• Graziela Salomão
  • Em colaboração para Marie Claire
Atualizado em
Assédio, importunação sexual e estupro: as diferença entre cada um dos crimes (Foto: ajijchan/ Getty Images)

Assédio, importunação sexual e estupro: as diferença entre cada um dos crimes (Foto: ajijchan/ Getty Images)

Quando se procura no Google a palavra "assédio", entre as buscas mais realizadas estão "assédio no trabalho" e "assédio é crime". O termo é quase sempre usado para a maior parte das violências sexuais pelas quais as mulheres passam, seja no espaço público, variando da passada de mão dentro do ônibus até a cantada do chefe, seja no espaço privado. Mas, para a lei, cada um desses crimes tem um nome e uma punição diferentes.

"O assédio tem como característica intrínseca a impertinência. Uma abordagem não consentida, não razoável, não aceitável dentro do pacto civilizatório por causar constrangimento, dor e medo em quem sofre este tipo de violência", diz Maíra Liguori, diretora de impacto da consultoria de inovação social Think Olga e Think Eva. "Assédio sexual, importunação sexual, estupro: todas são violências com um forte caráter machista, portanto resultado da relação de poder desigual entre homens e mulheres."

Movimentos como o #Chegadefiufiu, no Brasil, e o #MeToo, nos Estados Unidos, tiraram de debaixo do tapete uma prática até então absorvida como "parte de ser mulher" e trouxeram a necessidade de se discutir de forma transparente esse tipo de violência tão normatizada e a conscientização sobre assédio sexual. Pesquisas desenham um cenário impactante do que se passa com as mulheres todos os dias. O relatório ​​“Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, divulgado em 2021 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Datafolha, mostra que 26,5 milhões de mulheres foram vítimas de algum tipo de assédio sexual (cerca de 37,9% das brasileiras) no último ano.

Os dados apontam ainda que os três locais mais citados como espaços em que as mulheres vivenciaram algum tipo de assédio foram a rua (31,9%), o ambiente profissional (12,8%) e o transporte público (7,9%). Esse último, aliás, é um espaço tão hostil para as mulheres que outra pesquisa, realizada em 2019 pelo Instituto Locomotiva e Instituto Patrícia Galvão, tem um resultado ainda mais assustador: cerca de 97% das brasileiras já receberam cantadas ou comentários indesejados ao se locomoverem pela cidade nesse tipo de transporte.

Para Maíra Zapater, professora de Direito da Unifesp e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Direito Penal e Marcadores Sociais da Diferença, muito mais do que se criar novas leis ou abarcar mais condutas nas já existentes, é preciso uma mudança estrutural na sociedade e entre as autoridades para que se reduza a violência sexual e de gênero. "A lei penal não é criada para fazer a prevenção. Quando a aplicamos, necessariamente já tivemos uma vítima. É preciso pensar em muitas outras questões como debates, segurança e políticas públicas, que vão desde educação sexual nas escolas para que mulheres saibam reconhecer quando forem vítimas de violência e homens quando a estão praticando, ao atendimento que as vítimas terão em delegacias. Tudo isso tem muito mais efeito."

Entender a diferença das condutas e de como estão presentes na lei é um direito das mulheres. No entanto, como reforça Maíra, não saber o que diferencia cada uma delas não pode ser um impeditivo para que você seja atendida e tenha seus direitos garantidos quando for denunciar. "Esse não pode ser um ônus da vítima. Saber sobre as condutas é um dever de quem faz o atendimento para que nenhuma vítima deixe de ser atendida."

A seguir, detalhamos cada um dos crimes sexuais e como eles estão definidos na lei.

ASSÉDIO SEXUAL
Como está na lei: o Art. 216-A do Código Penal define como assédio sexual o ato de "constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função".

Na prática: embora no dia-a-dia essa expressão seja usada de forma mais abrangente e se refira popularmente a qualquer tipo de abordagem não desejada, para a lei esse é o crime que acontece especialmente no ambiente de trabalho, quando quem o pratica tem uma posição de superioridade hierárquica em relação à vítima. O objetivo é conseguir um favorecimento sexual por conta dessa posição e pode variar de abordagens grosseiras a propostas inadequadas que constrangem e amedrontam. Maíra Zapater lembra do caso da humorista Dani Calabresa. "Pelo que vi deste caso, em tese, uma vez que ainda não está concluído, é um típico ato de assédio sexual."

Pena: 1 a 2 anos de detenção

IMPORTUNAÇÃO SEXUAL
Como está na lei: o Art. 215-A do Código Penal descreve a importunação sexual como o ato de "praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro".

Na prática: quando você fala "ele ficou esfregando o corpo em mim no ônibus" ou "alguém passou a mão em mim", saiba que esse é um exemplo de importunação sexual, que se tornou crime com a lei 13.718/18, sancionada em 2018. Isso aconteceu um ano após o caso de grande repercussão nacional de um homem que ejaculou no pescoço de uma mulher em um ônibus em São Paulo. Mesmo preso em flagrante, ele foi liberado depois de uma audiência de custódia porque o juiz não entendeu que poderia ser enquadrado como crime de estupro. "Nesta época, a conduta não estava prevista na lei, houve discussão se era estupro ou uma importunação ofensiva ao pudor, conduta de contravenção penal que até já foi retirada da lei. Essa discussão impulsionou a alteração legal", explica Maíra Zapater. A importunação sexual consiste em praticar um ato, como uma passada de mão, um toque contra a vontade de alguém, com a finalidade de satisfazer o desejo sexual, mas não necessariamente com penetração. O que a diferencia do estupro é que não há violência física ou ameaça e, comparada ao assédio, não há uma relação hierárquica ou de subordinação.

Pena: 1 a 5 anos de prisão.

ESTUPRO
Como está na lei: segundo o Art. 213 do Código Penal, o estupro é o ato de "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso".

Na prática: "A descrição do crime de estupro é a base dos crimes contra a liberdade sexual, aquele conjunto de crimes em que a vitima é forçada a praticar um ato sexual contra a sua vontade", explica Maíra Zapater. Ele pressupõe que o agressor force a prática de um ato sexual contra a vontade da vítima usando, para isso, de violência, como um soco ou um tapa, ou de uma grave ameaça, como por exemplo uma arma ou um aviso de que pode matar alguém envolvido com ela. Pode ser considerado estupro mesmo que não haja penetração, como se costuma acreditar. Considerado um crime hediondo, tem a pena agravada quando se trata de menor de idade ou se há lesão ou morte da vítima.

Pena: pode variar de 6 a 10 anos de reclusão, aumentando para 8 a 12 anos se há lesão corporal ou se a vítima tem entre 14 a 18 anos. Ainda pode subir para 12 a 30 anos de reclusão quando há morte.

ESTUPRO DE VULNERÁVEL
Como está na lei: de acordo com o Art. 217-A, é definido como "ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos". O parágrafo 1 do artigo também considera estupro de vulnerável praticar esse ato "com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência".

Na prática: é também um crime contra a liberdade sexual, ou seja, uma situação na qual uma pessoa está praticando uma ação sexual contrária à vontade da outra. Para a lei, neste caso, o vulnerável é aquele que é incapaz legalmente de consentir a realização do ato. Uma carícia ou manipulação genital em menores de 14 anos, em pessoas com algum tipo de deficiência mental ou que estejam sob efeito de drogas é considerado um estupro de vulnerável. Assim como uma relação sexual entre uma menina de 13 anos e o namorado de 18 anos, mesmo que ela assuma o desejo de ter realizado. "Mesmo assim, para a lei, esse é um caso considerado como um estupro de vulnerável porque ela é incapaz de consentir pela idade", diz a professora da Unifesp.

Pena: de 8 a 15 anos de prisão. No caso de lesão corporal grave, a pena aumenta para 10 a 20 anos de reclusão. E, se resultar em morte, varia de 12 a 30 anos.

Esta matéria faz parte do especial de Marie Claire sobre as variadas formas de assédio, que pode ser acessado em revistamarieclaire.globo.com/Feminismo/Assedio/. O canal tem todas as reportagens abertas, sem paywall, com o apoio de L’Oréal Paris.