Eu, Leitora
Por , Helena Souza em depoimento a Marie Claire — de São Paulo (SP)


Helena Souza, 54 anos, construiu projeto Sonhos de Helena para conscientizar famílias e crianças sobre abuso sexual infantil, crime do qual foi vítima — Foto: Acervo pessoal
Helena Souza, 54 anos, construiu projeto Sonhos de Helena para conscientizar famílias e crianças sobre abuso sexual infantil, crime do qual foi vítima — Foto: Acervo pessoal

“Fui vítima de abuso sexual dos três aos oito anos de idade. Nasci em Quixadá [a 169 km da capital cearense], mas desde criança passei a morar com minha mãe em Fortaleza. Tínhamos um casal de idosos como vizinhos, que eram maravilhosos. Desde pequenininha estava sempre com eles. Naquela época, as pessoas tinham costume de sentar na calçada e ficar conversando, então minha mãe confiava muito nos dois.

Todos os dias, eles pediam que eu almoçasse na casa deles e, depois, tirasse a sesta [um cochilo depois do almoço] lá. Minha mãe nunca imaginou, mas eles fechavam a porta e me obrigavam a dormir com eles. Me proibiam de sair até que eu fizesse a 'sesta'. Só tive coragem de contar para minha mãe depois que eles faleceram. Eu já tinha 40 anos. Ela passou muito mal quando soube."

"Falo que eu fui vítima de um segredo. Eles tinham uma filha já adulta, que não morava mais lá e contou para minha irmã que foi abusada a infância toda por eles. Só que ela pediu segredo porque ninguém podia saber. Até hoje minha irmã se sente um pouco culpada, mas nunca pensou que pudessem fazer o mesmo comigo.

O segredo protege muitos abusadores. Porque é amigo de alguém, porque alguém pediu… Não dá para julgar as pessoas que se calam. Cada um sabe do seu drama e da sua dor.

Nem todas as vezes uma criança mostra o que está vivendo, mas sempre há sinais. Hoje, sei que eu demonstrava e as pessoas não viam. Por exemplo, não conseguia interagir bem com outras crianças, tinha dificuldade de fazer amizade. Sempre achava que eu era excluída, menor. É uma coisa que a gente carrega para a vida toda. As crianças são marcadas para o resto da vida. A infância é interrompida.

Ao longo dos anos, fui me envolvendo com projetos sociais, alguns envolvendo crianças. Depois de adulta me mudei para Beberibe, onde moro até hoje. Foi quando passei a me envolver com a comunidade local e a ensinar artesanato como forma de geração de renda para mim e outras mulheres da Praia do Morro Branco.

Assim surgiu o Sonhos de Helena, projeto em que eu e outras artesãs confeccionamos e vendemos bonecas de pano. Tudo começou com uma caixinha de papelão rasgada. Arranquei a parte de cima, botei uma toalha dentro, coloquei 10 bonequinhas e as vendi. Foi quando vi que ia dar certo. É uma boneca que resgata a valorização das coisas simples na vida das crianças e a cultura da boneca de pano, que marcou a história e a memória de muitas avós brasileiras."

"Até então, nunca pensei que a boneca serviria como instrumento de prevenção do abuso sexual infantil. Isso aconteceu quando as crianças notaram que as bonecas estavam sem calcinha. No início, eu não as produzia, eram difíceis de fazer. Passei a usar isso para incentivar as mães a fazerem as calcinhas junto de suas filhas e incentivá-las a brincar de vesti-las. Até hoje, a principal missão das Helenas e dos Helenos é essa: falar e ensinar para as crianças sobre o próprio corpo.

O projeto também acabou se tornando uma maneira de representar muitas vozes. Quando recebo as pessoas na loja, conto minha história. E quantas mulheres não se identificam? Para você ter ideia, já vendi mais de 50 mil bonecas. Imagine quantas dessas vendas não foram para alguém que foi vítima? São poucas as mulheres que não passaram por isso.

Ouço histórias de gente que foi abusada pelo avô, o pai, o irmão e que não sabiam como falar com a filha. Perdi as contas de quantas vezes dou meu ombro para as pessoas que ali passam. Tem quem fique em contato comigo o ano todo pelo Instagram. "

"Uma me falou que foi abusada pelo pai de criança até os 20 anos. Outra contou que o avô seria homenageado no casamento de uma prima, mesmo a família inteira sabendo que ele a estuprou. Teve outra mulher que, em meio a um divórcio e um processo de adoção, descobriu que a filha foi abusada pela professora. Ela descobriu porque a menina passou a chamar a vulva de ‘picolé que a tia lambia’. A diretora disse que era mentira da criança, que o processo de divórcio estava desgastando essa mãe.

Graças a Deus tenho palavras boas para confortar, dizer que a culpa não foi nossa e que não precisamos sofrer por isso. Claro que eu mesma ainda tenho muitas cicatrizes, mas sei o quanto é importante se levantar disso. Além de elogios ao meu trabalho, já ouvi que minha voz as representa, que as incentiva a contar as histórias e os traumas e pesadelos delas.

Já repeti minha história um milhão de vezes. Se cansa? O amor não deixa cansar. Nunca vendi uma boneca por vender. Todo mundo que leva, sai sabendo a história e o propósito das bonecas. Tanto que, na minha cidade, meu projeto não é tão compreendido. Tem guia turístico que apoia, tem outros que reclamam que demoro demais para vender para os turistas, que conto a mesma história para todo mundo. Mas essa história salva vidas. Aliás, talvez não vendesse tanto se não fosse ela.

O que me move é saber que uma dessas crianças poderia ter sido eu ou outra que amo que também passou por isso [chora]. Poderia ser a minha mão sendo alertada. Porque eu alerto. Você acha que não reconheço crianças abusadas só de olhar? Falo com elas na frente dos pais – e elas entendem, ficam de olho em tudo. Já alertei mães sobre a possibilidade daquele pai ser um abusador por causa do jeito. Eles se assustam. Sei que falo para muitos abusadores.

Ao longo desses oito anos de projeto, vendi bonecas para gente do Brasil todo e para quem vive na maioria dos países da Europa, se não todos. Dia desses me enviaram fotos e vídeos de uma Helena na Times Square, em Nova York, e outra de uma criança brincando com ela na neve. Também soube de uma mãe que deu as Helenas de lembrancinha em festa de aniversário, que fez contação de história e oficina de confecção da calcinha para fazer ação de conscientização com as crianças."

"Festinha de aniversário, aliás, deveria ser um lugar para ensinar uma criança sobre o corpo dela. Às vezes a criança não tem isso na escola ou em casa. E penso que esse tem que ser um assunto levado a outros momentos. As mães deveriam incentivar umas as outras, falar em festas, em churrascos de família…

Vejo a falta desse assunto na mídia, em eventos sociais… continua do mesmo jeito. A prevenção ao abuso sexual infantil tinha que ser a política pública mais importante de qualquer cidade, mas não é. Você vai numa escola, uma professora não tem material para trabalhar prevenção. Se eu ganhasse na Mega-Sena hoje, encheria minha cidade de outdoors. "Caça aos abusadores: vamos ensinar às crianças sobre abuso." Porque é o que faço: eu caço e ajudo mãe a caçarem.

Não é fácil, mas a gente vem crescendo. Hoje, temos apoio da Secretaria de Proteção Social da Mulher do Ceará, que nos levou para o Aeroporto de Fortaleza, o Centro Dragão do Mar, dois shoppings e para dentro de dois shoppings e em lojas da Central de Artesanato do Ceará (CeArt).

Fiz lives, fui a encontros e conferências no país todo, até hoje faço oficinas para ensinar o ofício e gerar renda a outras pessoas. Minha história foi homenageada em cordel e uma psicóloga chegou a escrever um livreto que conta a história de uma criança conversando com uma boneca Helena. Por isso, muita gente me procura na internet. Descobri há pouco que um grupo junino daqui do estado vai homenagear o projeto em suas quadrilhas, uma coisa linda de se ver!

As bonecas também estão sendo feitas no Centro Universitário do Vale do Jaguaribe para representar diferentes profissões. Fui convidada para dar palestras às professoras que se formavam na Universidade Estadual do Ceará sobre o combate à violência sexual infantil. No último Maio Laranja, criei uma campanha de doação, em que cada R$ 25 arrecadados ajudam a custear uma boneca para alguém.

Independentemente disso, sempre saio doando na minha cidade e onde vou, porque quero que cada ambiente que tem brinquedo tenha uma Helena ou um Heleno. Mas seria importante contar com o custo porque essa missão é minha, mas há quem trabalhe no projeto puramente por questão de renda.

Hoje, estou preparando a documentação para o Sonhos de Helena se tornar instituto. Assim, posso fazer um trabalho com livros e bonecas gratuitamente no município de Beberibe e no país, e ter alguma segurança. Quero formar um batalhão de embaixadoras pelo mundo. Que, cada uma com sua Helena, seja responsável pelas crianças próximas.

É um trabalho de formiguinha falar sobre um assunto esquecido, mas é preciso que ele esteja dentro das famílias para diminuirmos os casos e, assim, termos uma nova geração sem histórias de abuso sexual infantil para contar. Se por conta do meu trabalho poucas crianças se livrarem de abuso, já estou feliz.”

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