Eu, Leitora

Por Marina Daquanno Testi

“Depois de um final de ano extremamente corrido, conciliando faculdade, estágio, boletos e ainda tentando ter um pouco de vida pessoal, foi difícil conseguir tempo para o descanso merecido. Esse momento chegou em janeiro, quando consegui marcar com três amigos uma viagem rápida para comemorar o aniversário de Amanda, que também estaria no grupo. Escolhemos a Praia Branca, no Guarujá, local que já visitamos outras vezes juntes, já acampamos e fizemos trilhas. Uma aposta familiar e sossegada para a proposta de passeio.

Era o fim da manhã de um sábado quando nos encontramos na Vila Mariana, em São Paulo, de onde partimos. Levava comigo algumas sacolas de supermercado com snacks, biscoitos recheados, refrescos e água. Por volta das 13h30 estávamos saindo da balsa de Bertioga-Guarujá e paramos no estacionamento em frente à trilha que dá acesso à Praia Branca. Mais 30 minutos de trilha e 15 de caminhada e estávamos em nosso local favorito.

Montamos nossa “base” em frente a um camping que conhecíamos. Estava quente e com vento suficiente para nos refrescar e secar rapidamente a cada vez que saímos do mar, o clima estava perfeito. Como o estacionamento fechava às 19h, coloquei um despertador no meu celular para às 17h45, assim conseguiríamos fazer a trilha ainda à luz do dia e poderíamos tomar uma ducha no estacionamento antes de voltarmos para São Paulo.

Próximo às 16h eu estava com fome, pressão um pouco baixa e sentia uma certa fadiga. Comprei então porções de batata e mandioca fritas, em uma das banquinhas instaladas na areia. Avancei nos petiscos assim que chegaram, ignorando até o fato de estarem quentes. Mas, logo na primeira mordida, senti uma nota semelhante a peixe frito ou talvez frutos do mar.

Meus amigos já sabiam que sou alérgique a camarão, descoberta que fiz aos 13 anos, depois de comer risoto com o crustáceo pela primeira vez. Neste episódio, eu estava em casa e tive um choque anafilático que foi gradualmente se desenvolvendo, de placas vermelhas pelo corpo e coceira nas costas e no pescoço, para um edema de glote -- que é quando a mucosa interna das vias respiratórias, mais especificamente na garganta, incha impedindo a passagem de ar para os pulmões --, logo nas primeiras horas após a ingestão. A minha sorte foi que minha mãe percebeu minhas reações e me levou para o pronto-socorro. Desde então, quando vou comer em locais que manipulam crustáceos, sinalizo que sou alérgique e que preciso que meu alimento seja preparado com cuidado.

Levei a porção aos demais amigos e pedi a opinião deles, como estavam todos descontraídos e relaxados, ninguém se alarmou de primeira, mas me confirmaram que a porção tinha gosto de frutos do mar, sim.

Na dúvida, decidi deixar a fritura de lado e comprar um açaí. Uns 15 minutos depois de ter comido as batatas, no entanto, me dei conta de que era melhor ir embora. Estava arrasada de ter que encerrar nossa tão almejada escapada para a praia, mas sabia que as batatas e mandiocas tinham resquícios de camarão (certamente foram fritadas no mesmo óleo). Era o certo a se fazer. Eu conseguia sentir uma mistura de choque com decepção se instaurando no grupo, quando avisei que precisávamos voltar. Recolhemos as cangas e apetrechos trazidos, e pegamos a trilha. Ainda tínhamos uma caminhada pela frente e toda a viagem de carro. Pior: em um horário que costuma ser pico de trânsito.

Perto da saída, perguntei ao homem que cuidava de uma das barracas se havia alguma farmácia por ali. Precisava comprar um anti-histamínico para segurar as pontas até conseguir um atendimento médico. O homem arregalou os olhos de preocupação. Disse que não havia nada por ali, mas que ele tinha um remédio para alergia em casa. E saiu correndo para busca-lo.

Enquanto estava ausente, sua esposa, que trabalhava na barraquinha, me ofereceu um copo de água, me olhou nos olhos e disse: “Se eu fosse você tomava dois comprimidos e saía urgentemente daqui. Logo vai escurecer e ninguém nessa praia vai conseguir te ajudar, nem carro entra aqui”. Foi o que eu fiz. Já eram 17h.

Eu ainda estava bem, só tinha realmente muita pressa em sair daquele lugar. De repente, as vielas cheias de árvores e arbustos floridos se tornaram um lugar assustador e perigoso para mim. Já não tinha vontade nenhuma de estar ali.

Na entrada da trilha, minha garganta e tórax começaram a coçar de maneira branda. Como meus amigos não tinham alcançado o meu passo, disse que não poderia esperá-los. Após concluir a subida inicial, a coceira piorou e eu comecei a sentir uma sensação intensa de abafamento. Parecia que alguém tinha me colocado dentro de uma sacola ou que eu estava usando aquelas capas de chuva baratinhas de plástico. Minha pele não respirava e eu comecei a sentir que o ar que eu estava puxando não era absorvido.

O senso de urgência evoluiu para um estado de alerta e comecei a perceber a evolução paulatina das reações. Àquela altura, já sabia que iria culminar em um edema de glote. A sensação era de ser um soldado na trincheira. Me lembrei das aulas de biologia e entendi que estava tendo uma resposta de “fuga ou luta”, resultantes da atuação do meu sistema nervoso simpático e da osteocalcina em meu corpo.

As informações atravessaram seletivamente minha mente, buscando referências de tudo o que já havia aprendido para me virar naquela situação. Percebi minha memória muscular me garantindo agilidade, minhas memórias da época de escotismo e de escola me auxiliando em conhecimentos quanto a minha saúde, a reação alérgica e como me conduzir na trilha de maneira a me resguardar o máximo possível de tombos ou quaisquer outros estresses ao meu corpo.

Eu não me sentia no comando, não era "eu" de sempre, sentia que tinha uma outra versão minha assumindo a função de resgate. Minha mente parecia ter se fragmentado em funções, ume Marina prestava atenção em cada passo e frequência da respiração para manter o ritmo da caminhada e não deslizar na trilha; outre Marina mantinha uma noção do tempo passado contando as contas da guia baixinho; outre acessava um mapa mental da região até um posto de atendimento médico; outre avaliava cada rosto que cruzava comigo na trilha, em busca de encontrar alguém que talvez pudesse me orientar ou me socorrer caso eu precisasse.

Cheguei ao final da trilha mais rápido do que esperava e com os sintomas evoluindo. Minha cabeça doía muito, me sentia extremamente abafade, a coceira me incomodava e eu precisava fazer xixi, mas não via meus amigos atrás de mim. Uma ducha fria me ajudou a diminuir a sensação de abafado e a dor de cabeça, enquanto os esperava no estacionamento. 17h32.

Na estrada, desviamos do trânsito da balsa e pegamos a rota por dentro do Guarujá. Na pressa, meus amigos selecionaram no waze uma unidade de saúde, ao invés de um pronto socorro, a UBS Pernambuco, que estava fechado. Estava começando a ter dificuldade para engolir, não dava para esperar mais.

Não pensei duas vezes e liguei para o SAMU. À socorrista que me atendeu, informei que estava com uma reação alérgica desencadeada por camarão e que já sentia dificuldade para respirar. Ela me deu a direção da Unidade de Pronto Atendimento mais próxima de onde eu estava e me passou para um médico, que me orientou a parar no Shopping Jequiti, comprar mais antialérgico e tomar mais 2 comprimidos. Disse que já tinha ingerido 20mg no total, antes da trilha, mas ele insistiu que eu tomasse novamente, pois estava trânsito e era uma chance de eu ganhar mais tempo -- ou pelo menos de me tranquilizar -- até que eu chegasse na UPA, que estava há 20 minutos de distância.

Segui as orientações e comprei mais antialérgico. Logo estávamos no trânsito e eu continha minha angústia de sentir os comprimidos demorando para passar pela minha garganta. Eu tomava água aos poucos para não engasgar, mas sentia os comprimidos entalando. E controlava o tempo, sabia que não podia demorar demais ou eu poderia ficar inconsciente.

Me perguntavam se eu estava bem, mas eu não conseguia falar, queria poupar o fôlego. Apenas sinalizava com a cabeça que "não". Estava perdendo controle das minhas extremidades, minhas pernas estavam pesadas e meus pés, dormentes. Meus dedos das mãos tremiam e uma sensação de desmaio tomou conta de mim. Lembrava de histórias de pessoas que morreram assim, por uma distração, um descaso.

"Eu não me despedi", pensei. As lembranças da minha mãe e do meu pai me envolveram de carinho, não consegui conter algumas lágrimas. Pensei em como meu irmão, que mora fora do país, receberia a notícia, e lembrei da briga ridícula que tinha tido com minha irmã dias antes de viajar. Eu parecia procurar na mente todas as pessoas que eu amava e me despedia acessando um momento feliz com cada uma em minha memória.

Em dado momento, senti meus olhos virarem involuntariamente e a cabeça ficar “solta”. Por um segundo não me senti na urgência, mas sim com calma, parecia um sonho. Até eu sentir a pressão no meu peito me chamando para a realidade.

Meus amigos então procuraram realizar algumas manobras evasivas para escapar do trânsito, sem sair da rota. Avistamos uma viatura policial e consegui pedir para eles sinalizarem por ajuda. Suas buzinas e gritos foram respondidos por dois "joinhas" dos oficiais no carro, que seguiram pela faixa de bicicletas da estrada.

Não sei com que ar consegui ligar para o SAMU novamente. Informei ao médico que estava com dificuldades para respirar e engolir, ele me tranquilizou quanto ao tempo para os comprimidos fazerem efeito e calculou que eu estava a aproximadamente 15 minutos do posto. Escutar os números me fez entender que eu estava perto e que, mesmo se desmaiasse, não ficaria sem atendimento por muito tempo.

Minha cabeça doía, eu estava acumulando saliva, não conseguia engolir, e sentia as mãos e pés frios e dormentes. Já estava passando instruções para me carregarem caso eu desmaiasse, quando avistei a UPA a poucos metros de distância do carro.

Recolhi documento e celular e fiquei a postos. Meu amigo estacionou quase que como um piloto de fuga, paralelamente à entrada do local. Entrei andando ainda, mas com dificuldades, não vi ninguém na área de atendimento então entrei na área de emergência por conta própria. Avistei uma operadora da unidade de atendimento, que imediatamente esticou os braços em minha direção, a informei que eu estava em um estágio já avançado da reação alérgica a camarão e ela falou que o SAMU já tinha avisado sobre o meu chamado e que me aguardavam lá.

O alívio que senti de ter chegado no local correto foi impressionante, cercada por enfermeiras e atendentes eu me senti em boas mãos, confiáveis, elas saberiam exatamente o que fazer comigo. A enfermeira Vera testou meus sinais de reação enquanto media meus batimentos e oxigenação. Uma outra enfermeira começou a administrar um dilatador de alvéolos com soro na minha veia, elas conversavam comigo, garantindo que eu continuasse acordade. Lembro de perguntar se no estado que eu estava poderia morrer, mas as enfermeiras me acalmaram dizendo que eu era o terceiro caso de reação alérgica grave a chegar na UPA aquele dia.

Eu estava me sentindo melhor só de estar ali sob os olhares da equipe médica, me esforçava para informar o que eu havia consumido de medicamento, como eu achava que a reação tinha sido desencadeada e que eu tinha bebido à tarde na praia, pois não sabia se substâncias depressoras (álcool e tabaco) poderiam reagir com os medicamentos ou potencializar a reação. Não foi o meu caso, mas fui informade que o fato de eu estar menstruade e o estresse ao qual submeti meu corpo na trilha podem ter potencializado a progressão da reação.

Ainda sendo distraíde pela conversa com uma das enfermeiras, Vera chegou por trás da minha cadeira, limpou meu braço e aplicou a adrenalina. O modo como o líquido aplicado intramuscularmente acionou todos os receptores por onde passava me deu a sensação de queimação que subiu até a minha nuca. Senti minha respiração melhorar, meus batimentos acelerarem, e rapidamente meus movimentos retornaram, a visão desembaçou e meu rosto estava voltando a corar. “Te falei que ninguém ia morrer aqui hoje”, brincou Vera.

O médico da UPA, veio me ver e pediu para que eu ficasse pelo menos uma hora em observação. A adrenalina foi tão certeira que em pouco tempo após sua aplicação eu me sentia bem, com visão em “hd” e extremamente incomodade com a areia, suor e sujeira que eu estava. Recebi alta junto com a troca de turno da enfermagem, agradeci enormemente às duas enfermeiras que me acompanharam e saí sem demais orientações. “Pode pegar estrada tranquilamente, a reação não vai voltar a não ser que haja contaminação novamente”, garantiu o médico.

Encontrei com meus amigos na porta, chorei de alívio e nos abraçamos. Foi uma situação limítrofe, perguntei para eles se era real mesmo, se eu tinha chego na UPA. Eu não achei que seria possível.

Voltamos para São Paulo e marquei todos os meus exames, inclusive com alergologista, para ver se consigo uma epipen (caneta injetável de adrenalina com a dose correta manipulada para o meu corpo) e se fiquei com alguma sequela dessa situação.”

Orientações profissionais

Com a finalidade de trazer algumas orientações para aqueles que não saberiam o que fazer em uma situação semelhante a essa, conversei com a Dra. Tânia Macedo Goncalves Flores, médica especialista em alergia e imunologia, membro da ASBAI (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia).

Ela afirma que é necessário fazer os exames e se consultar com um alergologista para saber se tem ou não alergias e à que. Como algumas são desencadeadas por substâncias que podem não ser encontradas apenas em uma classe de alimentos, o resultado pode ser fatal; e instrui sobre o que fazer se você estiver ou presenciar alguém com uma reação alérgica desencadeada.

Como identificar uma reação alérgica?

A médica explica que o choque anafilático, característico de reações alérgicas, pode gerar vários sintomas diferentes: "É comum começar com a sensação de coceira na boca e garganta que vão evoluindo para coceira nas mãos e no couro cabeludo para placas vermelhas pelo corpo, estas podem pegar as partes moles e evoluir para um inchaço, que é o edema. "

"O inchaço da parte interna causa a obstrução da passagem de ar, causando uma edema de glote. Além disso há uma vasodilatação, podendo levar a um quadro cardíaco, levando a uma dificuldade de oxigenação total, o que pode causar uma queda na pressão e aí é que entra o choque, parando a respiração e o batimento cardíaco.", elucida.

A Dra. Tânia Macedo também informa que essas reações variam para cada pessoa, mas podem acontecer imediatamente após o consumo do alimento e/ou tardiamente, que pode acontecer 3 ou 8 horas depois, o correto é ir para pronto atendimento e evitar dirigir para não provocar um acidente.

O que fazer se estiver longe de atendimento médico?

A alergologista indica a sempre comunicar se souber da alergia, assim você responsabiliza o local em que está pelo preparo correto de seu alimento. Mas se porventura você não souber ou acidentalmente consumir alimento contaminado, tome anti-histamínico e procure urgentemente um pronto socorro.

Ela instrui que: "Se a pessoa está consciente, a mantenha sentada, caso a pessoa esteja perdendo a respiração, é indicado que a deite de costas e levante suas pernas para facilitar a circulação. Em casos de vômitos, é recomendado virar a pessoa de lado, para evitar engasgar, e mantê-la deitada com as pernas para cima. "

É importante saber que caso presencie uma reação muito avançada e a pessoa tenha uma epipen, ela deve ser administrada com extrema cautela, uma vez retirada a capinha da caneta ela já está com a agulha exposta e pode liberar parte do líquido, que é minuciosamente manipulado para o organismo da pessoa que a encomendou.", alerta a Dra. Tânia Macedo

A Dra. ainda orienta a montar o kit de emergência recomendado: "antialérgico, corticoide e o ideal é que tenha sua adrenalina auto injetável - esse kit não é fácil de conseguir no Brasil, pelo custo da adrenalina auto injetável, que não é produzida nacionalmente."

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