Cultura

Por Catherine Castro, de Marie Claire França, com tradução de Camila Cetrone, de Marie Claire Brasil — São Paulo (SP)


Paul B. Preciado — Foto: Marie Rouge
Paul B. Preciado — Foto: Marie Rouge

Ainda é dia quando seu corpo longo e esvoaçante, vestido de azul marinho, se destaca na multidão perto do Parque Belleville, em Paris, apoiado por Rilke, um buldogue francês que puxa pela coleira. Paul B. Preciado é um dos filósofos de gênero mais influentes de seu tempo, o ídolo daqueles que sonham com a interseccionalidade, com a decolonização de corpos e mentes, com a derrubada do patriarcado, com a ecologia das consciências, simplesmente ecologia.

Aluno de Jacques Derrida, herdeiro de Monique Wittig e Michel Foucault, Paul B. Preciado é um homem transgênero. Desde 2013, ele narra sua transição sexual e de gênero, mas também suas consternações políticas, nas páginas do jornal Libération.

"Designada mulher.” Ele nasceu assim, em 1970, em uma cidade média no norte da Espanha franquista, filho único de uma mãe costureira e um pai mecânico. Aos 30 anos, fez a transição, renascendo como Paul B. Ele obteve seu passaporte com essa nova identificação civil em 2015.

Um gênero político e filosófico

Para ele, gênero e sexo são ficções políticas que legitimam a violência patriarcal, o racismo, o colonialismo e a violência. Preciado transformou seu corpo e sua existência em um laboratório político, um campo filosófico. Seus livros – Manifesto contrassexual (ed. Zahar, 232 págs., R$ 35,99), Testo junkie: sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica (N-1 Edições, 448 págs., esgotado no Brasil), Eu sou o monstro que vos fala: Relatório para uma academia de psicanalistas (ed. Zahar, 96 págs., R$ 33,43), Dysphoria mundi (ed. Zahar, 568 págs., R$ 109,90) – estão tendo cada vez mais sucesso.

“Desde minha infância, eu não me sentia nem menino nem menina. Quando criança, a professora dizia: ‘Os meninos, as meninas e você.’”

Nosso encontro aconteceu bem antes da meia-noite, às 20h30. Encontramos um terraço meio deserto, com dois bancos e uma mesa perigosamente instáveis. Paul B. Preciado não bebe álcool, então não vamos nos divertir esta noite.

Em exibição na França e previsão de lançamento para 27 de junho no Brasil, "Orlando, minha biografia política" é o primeiro filme do famoso pensador. Quando a produtora Arte chegou a ele com a ideia de um projeto de documentário sobre sua vida e obra, Preciado respondeu: "Façam uma adaptação de Orlando, de Virginia Woolf. Há cem anos, ela escreveu minha biografia ideal."

Neste romance de 1928, o personagem adormece como homem e acorda como mulher. A Arte propôs a Paul B. ser o diretor. O resultado? Uma pérola pop e poética, uma mistura de ficção e documentário, um autorretrato e uma autobiografia coletiva.

Vinte e seis pessoas trans e não binárias tecem na tela os fios de suas existências, entrelaçando-os com as palavras de Woolf. Crianças também, não binárias ou trans, vêm desafiar nossas representações.

Todos esses seres, ligados por Preciado em 1 hora e 39 minutos de filme, formam a comunidade de Orlando. O filme recebeu o Prêmio Especial do Júri no Festival Internacional de Cinema de Berlim. "Como construir uma vida orlandesca? Uma vida de poeta de gênero no meio de uma sociedade binária e normativa?", pergunta a voz off de Paul B. A noite caiu, sem aviso prévio, nas ruas inclinadas de Belleville.

Uma infância em que não se sentia si mesmo

Antes da transição, Paul deixou sua família aos 16 anos para estudar filosofia em Madrid. Francisco Franco morreu em 1975, no início da transição democrática. "Desde minha infância, não me sentia nem menino nem menina. Quando criança, a professora dizia: 'Os meninos, as meninas e você.' Naquela época, eu não sabia que era trans, eu não tinha linguagem para entender. Era um lugar diferente, um lugar nenhum."

Desde cedo, os outros percebiam sem saber sua não binaridade. Em Madrid, ele amava tanto homens quanto mulheres, mas de forma alguma era hétero e se juntou ao grupo das lésbicas. Nem hétero, nem lésbica. "Dentro-fora, sempre".

‘Pela primeira vez, me senti em casa em algum lugar’

Aos 17 anos, ele descobriu La Luna, um lugar mítico da Movida Espanhola. "Um local onde só havia mulheres trans mais velhas, homens héteros mais velhos, travestis. Era também um lugar de trabalhadoras sexuais, ninguém da minha geração ia lá. Pela primeira vez, me senti em casa em algum lugar. Foi um golpe direto no coração."

Tornou-se um frequentador habitual deste cabaré com uma atmosfera decadente, sendo acolhido pelas mulheres trans. "Nessa época, minha família era dura, católica, conservadora. Por que me sentia bem ali? Descobri mais tarde que minha avó tinha sido prostituta."

Paul B. Preciado, sempre em transição

"A ficção precede a realidade." Na vida de Paul B., essa fórmula parece indicar o Norte. Nem mulher, nem homem. Ele escreve sua própria ficção. "A noite é, acima de tudo, política. Ao contrário do quarto, é um espaço construído em um encontro coletivo. Um lugar de dissidência, de resistência, de desejo político."

Em Paris, ele mergulha no ano 2000 com a turma do escritor Guillaume Dustan, "viado, vivendo com HIV, drogado, que usa plumas à noite e faz questão de deixar isso claro" (escreveu no Libération). Desde La Luna, o underground é seu mundo, e as práticas sexuais fora do comum são uma aventura performática. "O submundo, a noite dos minoritários, aqueles que são totalmente invisíveis."

Ser trans é sempre uma travessia solitária. No povo das margens, entre os Orlandos, ele encontrou seu lugar. "Sabe os pássaros migratórios voando em formação? Eu não era mais um observador, eu voava com eles." Seus três anos de estudos de medicina o levaram a experimentar substâncias químicas ou não? De qualquer forma, elas foram úteis quando pessoas ao seu redor estavam em situações perigosas.

Ele experimentou todas as drogas, "para fins experimentais": cocaína, ketamina, LSD, heroína, ayahuasca... "O que me interessa nas drogas é a modificação da subjetividade pela substância. Isso também permite conectar-se a experiências coletivas. As drogas são apenas uma pequena parte das tecnologias da consciência, há mil outras. A mais poderosa é sem dúvida a linguagem. O álcool nunca me proporcionou isso."

Em Testo junkie, ele conta sobre o uso de hormônios, a morte de Dustan e o romance com a escritora Virginie Despentes, com quem viveu durante dez anos. Em Nova York, ele ainda passeia pela noite queer – "Eu gostaria de ter sido mais travesso", diz ele – e sobre ser operado em uma clínica administrada por ativistas trans. "O que significa começar sua transição? Ninguém está fixado para sempre, homem, mulher, infância, adolescência, gravidez, divórcio, luto… Tudo é transição. Estamos todos em transição ao longo da vida. Somos plásticos." Em outras palavras, estar em transição é estar vivo.

Feminista diante da violência masculina

Os mortos também podem estar vivos. "Esses mortos são presenças muito fortes. Eu os invoco quando escrevo, quando leio, são quase terapeutas. A literatura e a filosofia são apenas telepatia com os mortos. Quando estou perdido na minha vida, releio Kafka para ver o que ele me diz. Pedro Lemebel [escritor, cineasta e artista plástico chileno] me acompanha, ele era um amigo e um grande escritor. Amei muito Dustan, mas não o invoco todos os dias, é uma vibração mais conflituosa. Quando vou a uma manifestação, digo a ele: 'Vamos lá.'"

Preciado poderia ter sido apenas um filósofo refletindo em seu quarto. Não o é. Seu confronto com a normatividade é uma performance artística. Professor de filosofia, ele lutou para que os espaços universitários e os museus abrissem à noite, "um verdadeiro momento para pensar quando as instâncias de repressão e normalização se soltam".

Seus seminários noturnos, onde filosofia, política e contracultura se fundiam, são, dizem, memoráveis. A dez centímetros de nós, três jovens gritam. Dominação máxima do espaço. Se antes da transição era feminista, Paul B. é ainda mais. "A experiência de ser trans é uma lição de feminismo incorporado. Percebi o quanto os homens dominam o espaço público pela violência, controle e vigilância."

Nessa mira dos homens estão as mulheres, é claro – incluindo as mulheres trans, pessoas não binárias e não atribuíveis a rótulos, o que preocupa os machões.

O vento soprou. O cachorro Rilke está com frio, Paul B. está congelando. O filósofo trans volta para casa, bem ao lado. Total suavidade, impacto radical.

13 perguntas antes da meia-noite

Marie Claire Você dorme à noite?
Paul B. Preciado
Muito bem. Eu me deito e durmo.

MC Sua mãe te beijava antes de dormir?
PBP
Não. Minha mãe estava muito apaixonada pelo meu pai. Eu ouvia meus pais se beijando, fazendo amor. Mas minha avó me cobria de beijos.

MC Quais são suas bebidas e comidas noturnas?
PBP
Não reajo bem ao álcool. Prefiro água. O que eu adoro é café da manhã, churros e café da Espanha, panquecas com xarope de bordo nos "dinners" nos Estados Unidos.

MC O que há na sua mesa de cabeceira?
PBP
Uma pilha de livros em todas as línguas, uma espécie de torre de Babel que preciso descer de vez em quando, porque corre o risco de cair em cima de mim. Gosto de ler vários livros ao mesmo tempo.

MC Você tem uma estrela da sorte?
PBP
Não é uma estrela da sorte, mas uma constelação. Toda a minha vida, tive golpes de sorte. Todas as noites, me deito com gratidão.

MC Quais são seus combustíveis após a meia-noite? Álcool, Xanax, sexo, açúcar?
PBP
O sexo, de dia e de noite é um combustível muito maior para mim do que álcool ou drogas. Xanax, não.

MC Gosta de dançar?
PBP
Meu parceiro faz música. Eu costumo ouvir, então eu danço bastante. Adoro chegar à meia-noite e sair às 5 da manhã.

MC Qual foi sua noite mais louca?
PBP
Escolher só uma é muito difícil. Vou escolher uma que me vem à mente, no Museu de Arte Contemporânea (Macba) em Barcelona. Eu chamei de "Museu Oral da Revolução". Desliguei todas as luzes em uma parte do museu e, na escuridão, havia música, filmes e muitas palavras. As pessoas tinham uma pequena lâmpada cada, recitavam poesia, textos políticos ou cantavam em todas as línguas. Não dava para ver quem estava lendo: homem, mulher, branco, gordo, negro, pessoa com deficiência… Eram vozes, como invocações durante uma noite de feitiçaria.

MC O que é mais difícil na noite?
PBP
Os caras héteros e machistas que se intrometem. Acho insuportável exercer esse poder ainda mais à noite.

MC O que você mais gosta na noite?
PBP
A temporalidade. As horas não passam da mesma forma. Há uma contração, uma dilatação. O tempo se torna vivo.

MC Quais são as palavras da noite?
PBP
As palavras que as pessoas não dizem durante o dia. Depois, elas esquecem completamente o que disseram. À noite, entramos em uma intensidade diferente.

MC E o perfume da noite?
PBP
Sinceramente, sempre é preciso se livrar do perfume da noite, cigarros, álcool velho, coisas não identificáveis. O som da noite? Muita música eletrônica minimalista alemã, é claro.

Esta entrevista foi originalmente publicada na edição impressa nº 862 de Marie Claire França, datada de julho de 2024. Também foi publicada no site de Marie Claire França.

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