Retratos

Por Paola Deodoro — São Paulo


“A cada entrevista que dou, são como cinco sessões de terapia seguidas, de tão fundo que mergulho. Enquanto vou falando, vou elaborando tanta coisa. Então, imagina esta entrevista aqui, nesta fase da minha vida”, diz Preta Gil ao final da segunda das duas conversas que deram origem a este texto. O alerta não é em vão. A cantora, empresária, produtora, publicitária, atriz, apresentadora e maior fazedora de amigos do Brasil passa, declaradamente, pelo período mais complicado da sua existência. Sem perder a potência, a sensibilidade e a delicadeza.

Preta Gil - Acessório de  cabeça Davi Ramos; brincos HStern;  vestido Balmain — Foto: Bruna Castanheira (GrouPart)
Preta Gil - Acessório de cabeça Davi Ramos; brincos HStern; vestido Balmain — Foto: Bruna Castanheira (GrouPart)

Diagnosticada com um câncer colorretal em janeiro deste ano, em março ela foi acometida por uma septicemia, fruto de uma infecção pelo cateter da quimioterapia. O episódio envolveu quatro horas de perda de consciência, reanimação e 20 dias de UTI. Mas Preta não se deixou deter. Pelo contrário. Poderosamente, mudou seu olhar em relação à morte, remodelou planos, ajustou sua relação com o tempo e não se intimidou na hora de dar fim, em abril, ao casamento de oito anos com o personal trainer Rodrigo Godoy.

A artista nasceu e cresceu cercada de muitos amigos e agora amplificou ainda mais a rede de amor e apoio. Em função de mudanças no seu tratamento contra o câncer, desde o início de maio mora em São Paulo, na casa da amiga Malu Barbosa, que, com uma disposição inspiradora, acolheu Preta e seu clã – formado por um elenco fixo e incontáveis participações especiais. É nesse apartamento na região dos Jardins que acontece a entrevista para Marie Claire.

Quando chego, ela está sentada em um sofá próximo à janela. Logo ao lado, à mesa da sala de jantar, alguns amigos seguem com seus afazeres. Preta sorri largo, ajeita o cabelo e me dá um abraço apertado e intenso. O que ajuda a abrandar a tensão pela expectativa de conduzir uma conversa tão delicada.

E basta a primeira pergunta para entender por que ela compara esses bate-papos a sessões de análise: sua resposta é fluida, elaborada, com reflexões, cheia de referências, memórias, com piscadas demoradas que acompanham as constatações mais complexas. Algumas vezes adianta a resposta de perguntas ainda nem feitas, tamanha a habilidade em criar conexões. “O câncer tem essa característica física, de você precisar parar para se tratar. Hoje estou bem, e ainda assim agora eu estou conversando com você e sentindo várias sequelas da radioterapia, que não são poucas, mas elas não me paralisam. Intelectualmente estou funcionando muito bem.”

Preta Gil -  Vestido Tig; brincos e anel Swarovski; bracelete Brennheisen — Foto: Bruna Castanheira (GrouPart)
Preta Gil - Vestido Tig; brincos e anel Swarovski; bracelete Brennheisen — Foto: Bruna Castanheira (GrouPart)

"É uma realidade que a finitude pode chegar mais rápido para mim"

Preta sabe em detalhes as nuances da doença. Os estágios de diagnóstico, as mudanças de estratégia, a importância de cada movimento, a consequência de cada escolha. Foi nesse contexto que decidiu prosseguir com o tratamento em São Paulo. Inicialmente, no Rio de Janeiro, faria oito sessões de quimioterapia venosa. Mas na quinta sessão teve a sepse, e o corpo exigiu rever os planos. “Fui convencida pela minha família a mudar meu tratamento para São Paulo para buscar um direcionamento mais específico”, conta, lembrando que estava em busca de um oncologista focado em câncer colorretal. “Cheguei aqui e me apresentaram outra realidade. A escolha do cirurgião foi decisiva também. Então vou seguir a radioterapia até a cirurgia, e depois entender o desdobramento, porque tudo pode acontecer, inclusive ter que voltar à quimioterapia”, explica.

Preta Gil -  Lenço Minha Avó Tinha; vestido Tig — Foto: Bruna Castanheira (GrouPart)
Preta Gil - Lenço Minha Avó Tinha; vestido Tig — Foto: Bruna Castanheira (GrouPart)

Para ela, esse “tudo pode acontecer” é profundo e inclui muita coisa. Que vai da cura à iminência do fim. “A morte é um assunto muito tabu, principalmente no Ocidente. Ninguém fala da morte. Mas eu tenho um pai que fala de uma forma natural sobre isso. Temos conversado bastante.” Preta, é claro, é filha do músico Gilberto Gil, um griô contemporâneo – uma figura que, em muitas culturas africanas, é responsável por transmitir o conhecimento entre as gerações. “Depois da septicemia, tivemos uma conversa tão verdadeira, tão bonita, que eu realmente comecei a ver a morte de outro jeito”, ela conta. “É uma realidade que a finitude pode chegar para mim mais rápido. Sempre tive muito medo de morrer, hoje não tenho mais. No fundo, porque sei que a morte não vai chegar agora. Mas estou preparada.”

Preta conta que o pai é uma pessoa que não mede as palavras, é sempre sincero. Ela sente que ele não a poupa nem mesmo durante esta fase frágil e está sempre a provocando a reagir. “De uns anos para cá, aprendi a usufruir da sabedoria do meu pai. Muitas coisas podem parecer assustadoras em um primeiro momento, mas são reveladoras e transformadoras depois.”

"É machista achar que preciso ficar casada para ser cuidada"

Preta Gil - Acessório de cabeça e luvas Moun Off; vestido Dolce & Gabbana no Minha Avó Tinha; sapatos Santa Lolla — Foto: Bruna Castanheira (GrouPart)
Preta Gil - Acessório de cabeça e luvas Moun Off; vestido Dolce & Gabbana no Minha Avó Tinha; sapatos Santa Lolla — Foto: Bruna Castanheira (GrouPart)

De todas as constatações de Preta sobre o momento que vive, a palavra transformação é a mais recorrente. “Eu não romantizo em nenhum momento essa doença, porque ela não tem nada de bom. Mas, dentro das adversidades, das vulnerabilidades, a gente se fortalece e se transforma. Estou recebendo uma enxurrada de amor. Sempre dei muito amor. Agora estou me permitindo receber. E estou vendo tudo isso em vida.”

Outro marcador de mudança que está experimentando é a nova relação que estabeleceu com o tempo. Em agosto, ela completa 49 anos e quer dar uma festa. Muitos amigos querem convencê-la a fazer uma grande comemoração dos 50, como uma festa da cura. Mas Preta, definitivamente, não quer esperar: quer fazer a festa da vida. “Fiz um disco em 2021 que iria lançar e já não quero. Quero fazer outro, porque agora as minhas vontades estão muito ligadas à minha urgência em viver.”

O quadro de câncer no intestino trouxe também uma reformulação prática, e inevitável, que envolve os hábitos alimentares. Filha de macrobióticos, Preta viveu até os 10 anos em uma casa que ela define como natureba. Diz que não era nada radical, com nada proibido, mas dentro de casa a comida era natural. Já fora dela… Quando a família se mudou para o Rio, no auge dos anos 1980, foi seduzida pelo mercado de fast-food. “A alimentação, o sedentarismo e questões de estilo de vida podem influenciar no surgimento de um câncer. Tenho essa consciência, mas estou trabalhando na terapia para não me punir por isso. Não fumo e não bebo, mas ultraprocessados, açúcares e refrigerantes faziam parte da minha dieta. Agora tudo mudou. No momento em que saiu o meu diagnóstico, a Bela [a irmã Bela Gil, culinarista e entusiasta da alimentação natural] estava sentada na cama comigo e na hora fez uma lista do que eu não posso mais comer. Estou seguindo à risca”, diz.

Preta Gil - Vestido Obrigon; brincos Júlio Okubo — Foto: Bruna Castanheira (GrouPart)
Preta Gil - Vestido Obrigon; brincos Júlio Okubo — Foto: Bruna Castanheira (GrouPart)

O mergulho profundo e todas as ressignificações também levaram Preta a um lugar que causou comoção nacional. Em meio ao tratamento oncológico, decidiu dar fim ao casamento de oito anos. Durante a conversa, o assunto chegou a estatística do Conselho Nacional de Mastologia de que 70% das mulheres em tratamento oncológico são deixadas por seus companheiros. No primeiro momento, Preta afirmou que não fazia parte desse número, porque a decisão de se separar partiu dela. "Essa escolha coincidiu de ser no meio de um tratamento oncológico, então eu não me considero parte dessa estatística", declarou.

Mas quatro dias depois, reavaliou e chegou a um outro olhar: "Infelizmente eu faço parte dessa estatística, sim, porque de fato o relacionamento acabou. Por mais que não estivesse bom até então, e por mais que eu tenha decidido separar… A decisão foi minha, mas já estava acabando. O casamento não superou um tratamento oncológico. Não é tão pragmático. A gente fica tentando justificar. Existem nuances em uma separação tão sofrida como foi a minha. Mas eu faço parte, sim. A gente não conseguiu passar por isso", conclui.

Preta conta que muitos amigos a questionaram sobre a decisão em um momento tão fragilizado, que ela deveria passar por um processo de cada vez. “Meu instinto de sobrevivência me fez querer me separar, mesmo eu estando com câncer, porque não estava me fazendo bem. E é machista achar que preciso ficar casada para ser cuidada. Por que o marido é mais importante que a mãe, o pai, a irmã, o amigo? Isso é um traço do patriarcado, que coloca essa importância tão grande no homem”, aponta. “Depois de um tempo, percebi que essa decisão é prova da profundidade do meu mergulho. Se, neste momento, não for para descer fundo, repensar, então para quê? Estou tendo uma segunda chance de viver e isso tem um propósito.”

"Meu pai diz que eu não carrego, mas que eu sou a própria bandeira"

Preta Gil - Terno Casa Juisi; gola acervo do stylist; sapatos Minha Avó Tinha; brincos Louis Vuitton — Foto: Bruna Castanheira (GrouPart)
Preta Gil - Terno Casa Juisi; gola acervo do stylist; sapatos Minha Avó Tinha; brincos Louis Vuitton — Foto: Bruna Castanheira (GrouPart)

Ativista de muitas causas, faz tempo que Preta Gil coloca voz e corpo para estimular discussões na sociedade. “Meu pai diz que eu não carrego, mas que eu sou a própria bandeira! Ao defender a minha existência como uma mulher gorda, bissexual, preta, isso há tantos anos, quando nada desses assuntos era pauta ainda, coloquei meu corpo a esse serviço. Agora vou falar sobre me curar de um câncer, sobre tratamento, autocuidado. É por isso que estou dando esta entrevista”, diz.

Percebe a diferença entre as batalhas e, ainda assim, não se intimida. Cuidar da saúde de maneira aberta e buscar a cura com plateia é desafiador, mas o incentivo é ainda maior e o propósito é grande. “Sempre fui vidraça. Racismo, homofobia, todos esses preconceitos cansam, ferem. Mas, quando a vida está no limiar, é outro rolê. E não se trata de mim, que tenho uma vida de privilégios. Tem gente na fila do SUS esperando um exame de colonoscopia há um ano. E então morre.”

A exposição de Preta cria um canal direto com seu público, que só no Instagram passa de 10 milhões de pessoas. Sua empatia e seu senso de coletivo fazem a doença transcender a questão pessoal. “Gente, não é normal ficar dez dias com intestino preso, fazer fezes com sangue, com muco, achatada. Procurem um médico. Eu achava isso normal. Não é”, alerta. “Vou usar minha visibilidade e repetir que é preciso beber água, se alimentar bem, comer fibras. A nossa geração foi envenenada pela indústria. Precisamos ficar atentos, não vou cansar de repetir.” Ela ainda deixa a promessa de ir além, de reverter muito de suas energias, que não são poucas, para a causa da saúde intestinal. “Quando eu ficar curada, vou dar muita atenção a isso, criar uma fundação, otimizar processos, justificar o propósito de tudo isso”, finaliza.

Equipe

Beleza Camila Anac (Jfrigo Mgmt)
Direção Criativa Josephine Cho
Styling Maika Mano
Produção executiva Vandeca Zimmermann
Produção de moda Camilla Sales, Detona
Beleza com produtos Guerlain, Schawarzkopf, Laura Mercier
Assistente de beleza Bethynho
Assistente de fotografia Franklin Almeida, Renato Zimmermann, Stefany Villar
Tratamento de imagem Philipe Mortosa (Thinkers Mgmt)
Agradecimentos Tavola42, Melina Tavares Comunicação

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