada pelas manifestantes era de aproveitar a simbologia forte do seriado e seu sucesso para, assim, conseguir fazer com que sua mensagem fosse entendida de forma mais ampla e rápida.

Um dos primeiros protestos com trajes inspirados em O Conto da Aia a ganhar atenção mundial aconteceu no Texas, um dos estados mais conservadores dos EUA, em março. Ativistas do grupo pró-direitos reprodutivos e pró-escolha Liga de Ação Nacional pelo Aborto e Direitos Reprodutivos (Naral, na sigla em inglês), protestaram em frente ao Capitólio do Estado do Texas contra leis que visavam restringir o direito ao aborto.

Em julho de 2018, Trump indicou à Suprema Corte o juiz Brett Kavanaugh, uma das figuras responsáveis pela derrubada do litígio judicial Roe v Wade em 2022. A decisão, que estava em vigor desde 1973, era a responsável por proteger a liberdade individual de interromper uma gestação, mesmo nos estados mais conservadores.

Em resposta, 100 mulheres da cidade da Filadélfia, na Pensilvânia, tomaram as ruas vestindo trajes de aia para se manifestar contra a indicação de Kavanaugh durante uma visita do então vice-presidente do país, Mike Pence. O momento ficou conhecido como The Handmaid’s Protest; em português, O Protesto das Aias.

Após a revogação da Roe v Wade, as aias continuaram sendo presença constante nos protestos que pedem pela restauração da legalidade federal do aborto, contra o avanço de legislações que barram seu acesso e em Marchas de Mulheres.

Boom dos protestos com trajes de aia, da Croácia ao Brasil

Também foi em 2018 que o simbolismo de O Conto da Aia passou a se estender para protestos de outros países.

Em fevereiro daquele ano, o movimento de mulheres da Croácia aderiu ao traje após o governo da época não ratificar a Convenção de Istambul, que diz respeito à erradicação da violência de gênero e doméstica. A ratificação foi feita dois meses depois.

Em maio, ativistas em Belfast, na Irlanda do Norte, vestiram a capa vermelha para protestar contra leis antiaborto. A estética também foi replicada em Dublin, na Irlanda, em campanha para que o país anulasse a proibição do aborto em um referendo histórico – o que acabou surtindo efeito.

A adesão também se espalhou para a América Latina. Antes de conseguir a legalização do aborto até a 14ª semana em todo território, as mulheres da Argentina enfrentaram uma negativa do Senado em 2018 – na época, composto por maioria conservadora. Além dos lenços verdes, símbolos nacionais pela defesa ao aborto e aos direitos reprodutivos, os trajes de aia também ganharam as ruas.

No Brasil, os trajes de aias em protestos ganharam repercussão pela primeira vez em agosto de 2018. Entre os dias 3 e 6 daquele mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizava as audiências públicas para debater a descriminalização do aborto.

Na época, um grupo de ativistas montou uma performance em frente à Praça dos Três Poderes com trajes e segurando lenços verdes. "Nosso protesto é pela vida das mulheres, que tenham liberdade pelo seu próprio corpo, de serem mães, ou não", afirmou na época a ativista Iasmin Baima em entrevista ao G1.

As audiências foram convocadas pela então ministra Rosa Weber, então relatora da ADPF 442, que pede a exclusão dos Artigos 124 e 126 do Código Penal (que criminalizam o aborto voluntário) e a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.

No ano passado, antes de se aposentar, Weber deu voto favorável à ação. O julgamento foi transferido ao plenário físico pelo atual presidente da Corte, Luís Roberto Barroso. Até o momento, não há previsão para a retomada do julgamento.

Em 2022, os trajes das aias também marcaram presença nas ruas de cidades como Madri, na Espanha no Dia da Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto da América Latina e Caribe (28 de setembro); e em Varsóvia, na Polônia, em novembro, após o político Jaroslaw Kaczynski, presidente do partido governista, afirmar que taxa de natalidade estava em queda porque "mulheres estavam bebendo como homens". O protesto aconteceu em frente à casa de Kaczynski.

As aias também são usadas em protestos que marcam o Dia Internacional das Mulheres, 8 de março. Em 2023 e 2024, por exemplo, mulheres britânicas-iranianas fizeram um protesto silencioso nas ruas em solidariedade às discriminações de gênero vividas por mulheres no Irã. Meses antes, o país havia vivido uma forte onda de protestos após a jovem curda Mahsa Amini ser assassinada pela polícia da moralidade, por mau posicionamento de seu hijab.

Margaret Atwood sobre ‘O Conto da Aia’ se tornar símbolo de protestos

Margaret Atwood afirmou em entrevista ao The Guardian que notou a forma como o traje de suas aias foi incorporado em protestos. “É um símbolo visual. As mulheres podem usar sem medo de serem presas por causarem desordem”, disse.

“Em países que proíbem métodos contraceptivos e informação sobre saúde reprodutiva, o Estado reivindica a propriedade dos corpos das mulheres através da gravidez forçada. O que o traje realmente pergunta aos espectadores é: queremos viver em um estado de escravidão?”, questionou a autora canadense.

A designer responsável pelo traje na série de televisão, Ane Crabtree, se surpreendeu com a apropriação de sua criação como ferramenta de reivindicação das mulheres: "Realmente não me ocorreu que o figurino falaria com as pessoas de uma forma tão pessoal e política".

Qual é a história de ‘O Conto da Aia’?

O livro de Margaret Atwood narra um futuro distópico em que a maior parte dos EUA são refundados sob uma ditadura teocrática. As regiões ocupadas do país foram renomeadas como República de Gilead. Isso acontece após o presidente do país ser morto em um ataque terrorista, organizado por uma facção católica que conquista o poder militar.

Como parte da instauração do regime, a imprensa foi fechada, o contato com outros países foi retirado, as fronteiras foram fechadas e livros, filmes, revistas e jornais foram proibidos de circular em todo território.

Neste mesmo universo, as pessoas capazes de gestar enfrentam uma crise de fertilidade, em que boa parte das pessoas não conseguem mais levar uma gestação adiante. O que a história deixa subentendido é que essa crise ocorre como consequência das mudanças climáticas e dos altos níveis de poluição.

Para manter o ritmo de procriação e dar continuidade à espécie humana em Gilead, são selecionadas mulheres férteis para se tornarem aias e, assim, gestar compulsoriamente filhos para a nação.

As aias se tornam servas que residem nas casas de famílias ricas e patriarcais, sobretudo de militares de alta patente, e têm suas vidas completamente cerceadas. A cada período fértil, elas passam por uma cerimônia em que são estupradas pelo homem da família, enquanto a esposa acomoda a cabeça da aia entre suas pernas. A esperança é de que a aia consiga prover um filho para aquela família e, depois, ser instalada em outra casa para repetir o processo.

Dentro deste regime, as mulheres perdem o direito à individualidade e autogestão. As esposas dos comandantes, por exemplo, devem exercer as funções de mulheres do lar.

No caso das aias, se perde até o direito ao próprio nome. Eles são substituídos pelos nomes dos patriarcas da família a qual vai servir. Por exemplo: a protagonista June Osbourne, interpretada por Elizabeth Moss na série, se torna Offred, já que "pertence" ao Comandante Fred (interpretado na série por Joseph Fiennes).

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