Violência de Gênero

Por Camila Cetrone

Com calma e neutralidade. Foi assim que a professora de português Edmar Sonia Vieira, 48 anos, reagiu após receber de “presente” de Dia das Mulheres uma esponja de aço de um aluno do 3º ano do Ensino Médio. O ato racista e misógino partiu de um de seus alunos, de 17 anos, e foi gravado por outros estudantes. O vídeo foi para as redes sociais e viralizou – o que surpreendeu a professora, que leciona há um ano no Centro de Ensino Médio 9, escola da rede pública que fica em Ceilândia, no Distrito Federal.

No vídeo, ela recebe uma sacola preta que guarda a embalagem da esponja e diz que está sendo homenageada. A reação dela provoca risos do estudante e de outros alunos da turma. "Eu vou aceitar porque tudo que vem, volta", diz. Em resposta, recebe mais risadas, mas agradece. O aluno responde: "De nada, professora. Feliz Dia das Mulheres".

Em conversa por telefone com Marie Claire, Edmar fala pela primeira vez sobre o ataque que recebeu. Conta que seu primeiro impulso foi agir com naturalidade para contornar a situação. Sequer entendeu que se tratava de um ataque – o que só ficou claro depois das risadas e depois que foi procurada por duas alunas que o presenciaram, se solidarizando. "Professora, eu não dou conta de como a senhora suportou isso", uma delas disse.

O episódio foi repudiado pela Secretaria de Educação – que afirmou repudiar “qualquer tipo de preconceito” – e pelo Sindicato dos Professores do Distrito Federal – que definiu como "mais um exemplo de como os professores são tratados em sala de aula". O caso é investigado pela Polícia Civil.

À TV Globo, a direção da escola afirma que os responsáveis foram avisados e que haverá uma reunião entre o estudante e a professora, e que o aluno terá de fazer um pedido de desculpas por escrito, que deverá ser lido em sala de aula. No entanto, a professora explica que já houve não só um, mas vários pedidos de desculpas.

Na última terça-feira (14), deputados também se manifestaram sobre o ataque na Câmara Legislativa do Distrito Federal. A Comissão de Direitos Humanos questionou a Secretaria de Educação para entender qual posturas e medidas serão implementadas para que situações como essa não voltem a acontecer. Ainda busca entender se as disciplinas de História e Cultura Afro-Brasileira constam na grade curricular da escola.

A seguir, a professora de português reflete ainda sobre a comoção nacional que seu caso ganhou, a força no acolhimento que recebeu de outros alunos e sobre a maneira como ela pretende usar o ocorrido para fazer com que os estudantes reflitam sobre as estruturas da misoginia e do racismo: com a educação.

“Antes de tudo acontecer, eu estava em sala de aula falando com meus alunos sobre como o conto da Chapeuzinho Vermelho pode nos ensinar sobre importunação sexual contra meninas. Eu venho desenvolvendo debates em sala de aula para falar sobre vários temas por meio de textos e crônicas atuais ou mais antigas para discutir, inclusive para falar dos nossos papéis enquanto sujeitos históricos de um processo social.

Meu relacionamento com meus estudantes em sala de aula é tranquilo, não é de confronto. Nunca foi, antes do fato. Eu estava em outra sala de aula, e os meninos da sala onde o fato ocorreu estavam sem professor. Então, fui até a sala de aula deles para passar uma atividade para fazerem.

Dei bom dia e logo já fui indagada por uma colega do aluno, que falou: 'Professora, você acredita que ele deu um pacote de esponjas para a namorada?' Até entrei na brincadeira. Falei: 'Esse menino precisa se converter e entrar na igreja'.

Percebi que a sala de aula estava um pouco agitada em relação à ação do estudante. Sentei na cadeira e abri o livro de chamadas. Ele se dirigiu a mim e disse que ainda tinha uma esponja sobrando. Perguntou se eu queria uma, e eu disse que receberia. Pegou o pacote, se dirigiu até a mesa e me entregou. Abri a sacola e retirei a esponja de aço. E aí teve aquela repercussão geral, de risadas.

Falei: ‘Olha, cuidado, lugar de mulher não é bem isso’. Vi ali um discurso mais persuasivo no sentido do machismo. Disse ainda que tudo que vai, volta, no sentido de que o homem também pode passar por uma situação de constrangimento similar. Disse que levaria o presente para a minha casa e que vou usar – e assim eu fiz.

No momento, o sentimento gerado foi de neutralidade, mas me senti inquieta com a situação. Quis manter o profissionalismo e evitar um acontecimento imprevisto. Por isso que, na hora, eu não processei a situação por uma perspectiva do machismo e do racismo.

Mas percebi que aquilo gerou discursos. Ouvi algumas vozes das meninas da sala. Uma disse: ‘Se fosse comigo, eu ia fazer ele engolir’. Consegui captar esse som, bem distante, mas consegui. Outra falou, mais alto: ‘Aceita não, professora”. Depois disso, voltei para a sala onde eu realmente devia estar.

A primeira coisa que me fez perceber que era uma violência foi a reação dos estudantes. Depois, duas alunas me procuraram, revoltadas e inquietas. 'Professora, eu não dou conta de como a senhora suportou isso'. Fiquei escutando, mas pedi para conversar depois, para manterem a calma, mas elas diziam que não tinha condições, que era revoltante.

Imediatamente depois que as meninas voltaram para a sala delas, pensei que eu precisaria desenvolver um projeto com essa turma. Uma proposta diferenciada para discutir essa questão tão massificada pela sociedade. A mulher costuma passar por essas inquietações e importunações verbais. Então, na hora, vi que precisava fazer alguma coisa para fazer com que aqueles jovens refletissem sobre o que aconteceu.

Não tomei aquela fala de uma forma agressiva, naquele momento. Priorizei mais a responsabilidade profissional do que os sentimentos
— Edmar Sonia

Eu não imaginei, em nenhum momento, que a dimensão estava tão grave. É inexplicável, mas eu não tomei aquela fala de uma forma agressiva, naquele momento. Priorizei mais a responsabilidade profissional do que os sentimentos. Dei prioridade à minha profissão.’

O dia 8 de março continuou normalmente, e acho que deletei temporariamente o ocorrido na minha cabeça.

No dia seguinte, dia 9, os alunos começaram a me procurar. Uma me deu uma caixa de chocolate, me dizendo que era a maneira como ela podia demonstrar a angústia com o ocorrido. Alunos de outras salas já estavam começando a saber. Outro menino me pediu para me abraçar e, claro, eu deixei. Me diziam que sentiam muito, que eu era linda… Fiquei sem entender. Só depois que eu voltei à cena e entendi porque estavam tão sensibilizados.

Em todo o momento, o estudante ficou muito preocupado. Tive um segundo encontro com a turma dele, na sexta-feira [10 de março], e ele demonstrou muito arrependimento. Me pediu desculpa, inclusive. Perguntou se me magoou. Houve discussões entre a turma pelo WhatsApp, trocas de ofensas... O estudante começou a ser ofendido e ameaçado. O responsável dele foi à escola, está ciente. Ainda não sei quais serão as consequências.

Diante das manifestações que a ficha foi caindo sobre a correlação do objeto em questão e as características da minha anatomia humana enquanto mulher negra.

Construí uma barreira para não sentir o impacto [do racismo] de uma forma mais invasiva
— Edmar Sonia

Comecei a indagar sobre qual seria o meu verdadeiro papel enquanto educadora, porque, no âmbito familiar e na minha vida, sempre ensinei que as pessoas vão julgar, apontar o dedo e vão tentar te diminuir de alguma forma. A maior de todas é a questão da etnia. Falo aos meus filhos que eles sempre precisam estar preparados para sentir isso.

Acho que, como tenho esse pensamento muito forte em mim, dei uma engessada. Construí uma barreira para não sentir o impacto de uma forma mais invasiva, porque o racismo costuma te atingir de uma forma devastadora. Costumo dizer que se você não tiver um pouquinho o pé no chão, você cai.

Tem gente que chora, tem gente que revida, que se descontrola emocionalmente... a minha reação foi ficar mais quieta. Não tem como não dizer que não gera um desconforto. Ele não conseguiu me gerar sentimento de ódio ou algo negativo, mas senti um grande vazio.

Enquanto professora, às vezes a gente tem a sensação de que estamos sozinhos nessa jornada. Então, pensei, qual é o nosso verdadeiro papel enquanto educadores, enquanto sujeito de um processo histórico viciado em linguagens pejorativas, que marcam a história do brasileiro? Então, meu ímpeto foi de que preciso mudar isso.

Tudo aconteceu tão rápido que não busquei a direção da escola. Só conversamos hoje [a entrevista foi realizada na noite de ontem, 14 de março]. Sinceramente, eu não planejo registrar nada judicialmente.

O apoio que recebi me deixou contente. Sempre acreditei – e acho que vou continuar acreditando – na educação. Não só por ser professora. Mas vejo a educação como desfecho para várias mudanças comportamentais e sociais. É através da educação que o mundo se transforma. Então, espero que a gente passe a ter voz também para falar sobre essas repercussões que acontecem diariamente nos contextos históricos."

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