'A cultura da juventude torna o envelhecimento mais crítico para as mulheres'

Nesse texto, Silvia Chakian reflete sobre a menopausa e o quanto os debates sobre a velhice ainda são limitados e não repercutem para a mudança dos padrões do culto histórico focado na juventude, beleza e sensualidade feminina

Por Silvia Chakian


Confesso que até outro dia o tema da menopausa nem sequer me chamava atenção. Nada de aversão ou incômodo, apenas indiferença. Aliás, não foram poucos os congressos em que participei sobre questões de gênero, nos quais havia gente interessante falando sobre o assunto. Poderia ter me interessado mais, mas era como se aquilo não me dissesse respeito. Nada como o tempo, literalmente.

Os exames agora mostram a oscilação dos hormônios e o início do processo inevitável da perda de capacidade reprodutiva que marca a perimenopausa, período de transição até a cessação permanente da menstruação. Não há sintomas que tenha percebido, mas é claro que – para quem é sugestionada como eu – estou me preparando para sentir todos eles.

Cada mulher acaba encontrando sua própria estratégia para lidar com o envelhecimento. Não há uma fórmula única. — Foto: Foto: Divulgação

A sociedade determina o limite da velhice, que tem se alterado com o avanço da medicina e o aumento da longevidade. Se antes imaginávamos que ela chegava aos 50, agora nos parece mais razoável considerá-la aos 80. A lei estabelece o marco dos 60 anos para que a pessoa seja considerada idosa para fins de garantia de direitos e proteção do Estatuto da Pessoa Idosa. E a medicina, quanto às mulheres, a define com a chegada da menopausa.

O clichê é real: não é fácil envelhecer, mas a outra opção é pior. E num mundo como o nosso, em que se vive numa cultura historicamente focada na juventude, beleza e sensualidade feminina como valor social, o processo de envelhecimento se torna ainda mais crítico para as mulheres, que passam a experimentar verdadeiro apagamento de sua existência no âmbito público e também privado. Identifico-me com a definição de Isabel Allende: “Para uma mulher vaidosa, como eu, é duro envelhecer. Por dentro ainda sou sedutora, mas ninguém nota. A invisibilidade me ofende um pouco, prefiro ser o centro das atenções”.

O aspecto positivo está no crescimento diário dos debates sobre preconceito contra a idade, o etarismo, que abrange ainda as possibilidades de redefinição do significado de envelhecer. Paradoxalmente, cresce exponencialmente a indústria antienvelhecimento, que compreende discursos e procedimentos cirúrgicos de eterna juventude. São circunstâncias que revelam como o debate sobre a velhice ainda é limitado e não tem repercutido concretamente na mudança dos conhecidos padrões.

Cada mulher acaba encontrando sua própria estratégia para lidar com o envelhecimento. Não há uma fórmula única. Se, para algumas, deixar de ser objeto de desejo pode significar libertação total das exigências da publicidade e costumes sociais que cultivam nossa baixa autoestima à custa de ideal inatingível, para outras, é preciso confrontar a juventude como único modelo para a sensualidade e beleza. São mulheres que têm ocupado cada vez mais espaço ostentando com orgulho seus cabelos brancos, defendendo ser possível na velhice, ter um corpo desejante e desejável, capaz de experimentar com plenitude o erotismo e a prática da sedução.

A mim, nada tem sido mais recompensador que a energia presente nas relações de amizades entre mulheres que também estão nessa fase. Tenho o privilégio de viver cercada de amigas, a maioria delas, de longa data. Mais de 20, 30 anos de convivência. Passamos pela adolescência juntas e entramos na vida adulta compartilhando as experiências da vida profissional, dos relacionamentos amorosos, os duradouros e também os desfeitos, a escolha da maternidade de algumas, as conquistas de todas e, agora, a proximidade da menopausa.

Se teremos que lidar com os efeitos colaterais do envelhecimento, como limitações de saúde, mudanças corporais ou perda de entes queridos, esse caminho não precisa (nem deve) ser angustiante e solitário. “As conexões entre mulheres são as mais temidas, as mais problemáticas e a força potencialmente mais transformadora do planeta”, já disse a poetisa Adrienne Rich. Que assim seja, na capacidade de proporcionarmos umas às outras afeto, amparo, prazeres, resiliência e senso de humor, condições para um envelhecimento que também pode ser gratificante e libertador.

Mais recente Próxima

Leia mais