• Priscilla Geremias
Atualizado em
Masculinidade tóxica afeta os homens  (Foto: Unsplash)

O "ser homem" é construído hoje pela sociedade patriarcal (Foto: Unsplash)

Não seja fraco. Não chore. Seja homem. O “ser homem” é não ser ou ter qualquer comportamento dito como “feminino”. Construída pela sociedade patriarcal, essa definição do que é ser homem é chamada de masculinidade tóxica.

“O termo é uma crítica a comportamentos desnecessários e destrutivos para o homem e aqueles que o cercam. São comportamentos destrutivos, interna e externamente, conectados a uma visão de mundo que entende o masculino como superior ao feminino”, explica Guilherme Valadares, membro do Comitê #ElesporElas, da ONU Mulheres, à Marie Claire.

“Essa noção valoriza qualidades como dominância e controle, enquanto despreza aspectos como vulnerabilidade, altruísmo e compaixão, entendidas como sinais de fraqueza e associadas às mulheres”, acrescenta Valadares.

Para entender esses comportamentos que afetam os homens, o Google BrandLab São Paulo realizou uma pesquisa com homens de 25 a 44 anos. Os resultados mostram os efeitos colaterais da masculinidade tóxica: os homens se suicidam quase quatro vezes mais do que as mulheres, de acordo com o Mapa da Violência Flasco Brasil. E são os que mais morrem pela violência, dez vezes mais do que as mulheres (IPEA).

Apesar disso, os homens são os que mais matam mulheres. Segundo a OMS, o Brasil tem a 5ª maior taxa de feminicídio do mundo, crime praticado contra a mulher por esta pertencer ao gênero feminino.

“Como falamos menos de nossos sentimentos, temos menos intimidade e repertório emocional, nossos códigos ficam mais restritos. Não é comum vermos amigos no bar se abrindo sobre situações emocionalmente ambíguas, nas quais sentiram uma mistura de medo, frustração, alegria e ansiedade", diz Valadares.

Masculinidade tóxica afeta os homens (Foto: Unsplash)

"O termo é uma crítica a comportamentos desnecessários e destrutivos para o homem e aqueles que o cercam" (Foto: Unsplash)

Para o psiquiatra Fernando Duarte, o homem ainda tem medo de demostrar seus sentimentos e fraquezas, "seja pelos modelos masculinos na família, seja pelos próprios colegas de escola. Claro que eles continuam sentindo isso tudo, só não podem demonstrar. Essa parece ser a receita do desastre. Se o homem não souber lidar bem com os próprios sentimentos e os conflitos com as expectativas, ele pode adoecer."

Um terços dos homens ouvidos gostaria de ter mais liberdade para compartilhar seus sentimentos. “Conduzo cursos de equilíbrio emocional para homens e é bem comum notar uma espécie de ‘analfabetismo emocional’. Isso não é sinal de que eles sejam menos capazes ou evoluídos”, afirma Valadares.

Masculinidade tóxica afeta os homens (Foto: Unsplash)

Homens estão buscando mais terapia para reconhecer um problema e pedir ajuda (Foto: Unsplash)

Duarte afirma que metade dos seus atendimentos são com homens. “Os homens estão buscando mais terapia. Ainda bem. A principal diferença é que os homens ainda demoram mais tempo pra reconhecer o problema e pedir ajuda. Em geral eles pedem ajuda quando o problema se torna físico, como uma dor, uma palpitação, etc.”, explica.

Para Guilherme Valadares os homens precisam sair da estagnação. “É hora de agir, de ter coragem de se abrir, ajudar e ser ajudado. Nós devemos fazer a reflexão de que se os homens são parte do problema, eles também devem ser considerados como parte da solução desses problemas. Escutei isso a primeira vez do pesquisador e ativista Marcos Nascimento. Essa frase me acompanha desde então”, comenta Valadares.

“Nova masculinidade”

O estudo do Google BrandLab São Paulo explica que a nova masculinidade tem o propósito de abranger todas as formas de ser homem e garante condições mais igualitárias e saudáveis, onde os homens têm espaço para serem mais humanos e se expressarem sem a ameaça de colocar qualquer coisa em risco, seja sua imagem, seja seu bem estar psicológico.

Para Valadares, da mesma forma que falamos em masculinidade tóxica, termo que ele evita, devemos discutir as masculinidades saudáveis, construtivas, positivas. “Sabemos os "nãos" que devem ser ditos e comportamentos a se evitar. Mas quais comportamentos encorajar? Quais os locais de potência e força estimular para a construção de um masculino mais seguro, sábio e equilibrado?”, questiona.

Masculinidade tóxica afeta os homens (Foto: Unsplash)

Nova masculinidade tem o propósito de abranger todas as formas de ser homem (Foto: Unsplash)

Não dá pra falar da masculinidade tóxica sem falar de como ela acaba afetando também as mulheres. Quer um exemplo histórico? O machismo. Um comportamento contrário à igualdade de gênero que até hoje afeta milhares de mulheres em todo o mundo. Nesse sentido, o feminismo nasce como uma reação ao machismo. Por isso, o feminismo, direta ou indiretamente, favorece a “nova masculinidade”.

Em parceria com a ONU Mulheres, ele produziu o documentário "Precisamos falar com os homens?". “Atacar a masculinidade tóxica é buscar liberdade. O masculino é incrível, maravilhoso, de potencial sem fim, assim como o feminino. Devemos cuidar para não confundir essa poderosa energia como algo doente e vergonhoso”, afirma Valadares.

Para o psiquitara e psicoterapeuta Fernando Duarte, diferente do feminismo empoderando as mulheres, o movimento masculino é “mais lento e mais tardio”. “Os homens não tiveram um equivalente de revolução como foi o feminismo para as mulheres. Eles estão tendo que se adaptar à nova mulher, agora empoderada, em pé de igualdade. Ou seja: acho que o feminismo ajuda, mas acho que essa revisão do conceito de “ser homem” é um processo mais demorado”, afirma Duarte.

Masculinidade tóxica afeta os homens (Foto: Unsplash)

"Atacar a masculinidade tóxica é libertador. O masculino é incrível, assim como o feminino" (Foto: Unsplash)