Eu, Leitora
Por , Mirian Nascimento em depoimento a Marie Claire — São Paulo (SP)

Este relato de Mirian Nascimento não é um caso de ciúme. Trata-se de uma tentativa de feminicídio. A Lei Maria da Penha define que a violência doméstica contra a mulher é crime e aponta as formas de evitar, enfrentar e punir a agressão. Na busca por proteção, apoio e ampliar as ações de combate à violência contra a mulher, ligue 180.

“Eu tinha 15 anos quando comecei a me relacionar com o meu ex-namorado. Ambos frequentávamos a mesma igreja, porque eu nasci em um lar evangélico. Foi lá que nos conhecemos e começamos a namorar por quase dois anos. No começo ele era bem calmo, não demonstrava ser uma pessoa agressiva.

Depois de um tempo, comecei a perceber comportamentos estranhos dele em relação a amizades que estavam envolvidas com drogas. Uma das coisas que eu não prestava atenção, mas que ele sempre falava, é que gostava de colecionar facas. Também participava de grupos onde ocorriam atividades violentas, como gangues, mas eu considerava tudo isso normal na época. Quando se é adolescente e está naquela fase de paixão, você deixa muita coisa passar.

Mesmo assim, comecei a ficar com medo. Ele passou a demonstrar muito ciúmes. Então decidi terminar. A mãe dele, toda a família, eram pessoas muito legais. Foi uma separação amigável mesmo. Cada um seguiu sua vida, ele seguiu a dele e eu a minha.

Saí da igreja, comecei a frequentar festas e conhecer o mundo. Aos 17 anos, passei a morar sozinha na Bahia. Queria explorar, conhecer coisas novas, porque sempre fui criada na igreja, e acho que isso incomodou meu ex. Acredito que ele ficou ciúmes, já que sempre me falava que eu não ficaria com ele, mas também não ficaria com mais ninguém.

Não tivemos mais contato depois do término. Eu o via na rua, pois morávamos na mesma cidade. Era um povoado muito pequeno, então todos se conheciam e era impossível não se ver. Eu trabalhava na padaria, então o via passando pela academia, mas não tínhamos mais contato.

O dia em que levei 15 facadas começou com uma rotina normal de trabalho: levantei da cama, fui para a padaria que era perto da minha casa. Entrava às 5:00 da manhã e saía às 8:30 da noite, com um intervalo para o almoço. Depois do fechamento, voltei para casa. Normalmente ia a pé, já que era só um quarteirão abaixo da padaria. Estava com a mochila nas costas, não tirei nada do trabalho, só atendi o celular para conversar com um amigo.

Estava indo para casa quando meu ex apareceu atrás de mim e falou comigo. Não entendi muito bem, a única coisa que lembro é dele perguntando que rua eu iria entrar. Não dei muita atenção, pois não nos falávamos mais. Ele continuou atrás de mim, mas nem reparei, pois estava no celular.

Como estava distraída, acabei passando uma rua além da que deveria entrar. As ruas eram escuras, com muitas casas afastadas e bastante vegetação. Quando virei a esquina para entrar, ouvi o barulho da bicicleta dele caindo no chão. Ele vinha da academia, vestido com roupas de treino e pedalando. Então, ele me deu um golpe no braço direito, o colocou para trás, me derrubou no chão e subiu em cima de mim, entre a cintura, e começou a me golpear com uma faca.

Eu tentava resistir mesmo com o braço preso para trás, mas era um embate desigual de forças. Ele tem 1,80 m e eu 1,60 m. Ambos éramos menores de idade, mas ele era muito mais forte. Meu ex-namorado bloqueava meus movimentos, dizendo que me mandaria para o inferno, repetindo que se eu não ficaria com ele, não ficaria com ninguém.

Meu agressor continuava a me golpear, dizendo que ia me matar e, nesse momento, só pensava em Deus. Lembrava de todas as conversas e sinais que Deus tinha enviado durante a semana através de pessoas. Um filme passava na minha mente, tentava resistir de todas as formas, mas não conseguia. Lutei com minhas últimas forças enquanto ele me sufocava, me batia e me imobilizava. Eu tentava me defender, mas estava imóvel.

Com medo de ser atingida no coração, concentrei-me em protegê-lo. Estava perdendo as forças, assim como ele. Quando senti que estava desfalecendo, pensei que iria morrer e entreguei minha vida a Deus. Então, desmaiei.

Meu celular caiu no chão durante o ocorrido, e a pessoa do outro lado da chamada ouviu tudo. Foi ela que entrou em contato com minha família para tentar me localizar. No início, pensaram que fosse uma brincadeira, pois aconteceu repentinamente, mas logo perceberam a seriedade da situação.

Quando acordei, já estava no hospital, bem agitada. Um homem tinha me encontrado e buscado ajuda. Minha mãe de criação, que estava na igreja, contou que o pastor sentiu a necessidade de orar pelos familiares naquele momento e meu nome veio à mente dela. Ela orou fervorosamente até que meu tio chegasse à igreja com a notícia de que tinham me encontrado e minha mãe saiu correndo. A cidade inteira se mobilizou para me encontrar. Parecia que tudo estava planejado, ele era extremamente frio.

Mesmo com muito medo, sentir que estava viva foi um alívio imenso. Eu sabia que tinha nascido de novo. Mas perdi muito sangue e estava debilitada. Minha boca estava machucada e dificultava a fala. No pescoço, os cortes eram profundos, quase atingindo até uma artéria. Foi uma situação muito difícil de superar.

Mirian sofreu fraturas em seu rosto e pelo corpo — Foto: Arquivo Pessoal
Mirian sofreu fraturas em seu rosto e pelo corpo — Foto: Arquivo Pessoal

Eu não conseguia nem me olhar no espelho e sentia muita dor. No momento do embate, não senti tanto, talvez pela adrenalina da luta, mas depois a dor veio forte e me senti impotente. Fiquei questionando a Deus por que tudo isso estava acontecendo comigo. Foi um momento muito difícil, porém estava grata pela minha segunda chance. Ainda assim, eu precisava lutar constantemente pela minha vida, pois qualquer infecção poderia ser fatal.

Não lembro exatamente quanto tempo fiquei no hospital, mas minha avó e minha tia decidiram me tirar de lá porque o hospital não tinha muitos recursos. Levaram-me para casa da minha tia, que tinha experiência na área de enfermagem, onde cuidaram de mim com doações de remédios e materiais necessários. Minha família parou suas vidas para cuidar de mim, mesmo com medo.

Fui levada para a cidade vizinha, onde minha tia morava, pois a situação estava muito tensa na minha cidade. Todos estavam preocupados e a história se espalhou pelas páginas locais, causando alvoroço. Eu sofria crises de ansiedade constantes, revivendo os momentos de terror, e tinha medo de que meu agressor viesse atrás de mim ou de minha família.

Tomamos medidas legais, como a medida protetiva contra meu ex, mas como ele era menor de idade, as opções eram limitadas. Não havia justiça disponível na minha cidade na época. Depois ainda ficamos sabendo que o pai dele pagou uma fiança e ele estava livre.

Havia muitas coisas que eu não sabia naquele momento, e também me poupavam de saber. Mas a justiça não foi feita até hoje. Tentamos enviar uma notificação para a família dele também, mas até hoje não tivemos resposta.

Após o trauma, passei a viver minha vida escondida. Agora, decidi voltar e falar, porque há algum tempo isso começou a me afetar novamente. Desencadeou ansiedade, iniciou uma depressão, e comecei a me sentir muito mal novamente. Isso aconteceu em 2017, e eu já tinha tentado superar, mas às vezes, quando não estamos 100% curadas, algumas coisas ressurgem e começam a nos afetar. Comecei a fazer terapia, e minha psicóloga me disse que eu precisava colocar para fora, desabafar.

Tempo atrás, tive crises de ansiedade novamente, muito fortes, precisei de medicamentos. Todos os dias, luto contra minha própria mente. Já até tentei contra minha própria vida. Às vezes, as pessoas pensam que está tudo bem só porque sorrio no Instagram. Tentamos parecer fortes, mas não é fácil. Há mulheres que têm bloqueios emocionais, eu tenho vários até hoje, como minha compulsão alimentar. Quando estou triste ou feliz, desconto na comida.

Por isso, comecei a gravar vídeos desabafando. Eu era bastante ativa nas redes sociais, mas mantinha algumas coisas escondidas, bloqueava pessoas da minha cidade, etc.Não queria viver mais assim, com medo, escondendo partes da minha vida. Decidi compartilhar meu testemunho nas redes sociais, e para minha surpresa, teve uma repercussão enorme. Depois que postei o vídeo, outras mulheres e pessoas começaram a compartilhar suas histórias também.

Nem achei que daria em algo, mas pensei: ‘se alcançar pelo menos uma pessoa, já está ótimo para tentar superar.’ Depois que postei, fui dormir, e uma moça me mandou mensagem no Instagram. Ela me disse que estava quase tirando a própria vida por causa de alguma situação que aconteceu. Contou que estava no banheiro, mexendo no celular e pensando em como tirar a própria vida, quando viu meu vídeo. Ela contou que foi como uma resposta de Deus, mostrando que, se eu passei por tantas coisas e estou aqui, contando minha história, quem é ela para desistir por algo banal. Isso me deixou muito feliz, porque de certa forma, ajudei alguém a voltar para a vida.

Recebo relatos todos os dias de meninas que passaram pela mesma situação, mulheres em relacionamentos abusivos, que viram meu vídeo e encontraram forças para sair da situação. Tem aquelas que passaram por isso e se escondiam, assim como eu, não contavam para ninguém, tinham medo, mas encontraram coragem para denunciar. Para mim, é muito gratificante saber que meu testemunho está ajudando pessoas.

É preciso que as mulheres sejam ouvidas, assim como precisei criar coragem para seguir em frente. Muitas têm medo de se relacionar novamente, com medo de que aconteça tudo de novo. Eu tive um relacionamento e um filho depois de tudo isso, não deu certo, mas cada um seguiu sua vida. Agora estou em um novo relacionamento. Estou feliz.

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