O que é o patriarcado, citado em ‘Barbie', e como impacta a vida das mulheres

Filme de Greta Gerwig explora formas de opressões com as quais mulheres lidam diariamente e explora o conceito de patriarcado, sistema que há milênios beneficia os homens em detrimento das mulheres, prejudicando a ascensão e conquista de direitos delas

Por Camila Cetrone, redação Marie Claire — São Paulo


Em "Barbie", Greta Gerwig expõe na tela as armadilhas do patriarcado — Foto: Cortesia Warner Bros. Picture

Mais do que um mundo cor-de-rosa, o longa “Barbie”, que chegou aos cinemas no último dia 20, usou a figura da boneca mais vendida do mundo para discutir assuntos sérios ligados às mulheres – seguindo a ótica feminista usada pela diretora e roteirista Greta Gerwig em seus projetos. O conceito de patriarcado, que é o que mantém as opressões contra mulheres até os dias de hoje, é amplamente explorado dentro do universo do filme estrelado por Margot Robbie e Ryan Gosling. O termo em si chega a ser citado ao menos oito vezes.

No live-action, Gerwig busca maneiras acessíveis para poder explicar ao público o que é o patriarcado, como os homens se beneficiam dele e de que maneiras as mulheres são prejudicadas – e não só as mulheres, já que a estrutura patriarcal tem impactos negativos em todas as pessoas.

Afinal, o que é patriarcado? Em poucas palavras, é um sistema milenar sustentado por pilares culturais, sociais, econômicos e políticos que beneficiam os homens em detrimento das mulheres, que se tornam submissas dos patriarcas. Assim, eles têm total domínio das decisões que contribuem para a proteção de suas posições dentro da sociedade. Por mais que exista há eras, o conceito passou a ser desenhado da maneira como se conhece hoje por meio do movimento feminista.

"Os homens enquanto grupo são os que mais se beneficiam do patriarcado, da suposição de que são superiores às mulheres e devem nos governar. Mas esses benefícios têm um preço. Em troca de todos os bens que os homens recebem do patriarcado, eles são obrigados a dominar as mulheres, nos explorar e oprimir, usando a violência se necessário para manter o patriarcado intacto", define bell hooks em O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras (ed. Rosa dos Tempos, 175 págs., R$ 31,99). Ela foi uma das primeiras teóricas a explorar o conceito de patriarcado sob a ótica feminista.

Não é possível definir com precisão quando o patriarcado surge. A teoria que o historiador Peter N. Stearns traz em seu livro História das relações de gênero (ed. Contexto, 256 págs., R$ 81) é que o sistema se iniciou em 4000 a.C., com o desenvolvimento das sociedades agrícolas, aperfeiçoando-se nos modelos de civilização. Foi neste período, segundo o autor, que se iniciou a organização de um sistema que colocava o trabalho, as propriedades, o desenvolvimento econômico e o máximo poder hierárquico nas mãos de pais e maridos. Também foi neste período que se começou a disseminar a falsa ideia de que mulheres eram frágeis, desequilibradas e inferiores, o que as isolou da vida pública e tirou delas qualquer possibilidade de revide ou conquista de poder.

Além dos homens serem considerados superiores e terem direitos legais que elas não tinham, as mulheres eram impedidas de ter propriedade, por exemplo. "Muitas permitiam que os homens tivessem várias mulheres (se pudessem sustentá-las). A maior parte punia as ofensas sexuais das mulheres – por exemplo, o adultério – muito mais severamente do que as dos homens. De fato, alguns historiadores argumentaram que uma justificativa chave para a existência do patriarcado era garantir, com o máximo de certeza possível, que os filhos de uma mulher fossem do marido. Dada a importância da propriedade em sociedades agrícolas (em contraste com as de caça e coleta), os homens sentiam necessidade de controlar a herança de gerações futuras, e isso começou regulando a sexualidade das esposas", explica Stearns no livro.

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Há registros ainda de que as estruturas patriarcais foram inseridas em lei na Mesopotâmia por meio do Código de Hamurabi, de 1722 a.C., que anulou os direitos das mulheres e as colocavam em situação de subserviência. Se "desrespeitassem" seus maridos, podiam ter a punição estabelecida por eles próprios. A história de origem do patriarcado em cada local, porém, pode sofrer variações de acordo com contextos históricos de cada região.

O intuito era de estabelecer papéis de gênero que relegava as mulheres aos serviços domésticos, à reprodução ou a funções de menor valor na sociedade, de acordo com o conceito de “fragilidade” – características como a possibilidade de gestar e a menstruação se tornaram armas deturpadas pelo patriarcado a ponto de serem entendidas enquanto vulnerabilidades.

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Enquanto isso, os homens foram colocados como líderes viris e racionais, os únicos capazes de tomar decisões definitivas que englobassem tanto o convívio próximo como um contexto sociopolítico ampliado. Também há forte imposição da heterossexualidade enquanto norma, e o sexo se torna mais uma das inúmeras funções que mulheres precisam realizar em prol dos deles. Já que a feminilidade causa repulsa, é importante para o patriarcado que os homens fujam de qualquer alusão a ela em suas expressões de gênero, o que baseia os comportamentos de superioridade masculina e masculinidade tóxica.

Segundo a socióloga britânica Sylvia Walby, no livro Theorizing patriarchy (Teorizando o patriarcado, em tradução livre. Não publicado no Brasil), o patriarcado pode ser encarado tanto pela ótica privada – em que mulheres são retiradas da vida pública, ficam ligadas ao lar e à maternidade e devem ser subservientes aos chefes de suas famílias. Há ainda o patriarcado na esfera pública. Neste segundo caso, as mulheres podem até avançar em conquista de alguns direitos, mas as estruturas do patriarcado dificultam sua ascensão.

Um exemplo disso está, por exemplo, na maneira como as mulheres são subrepresentadas na política ou em cargos de poder; ou ainda pela forma como são violentadas, minimizadas, culpabilizadas ou silenciadas quando demonstram comportamentos que, nos homens, são normalizados e incentivados – como uma postura assertiva no mercado de trabalho ou quando são empossadas se suas próprias sexualidades.

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Em 'Barbie', diferentes versões da boneca ocupam espaços de poder e podem decidir sobre o que querem para si mesmas — Foto: Reprodução/Warner Bros.

A discussão sobre patriarcado por meio dos movimentos feministas passou a acontecer durante a segunda onda, na década de 1970. Segundo as consideradas radicais na época, além do desmantelamento do patriarcado seria necessário questionar o capitalismo, já que ambos caminham juntos. Isso porque as mulheres eram ainda mais exploradas por serem submetidas a jornadas triplas de trabalho, precisando balancear tarefas corporativas às domésticas.

Em contrapartida, surge-se também o entendimento de interseccionalidade, que passa a compreender que o patriarcado se alinha a outros tipos de violências que são ainda mais intensas para mulheres não-brancas ou com condições de vida financeiramente favoráveis, por exemplo. No caso das mulheres negras, o racismo e a mentalidade escravagista não apenas as reduz dentro dessa pirâmide como as sexualiza. Assim, as mulheres negras são entendidas como mulheres que têm como função a satisfação sexual de homens e vistas como ainda mais inferiores – o que faz delas, até hoje, as principais vítimas de violência de gênero e crimes sexuais.

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Em O feminismo é para todo mundo, bell hooks pondera que o patriarcado foi inserido de forma tão bem-sucedida que há mulheres imersas dentro desta prática que contribuem para sua manutenção: "E embora isso não desculpe ou justifique a dominação masculina, significa que seria ingênuo e equivocado para as pensadoras feministas ver o movimento como sendo simplista de mulheres contra homens”, diz.

“Para acabar com o patriarcado (outra forma de nomear o sexismo institucionalizado), precisamos deixar claro que somos todos participantes da perpetuação do sexismo até que mudemos nossas mentes e corações; até que abandonemos o pensamento e a ação sexista e os substituamos pelo pensamento e ação feminista”, escreve a ativista feminista antirracista.

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