• Debora Diniz
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"Regina Duarte é uma atriz, representou papéis diversos e talvez desconheça que, no teatro da política, erro de roteiro é desterro sem proteção do 'homem santo'" (Foto: Ramon Navarro)

Regina Duarte já foi a “namoradinha do Brasil”. Era uma jovem de fala mansa para as novelas com protagonistas brancas, com jeito de Cinderela nos anos 1970 e 1980. Amadureceu, teve medo do comunismo dominar o país quando presidente Lula se elegeu. Envelheceu, comparou os impropérios racistas e misóginos do presidente Bolsonaro ao que seu próprio pai dizia na mesa de jantar. Acalentou o homem bruto com a ternura resignada de mulheres que acreditam ser da natureza masculina uma mistura de virilidade, brutalidade e proteção.

Por esse passado de submissão à dominação masculina, Regina Duarte aceitou o convite para ser secretária de Cultura do governo Bolsonaro após o escândalo do discurso nazista de Roberto Alvim. Resumiu ter aceito o convite para a política como um “teste”. Não há “teste” em política, por isso foi mais razoável quando colocou o desejo de pertencimento ao bolsonarismo em linguagem erótico-familista: será como um “noivado” com o “homem santo”.

Regina Duarte é uma atriz, representou papéis diversos e talvez desconheça que, no teatro da política, erro de roteiro é desterro sem proteção do “homem santo”. Mas sua nomeação como secretária de Cultura não deve ser subestimada como tática de hegemonia bolsonarista, assim como faz sua colega de política ministra Damares. Se Damares se instalou em missão evangélica, Regina Duarte será o braço civilizatório típico dos populismos de direita. Família e cultura ficarão na conta histórica das mulheres deste governo.

Dizem que há vergonha alheia. Não sinto nenhuma vergonha por essas duas mulheres no poder político. Ao contrário, suas performances são pedagógicas ao feminismo: nos permitem mostrar que não basta ser mulher para ascender à consciência sobre os malefícios do patriarcado na vida das mulheres. A figura de Regina Duarte é, particularmente, instrutiva sobre como uma mulher naturaliza o patriarcado da casa grande e o estende para o patriarcado no espaço público.

A nova secretária de Cultura será uma personagem que ajudará o feminismo em suas turbulências comunitárias. Ela é a herdeira dos privilégios da branquitude, com direito de voz e autoridade para falar sobre o medo das elites como afeto político: poderia ser a típica feminista das elites, as “feministas da segunda onda”, como dizem, cuja pauta seria defender a participação das mulheres nos privilégios dos 1% mais ricos. Não ser feminista é uma benção para a pedagogia feminista, se posso emprestar vocabulário de sua colega Damares na política.