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Por Camila Cetrone, redação Marie Claire — São Paulo


Como funciona o aborto legal via telemedicina no Brasil e onde ter acesso — Foto: Reprodução/Pexels
Como funciona o aborto legal via telemedicina no Brasil e onde ter acesso — Foto: Reprodução/Pexels

Quando a gerente comercial Bianca*, de 27 anos, descobriu que poderia fazer um aborto via telemedicina, sentiu alívio. Ela, que havia sido vítima de uma violência sexual em uma viagem à trabalho, descobriu tudo o que aconteceu um mês depois, quando fez um teste de gravidez. Casada e com um filho pequeno, escolheu que não contaria sobre o assunto – e o que faria a respeito dele – para ninguém.

Mesmo respaldada pelas diretrizes de aborto legal no Brasil – que permite o procedimento em gestação decorrente de estupro, de risco de vida à pessoa gestante ou de feto anencéfalo –, se desesperou. Tentou métodos caseiros e pensou em recorrer a uma clínica clandestina. Em pesquisas na internet, encontrou o Projeto Vivas, que ajuda meninas e mulheres a acessarem serviços de aborto legal.

Além de ter sido alertada de que foi vítima de violência, foi direcionada pela equipe da ONG ao Hospital Geral de Vila Nova Cachoeirinha, na Zona Norte da capital paulista, uma referência no atendimento a vítimas de violência sexual. Lá, foi avaliada e recebeu duas alternativas: poderia fazer uma Aspiração Manual Intrauterina (AMIU) ou levar pílulas de misoprostol para casa – onde poderia autogestionar o aborto com a ajuda de uma médica, que a acompanharia o tempo todo à distância.

"Me senti confortável porque tinha medo de ficar internada no hospital e sofrer mais do que já estava sofrendo com a situação", lembra. Recebeu orientações e as pílulas; além de cards que a ensinavam a manusear os comprimidos, receitas de analgésicos para dor e o telefone pessoal da médica, que a acompanhou pelo celular.

“Fiz tudo duas horas depois de sair do hospital. Ia narrando para a médica os sintomas que sentia, meu nível de dor, mas estava tranquila. Fiz escondida do meu marido, então tomei as pílulas, fiquei quietinha na cama e, no dia seguinte, disse que iria ao hospital porque estava com dor.”

O Hospital Geral de Vila Nova Cachoeirinha é um dos oito centros especializados no Brasil que passaram a oferecer o aborto via telemedicina (todos os endereços estão no fim desta reportagem). O serviço é mais um passo ao acesso com dignidade à interrupção legal de gravidez no país, acompanhando o avanço em outros países, como Reino Unido, País de Gales e Estados Unidos (onde o aborto continua vigente após a derrubada da Roe v. Wade).

A responsável pela implementação do serviço é Helena Paro, ginecologista, obstetra e professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). "Quando a pandemia ameaçou o fechamento desse serviço, houve uma interpretação equivocada de que a atenção à vítima de violência sexual e de aborto legal não era essencial. Era uma noção preocupante: sabemos que a gravidez e a necessidade de aborto são sensíveis ao tempo", explica Paro a Marie Claire.

Advogada e pesquisadora da organização feminista Anis - Instituto de Bioética, Gabriela Rondon afirma que, na pandemia, a medida passou a ser adotada como uma estratégia para redução de leitos ao redor do mundo. “Considerando que não havia prejuízo – pelo contrário, poderia ser mais interessante para as mulheres fazerem o procedimento sem se colocar em risco de contaminação de covid –, o método foi recomendado e mantido”, explica.

Foi assim que, em agosto de 2020, Paro e sua equipe implementaram a opção de telemedicina pelo Núcleo de Atenção Integral às Vítimas de Agressão Sexual (Nuavidas), do Hospital das Clínicas da UFU – que desde 2017 atende vítimas de abuso sexual. Desde 2020, o Nuavidas sozinho ofereceu aborto via telemedicina para, em média, 50 pessoas, e tornou-se referência.

O projeto recebeu suporte técnico da Anis. As duas instituições têm sido buscadas para capacitação de profissionais e serviços Brasil afora – o que deixa Paro otimista sobre a uma expansão nacional a curto prazo.

Além de aprovado pela direção e Comissão de Ética do Hospital das Clínicas da UFU, além do Ministério Público Federal de Uberlândia, o aborto via telemedicina é um serviço legal, respaldado pela Lei nº 13.989/2020, que autoriza o atendimento à distância em situações de emergência, e pela portaria nº 467/2020, do Ministério da Saúde (MS), que regulamenta e operacionaliza ações "de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional".

Vale reforçar que o aborto autogestionado com misoprosol até a 12ª semana, com assistência via telemedicina ou não, é considerado seguro e eficaz pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A OMS foi uma das entidades que recomendou o método para aliviar a sobrecarga do sistema de saúde na pandemia.

Como funciona o aborto legal via telemedicina

As pessoas eletivas ao aborto legal via telemedicina são: mulheres, meninas e pessoas capazes de gestar que foram vítimas de violência sexual; correm risco de vida; ou que estejam de até a 12 semanas de gestação. “No caso da anencefalia fetal, não é possível fazer esse diagnóstico até a 12ª semana, o que impossibilita o tratamento em casa. Nesses casos, é preciso que o aborto seja minimamente supervisionado por um profissional de saúde, não necessariamente em ambiente hospitalar", diz Paro.

Paro e Rondon explicam que a primeira consulta deve ser feita presencialmente, onde a pessoa será avaliada por médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais. Por essa necessidade, ainda não é possível atender mulheres que estejam em cidades fora do alcance do centro de atendimento – a não ser que se desloquem para lá para a primeira consulta.

Não é preciso fazer exames, mas é desejável que se apresente um ultrassom para constatar a quantidade exata de semanas da gestação e se não se trata de uma gravidez ectópica – o que a ginecologista garante ser raro. Com o tempo gestacional dentro do adequado para o aborto via telemedicina, deve-se assinar três termos que sempre são solicitados nos casos de aborto legal. Depois disso, o misoprostol pode ser liberado no mesmo dia e levado para casa. Seu uso é considerado seguro e os riscos são baixos.

"A mulher recebe todas as informações sobre o que vai acontecer no processo de utilização e as instruções de como utilizar. Ela aliás leva esse material em formato gráfico, em cards via WhatsApp, e o número da equipe multiprofissional, com quem pode entrar em contato a qualquer momento", explica Rondon.

Paro explica que o atendimento pode ser feito em vídeo, áudios ou texto, já que algumas mulheres estão em ambientes em que não podem demonstrar que estão fazendo o aborto ou optam por não compartilhar a informação com seu círculo próximo, como Bianca. “Em tempo real, a paciente pode tirar dúvidas ou, por exemplo, mandar fotos do sangramento para que o profissional avalie se o nível está dentro do esperado", explica Paro.

Por fim, é realizado um acompanhamento nas primeiras semanas pós-procedimento, o que foi otimizado com a telemedicina: “Antes as pacientes não voltavam para o acompanhamento. A telemedicina melhorou a adesão dessa continuidade”, acrescenta.

Rondon reforça que o procedimento é de baixa complexidade: "O fato de a própria mulher poder administrar os medicamentos faz com que o processo seja vivido de uma maneira muito parecida a uma cólica forte ou menstruação mais intensa – algo que as mulheres já sabem como funciona."

Como aborto via telemedicina pode transformar o acesso no Brasil?

O aborto legal via telemedicina tem o potencial de aprimorar a qualidade do acesso e ampliar o alcance de mulheres, meninas e pessoas capazes de gestar. É o que explicam Debora Diniz, antropóloga e uma das principais pesquisadoras sobre aborto no Brasil, e Rebeca Mendes, advogada, fundadora e diretora executiva do Projetos Vivas.

“É uma opção importante porque tira a necessidade de internação dessa mulher e dá a ela a opção de fazer o aborto no conforto da sua casa, em segurança. Vemos casos de mulheres que têm filhos pequenos ou que trabalham e não podem ou não querem ficar internadas”, diz Mendes.

“Antes, as mulheres tinham um único centro de serviço, que era São Paulo, e tinham que se deslocar quilômetros. Com um serviço de telemedicina, há mais acesso a medicamentos para o aborto legal e se permite que as mulheres mais vulneráveis – que são aquelas afastadas das capitais e dos grandes centros urbanos – possam acessá-lo”, acrescenta Diniz, que coordena a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA).

Por mais que o serviço seja importante, Helena Paro afirma que há necessidade de uma implementação maior – o que é dificultado, principalmente, pelo estigma por parte de profissionais da saúde e pela falta de capacitação humanizada sobre o assunto. "As regiões Nordeste e Sudeste, por onde estão espalhados os oito centros que oferecem o serviço, têm menos estigma relacionado ao aborto. Há dificuldades no Sul, Norte e Centro-Oeste, onde gestores têm muito medo de retaliações, o que estamos tentando mudar", explica.

Também reforça a importância de apoio de projetos e iniciativas que facilitem o deslocamento aos centros que contam com a possibilidade – o que atualmente é feito, principalmente, por iniciativas feministas como o Projeto Vivas, que costuma custear a passagem para a primeira consulta e encontrar acomodações próximas ao hospital. "Precisamos que o serviço seja reconhecido e que venham pacientes para que possamos formar profissionais e reduzir essa necessidade de deslocamento.”

Redução do estigma e apoio para expansão do serviço

Além da visão restritiva sobre aborto no Brasil, Paro analisa que os primeiros anos do serviço foram dificultados devido a ofensivas "fora da ciência" e "antidireitos" chanceladas sob a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, por meio de seu MS.

Ela cita como exemplo a portaria que orientava médicos a comunicarem à polícia casos de aborto por estupro, a publicação de uma cartilha que atestava que qualquer tipo de aborto é crime (ambas revogadas pela gestão de Nísia Trindade) e a nota técnica que determinava que o aborto não poderia ser feito via telemedicina.

Além disso, a própria Helena Paro foi colocada na mira do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG), que é alvo de uma ação que pode culminar na cassação de seu registro. Ela será julgada por supostamente violar o Código de Ética Médica ao "prescrever tratamento e outros procedimentos sem exame", "deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou infringir a legislação pertinente" e "usar da profissão para corromper costumes cometer ou favorecer crime", por exemplo.

“Esse processo não respeitou os trâmites oficiais. Um conselheiro fiscalizou nosso serviço, viu metade de nossos prontuários e viu que estava tudo certo. Mesmo assim instauraram uma denúncia depois de verem uma reportagem que dizia que eu ensinava mulheres a abortar em casa. Mas fico com a consciência tranquila porque sei que estou do lado certo da ciência. Não houve um dia em que deixamos mulheres sem atendimento.”

Sob a gestão do governo Lula e com a Saúde chefiada por Trindade, Paro tem uma perspectiva mais positiva. Conta que, desde o início do ano, sua equipe se encontrou com secretários do MS duas vezes, o que, em sua visão, demonstra que "há uma escuta", não só sobre o aborto mas sobre "outras medicações e insumos essenciais para cuidados que asseguram o aborto".

Entre eles, cita a aprovação da mifepristona – medicamento proibido no país que potencializa a eficácia do aborto medicamentoso – e menor restrição à distribuição de misoprostol – desde 1998, a venda em farmácias é proibida pela Portaria 344 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), e o acesso a hospitais é altamente burocrático, o que dificulta o atendimento.

Um estudo de 2022 ilustra essa necessidade: segundo a pesquisa Como a normatização sobre o serviço de aborto em gravidez decorrente de estupro afeta sua oferta nos municípios?, das especialistas em saúde coletiva Marina Jacobs e Alexandra Crispim Boing, a disponibilidade de misoprostol nas unidades básicas de saúde garantiria uma cobertura de acesso ao aborto legal de 95% da população, sem precisar fazer alterações na legislação.

“No Brasil ainda se faz curetagem, um procedimento considerado obsoleto pelo MS há mais de uma década. Esses novos insumos são necessários e deveriam ser considerados centrais para compra e distribuição por parte da pasta", analisa. "Quero que possamos desestigmatizar o aborto. Sempre gosto de pensar nele como cuidado. Não é só uma questão de saúde pública, mas também de saúde individual."

Onde acessar o aborto legal via telemedicina no Brasil

João Pessoa, Paraíba

Instituto Cândida Vargas

Av. Coremas, 865 - Jaguaribe

Recife, Pernambuco

Hospital da Mulher do Recife

Av. Recife, 5629 - Estância

Salvador, Bahia

Instituto de Perinatologia da Bahia (IPERBA) Salvador

R. Teixeira Barros, 72 - Parque Bela Vista

Maternidade Maria da Conceição de Jesus

Av. Afrânio Peixoto, 1492 - Coutos

Uberlândia, Minas Gerais

Núcleo de Atenção Integral às Vítimas de Agressão Sexual (Nuavidas) – Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

Av. Pará, 1720 - Umuarama

São Paulo, São Paulo

Maternidade Vila Nova Cachoeirinha

Av. Dep. Emílio Carlos, 3100 - Vila Nova Cachoeirinha

São João de Meriti, Rio de Janeiro

Hospital da Mulher Heloneida Studart

Av. Automóvel Clube, S/N - Jardim Jose Bonifacio

*O nome foi alterado a pedido da entrevistada para proteger sua identidade.

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