Direitos Reprodutivos
Por , redação Marie Claire — São Paulo (SP)


Manifestante em protesto em defesa do aborto legal, em São Paulo, 28 de setembro de 2023 — Foto: Miguel Schincariol/AFP/Getty Images
Manifestante em protesto em defesa do aborto legal, em São Paulo, 28 de setembro de 2023 — Foto: Miguel Schincariol/AFP/Getty Images

O presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira deve pautar nesta terça-feira (11) o requerimento de urgência para a tramitação do Projeto de Lei nº 1.904/24, que quer equiparar a realização do aborto após a 22ª semana como crime de homicídio simples. Desta forma, quem o realiza, seja nos casos legais ou não, poderia enfrentar pena de seis a 20 anos de prisão. [ATUALIZAÇÃO: A Câmara dos Deputados aprovou o requerimento de urgência para o PL nº 1.904/24 na quarta-feira, 12 de junho de 2024]

Marie Claire confirmou a intenção de incluir o PL em pauta no plenário com a assessoria de imprensa de Lira. Até o momento, o acordo do colégio de líderes é votar apenas o regime de urgência. A equipe afirma ainda que o mérito do projeto será apreciado pelo Plenário em outro momento, mas ainda não há prazo estabelecido.

A tramitação com urgência causa preocupação em entidades, pesquisadores e organizações de justiça reprodutiva no país. “Na verdade, esse PL criminaliza integralmente o aborto no país e tem impacto brutal nas mulheres que sofreram violência sexual estupro e engravidaram”, afirma a antropóloga Debora Diniz, uma das principais pesquisadoras sobre aborto no Brasil. Por impactar sobretudo meninas, o projeto ganhou o apelido de PL da Gravidez Indesejada das entidades contrárias a ele.

"É o maior retrocesso para os direitos das mulheres desde a Constituição de 1988. É um ataque sistemático a crianças brasileiras, que serão as principais vítimas", afirma a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), contrária ao PL.

Ligia Cardieri, coordenadora adjunta da Rede Feminista de Saúde (RFS), afirma que uma aprovação deste PL é "inadmissível". "Se virar lei, isso se refletirá de imediato na rotina dos serviços. Gestores de saúde deveriam estar divulgando os serviços e assegurando o direito de decidir. Além disso, pouco se faz para prevenir essa violência de gênero", analisa.

Ao não seguir as vias comuns de tramitação, o projeto não precisa passar por apreciação em Comissões da Câmara e pode ir direto para análise e votação no Plenário.

"Isso significa que não há tempo mínimo para apresentar esse projeto para a sociedade e fazer uma discussão importante. Ele pode ser votado a qualquer momento, sem debate, e com chances ainda menores de alguma oposição justa”, diz Laura Molinari, coordenadora da campanha Nem Presa Nem Morta. Com uma composição atual de maioria conservadora, ela vê uma aprovação fácil do PL.

Essa possibilidade é vista por Bomfim como um "atropelo numa pauta tão séria". Internamente, o projeto é enxergado como uma tática de Lira para conseguir manter a sucessão da cadeira da presidência no plenário, em busca de votos da maior parte da Câmara.

"Esse projeto se insere num contexto em que bolsonaristas pautam projetos que consideram ser mais favoráveis para o terreno eleitoral. Ou seja, assuntos polêmicos na sociedade civil que causem mobilização, ativando o pânico moral e envolvendo setores fundamentalistas", pensa a parlamentar.

Para ela, considerando a atual composição do Congresso e do Senado, há grandes chances de o projeto avançar. "Caso as etapas sejam cumpridas, temos como fazer uma forte campanha para que Lula não o sancione. Se sancionar, o projeto pode ser questionado pela Justiça porque é claramente inconstitucional."

Atualmente, a lei brasileira permite a interrupção legal da gestação em casos de gestação de feto anencéfalo, decorrente de estupro ou de risco de vida da pessoa gestante. Os dois últimos casos estão previstos no Artigo 128 e não estabelecem limite gestacional.

Tentativa de aprovar requerimento de urgência é organizada no mesmo mês em que a Organização das Nações Unidas (ONU) cobrar o Brasil para legalizar o aborto. “Em um país em que, nos últimos 10 anos, a média de partos de meninas com menos de 14 anos foi de mais de 20 mil por ano, sendo 74,2% negras, não é admissível que novas barreiras sejam impostas para que o aborto legal seja realizado”, diz trecho da recomendação do Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Cedaw).

“Legalizar o aborto é uma necessidade de saúde e proteção. Igualar o aborto legal ao crime de homicídio, um dos mais graves do nosso contexto de política criminal, é retroceder quase cem anos anos na nossa historia”, diz Diniz. “É importante pensarmos que, em vez do que se pensaria, esse PL não foi proposto por questões morais e convicções filosóficas. É, na verdade, por uso da questão do aborto no mundo ao nicho da extrema direita”, acrescenta.

O PL é um reforço às ofensivas legislativas e institucionais que buscam barrar a realização do aborto, mesmo nos casos legais. É o caso da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) emitida em março, que impede médicos de realizar assistolia fetal. A resolução foi suspensa pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes em maio, por entender que o conselho “ultrapassou o poder regulamentar”.

A assistolia fetal é uma injeção de produtos que induz à parada do batimento do coração do feto antes de ser retirado do útero, nos casos de aborto após a 22ª semana de gestação. No país, é usada, sobretudo, para interromper gravidezes decorrentes de estupro, e é um método recomendado pela OMS.

Além disso, o serviço de aborto legal do Hospital e Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, na Zona Norte de São Paulo, foi interrompido em dezembro de 2023 pela gestão do prefeito Ricardo Nunes. A instalação era referência nacional, sobretudo, para interrupção de gestações avançadas. Uma apuração de Marie Claire descobriu que a prefeitura de São Paulo teve acesso a prontuários médicos sigilosos das pacientes que foram atendidas.

Em abril, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) puniu duas médicas que atuavam no serviço e, em CPI na Assembleia Legislativa (Alesp), afirmou que eram feitos abortos ilegais, mas não apresentou provas.

Comparativo de aborto com homicídio é visto como cruel

Molinar afirma que o projeto de lei pode trazer graves impactos para a vida de mulheres, meninas e pessoas que gestam ao estipular na lei o limite de tempo de 22 semanas. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que limites gestacionais não têm embasamento científico e que podem aumentar os índices de mortalidade materna – aborto inseguro é o 5º motivo no país.

"É cruel impor a gravidez a qualquer pessoa, mas sobretudo a quem tentou mas não conseguiu abortar antes porque não tinha serviço por perto, para as meninas que vão ser forçadas a abandonar a infância para exercerem a maternidade. Isso se não morrerem no parto, já que o risco é maior para elas”, diz Molinar.

Um estudo da RFS aponta que, anualmente, 15 mil meninas menores de 14 anos estão parindo, mesmo podendo optar pelo aborto. A estimativa é de que a cada 30 minutos, uma criança é forçada a levar uma gestação adiante. A lei brasileira enxerga qualquer relação sexual abaixo dessa idade como "estupro de vulnerável", mas apenas 3% delas chegam aos serviços de aborto legal. Além disso, essa é a faixa etária das principais vítimas de estupro do país.

Molinar também cita que outras impactadas seriam pessoas que foram estupradas, não sabiam que poderiam abortar legalmente e perdem o prazo por questão de dias; as que terão de levar a gestação decorrente de um estupro adiante; as que morrem porque corriam risco de vida; e as que vão precisar levar até o fim a gravidez de um feto diagnosticado com anencefalia fetal.

Ela analisa que o projeto também reduziria ainda mais as informações sobre aborto legal no Brasil e aumentaria o estigma sobre o assunto, amedrontando mulheres a buscarem o direito. Consequentemente, elas seriam afastadas dos serviços, que mesmo hoje são distribuídos de maneira desigual. Apenas 3% das cidades brasileiras contam com um serviço de aborto legal, levando muitas a se deslocar por longas distâncias ou, no caso das pobres, a levar a gravidez a termo.

O que diz projeto de lei que equipara aborto a homicídio

De autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), o projeto de lei visa alterar os Artigos 124 (aborto autogestionado ou consentir que outra pessoa o faça), 125 (provocar aborto sem consentimento) e 126 (provocar aborto com consentimento) do Código Penal.

Se aprovado o projeto acrescenta que “quando houver viabilidade fetal, presumida gestações acima de 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme o delito de homicídio simples [matar alguém, segundo o Código] previsto no art. 121 deste Código”. Além de Cavalcante, mais de 30 parlamentares assinaram o texto do projeto, incluindo Nikolas Ferreira, Eduardo Bolsonaro, Carla Zambelli e Bia Kicis (veja a lista completa no fim da reportagem).

Procurado, o deputado afirma que "O PL é a forma que temos de punir médicos, que se formaram para defender valores da vida, a se tornarem produtores de assassinatos de indefesos no ventre de suas mães”.

O parlamentar afirma que o requerimento de urgência é uma reação ao voto favorável da então ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber na ADPF 442, que prevê a descriminalização do aborto em todos os casos até a 12ª semana de gestação. O julgamento está paralisado devido a pedido de transferência ao plenário físico, feito pelo atual presidente da Corte, o ministro Luís Roberto Barroso. Não há previsão de retomada da apreciação da ADPF 442, até o momento.

A ação foi proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e Anis - Instituto de Bioética em 2017. Sob o pretexto de que a criminalização viola os direitos de mulheres, meninas e demais pessoas que gestam de decidirem sobre seus corpos, além de ser empecilho para o planejamento familiar no país.

Sóstenes Cavalcante define ainda ser uma contribuição à resolução do CFM que busca criminalizar a assistolia fetal. O parlamentar define o método como “degradação do ser humano”, “desvalorização da vida” e que partidos e o STF “ignoram a ciência que tanto dizem defender”.

Manifestações contrárias

A estratégia usada pelos movimentos sociais é de pressionar Lira publicamente para que não paute o requerimento de urgência. “Também é preciso que as lideranças do Congresso e que parlamentares minimamente preocupados com os direitos das mulheres, crianças e pessoas que gestam se posicionem para impedir que esse requerimento seja colocado em votação”, diz Molinar.

Na última quarta-feira (5), 68 organizações feministas enviaram uma carta aos deputados e deputadas federais em que pedem posicionamento contra a proposta “em favor da vida digna de milhares de meninas que têm suas infâncias e projetos de vida interrompidos por serem forçadas a continuar com uma gravidez��.

O documento também destaca os perfis de meninas pobres e negras, que deve ser o mais impactado caso o PL seja aprovado – sobretudo em regime de urgência. “Vocês querem que crianças sejam mães?”, questionam. A Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras emitiu uma nota pública de repúdio ao PL, definindo-o como "evidente ataque aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e pessoas que gestam, com base em argumentos morais e anticientíficos".

Também há uma página em que qualquer cidadão ou cidadã pode pressionar parlamentares por meio do envio de e-mails. É possível fazer o envio pelo link criancanaoemae.org.

A campanha Nem Presa Nem Morta tem organizado mutirões nas redes sociais, em especial X (antigo Twitter) e Instagram, com as hashtags #PL1904Não #CriançaNãoÉMãe e #NemPresaNemMorta. Organizações também realizam projeções de mensagens em prédios. “Uma mulher é estuprada, ela engravida… E ela é presa? Sério, Lira?”, questiona uma das mensagens.

Deputados que assinaram projeto que equipara aborto legal após 22ª semana a homicídio

  1. Sóstenes Cavalcante (PL/RJ, autor)
  2. Evair Vieira de Melo (PP/ES)
  3. Delegado Paulo Bilynskyj (PL/SP)
  4. Gilvan da Federal (PL/ES)
  5. Filipe Martins (PL/TO)
  6. Luiz Ovando (PP/MS)
  7. Bibo Nunes (PL/RS)
  8. Mario Frias (PL/SP)
  9. Delegado Palumbo (MDB/SP)
  10. Ely Santos (REPUBLIC/SP)
  11. Simone Marquetto (MDB/SP)
  12. Cristiane Lopes (UNIÃO/RO)
  13. Renilce Nicodemos (MDB/PA)
  14. Abilio Brunini (PL/MT)
  15. Franciane Bayer (REPUBLIC/RS)
  16. Carla Zambelli (PL/SP)
  17. Dr. Frederico (PRD/MG)
  18. Greyce Elias (AVANTE/MG)
  19. Delegado Ramagem (PL/RJ)
  20. Bia Kicis (PL/DF)
  21. Dayany Bittencourt (UNIÃO/CE)
  22. Lêda Borges (PSDB/GO)
  23. Junio Amaral (PL/MG)
  24. Coronel Fernanda (PL/MT)
  25. Pastor Eurico (PL/PE)
  26. Capitão Alden (PL/BA)
  27. Cezinha de Madureira (PSD/SP)
  28. Eduardo Bolsonaro (PL/SP)
  29. Pezenti (MDB/SC)
  30. Julia Zanatta (PL/SC)
  31. Nikolas Ferreira (PL/MG)
  32. Eli Borges (PL/TO)

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