O Projeto de Lei 1904/24 equipara o aborto realizado após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive no caso de estupro, hoje permitido por lei. Caso aprovado, o texto, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), prevê a possibilidade de uma pena maior para a mulher que interromper a gestação do que para o homem que a estuprou.
Isso porque a pena prevista no Código Penal para homicídio simples é de 6 a 20 anos. No caso de estupro de uma pessoa adulta, a sentença pode ir de 6 a 10 anos. Se a vítima for menor de idade, varia de 8 a 12 anos. No caso de estupro de vulnerável, de 8 a 15 anos. Se resultar em lesão corporal grave, a sentença pode chegar a 20 anos.
Em análise na Câmara dos Deputados, a proposta altera o Código Penal, que hoje não pune o aborto e tampouco estabelece restrição de tempo para o procedimento em casos de estupro, risco de vida à gestante ou anencefalia fetal.
O código atualmente prevê detenção de um a três anos para a mulher que abortar ilegalmente; reclusão de um a quatro anos para o médico ou outra pessoa que provoque aborto com o consentimento da gestante; e reclusão de três a 10 anos para quem provoque aborto sem o consentimento da gestante.
Para Luciana Temer, professora em Direito Constitucional na PUC-SP e presidente do Instituto Liberta, ONG dedicada à conscientização sobre a violência sexual de crianças e adolescentes no Brasil, o projeto de lei "condena meninas a aguentarem uma gestação e terem filhos decorrentes de estupros cometidos por familiares, 44,4% dos casos por pais e padrastos."
“O Brasil registra 4 estupros de menores de 13 anos por hora. Mais de 70% cometidos dentro de casa por familiares. Isso explica porque cerca de 10% dos casos são denunciados. Um estudo realizado entre 1994 e 2015 no Hospital Pérola Byington (atual Hospital da Mulher), com adolescentes entre 12 e 17 anos grávidas comparou dois grupos: as que tinha sido vítimas de estupro incestuoso e as estupradas e engravidadas por desconhecidos. Um dos resultados obtidos foi que as meninas estupradas por parentes eram mais novas e chegavam ao sistema de saúde em idade mais avançada de gestação, boa parte, depois da vigésima terceira semana", diz Temer.
O projeto foi apresentado no dia em que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou a suspensão da resolução aprovada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para proibir a realização da assistolia fetal para interrupção de gravidez após 22 semanas de gestação. A técnica utiliza medicações para interromper os batimentos cardíacos do feto, antes de sua retirada do útero.
A proposta ainda não foi distribuída às comissões da Câmara, mas poderá ser votada diretamente pelo Plenário caso requerimento de urgência do deputado Eli Borges (PL-TO) e outros seja aprovado.