• Jaquelini Cornachioni
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Denise Fraga (Foto: Ale Monteiro)

Denise Fraga fala sobre amadurecimento e etarismo: 'Nada esconde os sinais do tempo' (Foto: Waldir Evora / Direção: Ale Monteiro)


Denise Fraga foi da televisão, com sua personagem Júlia, em Um Lugar Ao Sol, diretamente para os palcos no monólogo Eu de Você. A atriz encontrou em histórias reais coletadas por ela e pelo marido, Luiz Villaça, diretor da peça, o que precisava para levar esperança e conforto ao público, sobretudo em meio ao desmonte da cultura, com mais força durante a pandemia.

"Nós estamos cada vez mais nos sentindo sozinhos com essa vida virtual toda construída atrás das telas. O Brasil também se tornou o país campeão de doenças de ansiedade. A vida parece meio torta. Mas tem uma coisa que supera tudo isso, que é o próprio jogo da vida", diz Denise à Marie Claire. “A história não precisa ter necessariamente um final feliz, mas eu gosto muito quando alguém vai ao espetáculo e sai com vontade de viver, com esperança."

Com mais de trinta anos de carreira, a artista é uma das mulheres que luta para fazer com que o movimento ‘50+’ ganhe mais força e seja pauta constante. Na sociedade, é comum que mulheres sejam invisibilizadas pelo mercado de trabalho conforme amadurecem, o chamado etarismo, discriminação a partir de estereótipos associados à idade.

Para Denise, com 57 anos, amadurecer é apenas uma consequência positiva do tempo. “Existem pessoas que ainda acreditam que envelhecer é sinônimo de incapacidade, como se fosse até mesmo uma escolha nossa envelhecer ou não", reflete. "Hoje, todo mundo quer se manter jovem, e muitas vezes acabamos ficando todos iguais com procedimentos estéticos. Mas nada esconde os sinais do tempo", afirma. 

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Mesmo bem resolvida, Denise conta que ainda é vítima de alguns pensamentos que a tentam colocar dentro de um ‘padrão’ sobre o que deve ou não ser feito. “Eu achava que carão de modelo era só para mulheres jovens, e eu gostei muito do resultado quando me vi assim nas fotos. Colocam na nossa cabeça que fazer algumas coisas ‘não é para a nossa idade’, mas isso está longe de ser verdade”. Confira o bate-papo completo abaixo.

Denise Fraga (Foto: Ale Monteiro)

Denise Fraga (Foto: Waldir Evora / Direção: Ale Monteiro)

MARIE CLAIRE: Você está na peça ‘Eu de Você’. Como tem sido esse retorno aos palcos após o período de isolamento social?
DENISE FRAGA: É uma emoção muito grande. Em alguns momentos, achei que não voltaríamos mais. Chegamos a marcar a reestreia várias vezes desde que começamos, em 2019. Na época, foi difícil acreditar que tudo pararia. As imagens foram muito marcantes. Lembro quando vi a Disney fechando, as cidades sem ninguém nas ruas, foi aí que eu entendi que era muito sério e que tinha acontecido o inimaginável. O mundo parou e nós estávamos todos vivendo aquilo juntos. Eu chorei muito no começo porque essa peça tinha passado do status de uma simples peça que eu estava amando fazer, para um dos projetos mais importantes da minha vida.

MC: E como foi a construção desse monólogo que mistura realidade com ficção?
DF: Essa peça virou uma experiência humana, porque ela é feita em cima de histórias reais que recrutamos. Nós colocamos um vídeo nas redes sociais pedindo por histórias, além de um anúncio em uma página de jornal. Então, na primeira vez que fui para o ensaio, não tínhamos ainda um roteiro definido, nós fizemos tudo juntos. O Luiz, meu marido, dirigiu a peça, o Zé Maria foi o nosso produtor e também teve a dramaturgia do Rafael Gomes. Todos os profissionais envolvidos, na verdade, são muito sensíveis. Eu me lembro de entrar no local e ver cartas espalhados pelo palco, com histórias.

MC: Qual é a sensação de ser a voz de histórias reais?
DF: Nós achamos que, depois da pandemia, teríamos que modificar muito a peça. Mas esse momento difícil que passamos potencializou essas histórias num grau imenso. Eu vejo as pessoas saindo tocadas e fico muito feliz que essas histórias todas nos foram confiadas e, claro, me sinto responsável por elas. Essa peça mostra muito que viver não é bolinho. Nós estamos cada vez mais nos sentindo sozinhos com essa vida virtual toda construída atrás das telas. O Brasil também se tornou o país campeão de doenças de ansiedade. A vida parece meio torta. Mas tem uma coisa que supera tudo isso, que é o próprio jogo da vida. A história não precisa ter necessariamente um final feliz, mas eu gosto muito quando alguém vai ao espetáculo e sai com vontade de viver, com esperança. É uma peça onde as pessoas se reconhecem, e acredito que a arte tem esse poder de mostrar que fazemos parte dessa coisa maior que é a vida, cheia de adversidades, mas também com belezas.

Denise Fraga (Foto: Ale Monteiro)

Denise Fraga (Foto: Waldir Evora / Direção: Ale Monteiro)


MC: Como foi trazer leveza para essa peça?
DF: Eu não queria fazer uma peça triste, e disse isso desde o início. Eu preciso levar o sol para o público. Usei muito essa palavra nos ensaios. Queria solarizar essas histórias, sem ser leviana com o que as pessoas tinham me confiado. Nas cartas, as pessoas se emocionavam muito por saberem que eu poderia falar por elas, dar voz, e tem duas histórias que são delicadas. Uma é de um rapaz que sofreu abuso. Eu fiquei preocupada então chamei ele para assistir ao ensaio. Quando acabou, ele chorava, e eu chorava junto. E perguntei: ‘Como você se sente agora escutando a sua própria história?’. A resposta dele foi a melhor que eu poderia responder: ‘Livre’. Ele resumiu numa palavra o que eu acho que talvez seja uma das maiores funções da arte, que é que se libertar da mediocridade da existência. Fico feliz que posso libertar essas pessoas das algemas que elas carregam. Contar a história dessas pessoas é contar a história de muitos de nós, por isso se torna mais leve, mesmo que não deixe de ser triste, nem de ser um desafio.

MC: A pandemia afetou bastante o setor cultural, que acabou como um dos mais prejudicados desse período. O que sentiu ao longo desses dois anos de quarentena, enquanto assistia a tantas coisas acontecendo com a cultura brasileira?
DF: A gente viveu a pandemia, mas não foi só isso. Vivemos uma espécie de pandemia brasileira, com um presidente falando que não era coveiro. Nós temos que entender muito bem que, sim, a pandemia afetou demais a nossa área, que normalmente exige aglomeração, mas o presidente sempre foi declaradamente inimigo da cultura. É um governo que quer eliminar os diferentes, que acabou de vetar a continuidade da Lei Paulo Gustavo e da Lei Aldir Blanc, que seriam fundamentais nessa hora de nos reerguermos. Sofremos um boicote, um desmonte cultural. O Brasil é um país tão diverso, cheio de cultura, mas ele é um presidente que se orgulha de nunca ter lido um livro. E o que seria de nós sem a cultura e a arte na quarentena? Sem música, sem série, novelas, livros, sem o teatro, da forma que deu para fazer.

MC: Na televisão, você esteve em ‘Um Lugar Ao Sol’, na pele da personagem Júlia, uma mulher muito completa, mas muitas atrizes, em especial após os 50, relatam que se sentem em uma espécie de ‘limbo’ conforme envelhecem. Você sente que existem bons papéis para mulheres maduras?
DF: Acho que, quando a mulher atinge os 50 anos, em qualquer profissão, elas começam a se sentir mais invisibilizadas. Existem pessoas que ainda acreditam que envelhecer é sinônimo de incapacidade, como se fosse até mesmo uma escolha nossa envelhecer ou não. Hoje, todo mundo quer se manter jovem, e muitas vezes acabamos ficando todos iguais com procedimentos estéticos. Mas nada esconde os sinais do tempo, né? O importante é ter mais de cinquenta e estar saudável, forte, envelhecer bem. E é possível ter essa qualidade de vida. Sobre a Júlia, ela foi um presente, uma personagem muito rica e que, ao mesmo tempo, trazia questões importantes de serem abordadas, como o alcoolismo. Foi profundo, muito bonito e intenso. Enquanto eu estava dando vida a ela, só pensava nisso.

MC: E como você lida com esse ‘padrão de juventude’ imposto pela sociedade? Acredita que já existe uma abertura para que o etarismo seja pauta dentro do audiovisual?
DF: Atualmente, existe um movimento muito legal para falar sobre isso. Antes, a palavra ‘etarismo’ nem existia. Também tem muita gente falando sobre menopausa, assunto que antes era tabu. Esse movimento vem crescendo e as redes sociais têm muito mérito nisso, porque ela dá voz a muitos debates necessários, como o antirracismo. É importante que as pessoas brancas saibam mais sobre isso, se posicionem e lutem contra o racismo. A branquitute precisa fazer a sua parte, assim como os homens precisam entender e se colocar no feminismo. O movimento do 50+ ganhou mais força principalmente nos dois últimos anos. Nós criamos uma grande invisibilidade para as pessoas que envelhecem. Hoje, existem meninas de 30 anos se olhando no espelho e querendo tirar rugas da testa. E as rugas de expressão são lindas. Esse pensamento, de sempre precisarmos de um procedimento estético para ajeitar isso ou aquilo, vem muito de uma elite que possui essas ideias tortas e tem dinheiro para isso. As minhas rugas são bonitas, elas contam a minha história.

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Denise Fraga (Foto: Ale Monteiro)

Denise Fraga (Foto: Waldir Evora / Direção: Ale Monteiro)


MC: Você já se sentiu refém desse pensamento? Já pensou em fazer procedimentos?
DF: Eu nunca fiz nenhum procedimento, nem botox, nem preenchimento, essas coisas invasivas. Tenho medo de perder a minha expressão e não me reconhecer mais no espelho. Mas é claro que entendo as pessoas que se rendem a isso. Eu também penso que poderia não estar com essa ou aquela ruga, mas começar a fazer procedimentos parece um ciclo né, a pessoa sempre quer fazer mais. E, assim, você vai criando outra pessoa. Isso é triste. Você pode até achar que uma pessoa ficou melhor depois de certo procedimento, mas o que vemos, é todo mundo ficando igual com a questão da harmonização facial.

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MC: Como é, para você, posar para ensaios fotográfico? De que forma você trabalha a sua autoestima?
DF: Quando me chamaram para fazer esse ensaio, eu acho que fui como atriz mesmo. Eu achei que ficaria com uma cara de sabedoria olhando para a câmera e pronto, mas eu encarnei outra Denise. Eu até fiz carão, algo que eu pensava que não ficaria bom. E é aí que eu me sinto vítima desses pensamentos sobre juventude. Eu achava que carão de modelo era só para mulheres jovens, e eu gostei muito do resultado quando me vi assim nas fotos. Colocam na nossa cabeça que fazer algumas coisas ‘não é para a nossa idade’, mas isso está longe de ser verdade.

Denise Fraga (Foto: Ale Monteiro)

Denise Fraga (Foto: Waldir Evora / Direção: Ale Monteiro)


MC: O que o amadurecimento te trouxe?
DF: Eu aprendi que tudo passa e que precisamos aproveitar a estrada sem pensar no resultado final. Nós não temos as rédeas o tempo inteiro, isso acontece até certo ponto. Nós gastamos uma energia imensa tentando controlar cada detalhe, e isso não impede que contratempos aconteçam. Entendi que, por mais importante que seja gastar energia com as nossas escolhas, é preciso se libertar da culpa se qualquer coisa não sai como o esperado.

MC: Além do monólogo, tem outros projetos acontecendo nesse momento?
DF: Nós estamos lançando um filme agora, chamado “45 do Segundo Tempo” que é um longa do Luiz que estreia agora, no dia 23 de junho. O filme conta a história de três amigos que se encontram, e são eles Tony Ramos, Cássio Gabus Mendes e Ary França. Na trama, interpreto a mulher do Gabus. Talvez esse seja o trabalho mais incrível do Tony Ramos, ele está espetacular e estamos muito ansiosos porque começamos esse projeto em 2018 e ele foi adiado devido à pandemia. É um filme que dá vontade de rir e de chorar, mas que também traz aquela vontade de viver, esperança. A trama é sobre amizades e encontros, e nessa época, ele é fundamental.

Denise Fraga (Foto: Ale Monteiro)

Denise Fraga (Foto: Waldir Evora / Direção: Ale Monteiro)