Eu, Leitora

Por Depoimento A Kellen Rodrigues


Camila Domingues — Foto: Arquivo Pessoal
Camila Domingues — Foto: Arquivo Pessoal

"Nasci com um má formação congênita da íris, a 'menina dos olhos'. Na época, março de 1991, o pediatra falou para os meus pais que eu era cega. Foi um choque, um momento muito difícil para eles. Mas meu pai não aceitou o diagnóstico e buscou um especialista. Descobriram que, na verdade, eu tinha baixa visão. Tinha percepção de luz e enxergava pouco, mas enxergava. A partir daí começaram meus tratamentos.

Tive uma infância comum com meu irmão William, quatro anos mais velho, e meus primos. Fui uma criança calma, gostava de ficar quietinha brincando dentro de casa. A claridade me atrapalhava um pouco, eu caía bastante. Naquela época, minha família não sabia que a falta da íris podia causar outras coisas - é ela que faz o filtro dos raios ultravioleta e eu não tenho esse filtro. Eu ia muito à praia, ao parque... A gente sempre morou em chácara em Cotia, no interior de São Paulo, e eu ficava muito exposta ao sol. Ninguém avisou que eu precisava de proteção.

Na escola sempre fui muito esforçada. Tinha dificuldade para ler na lousa e no papel, mas amava ir para a aula. Quando tinha 7 anos minha visão começou a embaçar muito e tive que me afastar por seis meses para fazer cirurgia de cataratas. Perguntava ao meu pai por que eu tinha que ficar no hospital e meus colegas não. Por que meu irmão não precisava? Ele me explicava e a gente fazia coisas legais pelo caminho, parava para comer coisas que eu gostava, tudo para me animar.

Sempre fui muito tímida e tinha vergonha de falar para as professoras quando não enxergava algo, fingia que estava vendo. Até para a minha família. Me sentia estranha por ter que usar óculos bifocal, que é mais grosso. Me sentia diferente mas querendo ser sempre igual.

Na adolescência não quis mais usar óculos, para mim não fazia diferença. Troquei a primeira carteira pelo fundo da sala de aula para ficar com as minhas amigas. Fui parando de ser aquela menina tímida que não abria a boca pra nada. Comecei a ter meus paquerinhas com 14 anos, a ter mais vontade de me arrumar, comprar maquiagem e sair com as meninas.

No segundo ano do ensino médio estava em uma aula de matemática quando senti um estalo no olho direito. Cobri o esquerdo e vi que estava tudo preto. Fiquei sem ação. Minha retina havia descolado. Fiz cirurgia, mas a visão não voltou. A partir dali eu teria só a visão do olho esquerdo. Ainda assim, cerca de 20%.

Minha turma de amigos me ajudava, escrevia com a letra maior no caderno para eu poder copiar. Eu dizia aos professores que estava enxergando para poder ficar com eles. Não queria voltar a ser a menina que senta lá na frente, sozinha. Nos anos seguintes fiz várias cirurgias, tive glaucoma, passei por um transplante de córnea aos 17 anos.

Um dia, minha melhor amiga, Jéssica, viu uma vaga em um supermercado com cota para pessoas com deficiência. 'Será que você não entraria?', ela me perguntou. Eu estava com 18 anos e não tinha noção que eu tinha uma deficiência. O médico me confirmou que sim, eu tinha classificação para deficiência visual. Assim, em 2009, entrei em em primeiro emprego. Fiquei muito feliz.

Dois anos depois, meu glaucoma estava bem avançado. Precisei passar por uma cirurgia e a anestesia não pegou. Foi a pior dor da minha vida. Desmaiei. Depois, passei dois meses sem enxergar nada, deitada na cama. Engordei dez quilos nesses nesse período. Isso mexeu ainda mais com minha autoestima.

Em 2012 comecei ter manchas de sangue no olho. Minha retina estava chegando no centro do olho, descolando aos poucos. Tive que tomar uma decisão: fazer a cirurgia e correr risco de ficar cega ou aguardar e ficar cega com o tempo. Foi um dilema. Conversei com a minha família, com minha melhor amiga, com Deus.... Decidi fazer, não queria viver com a dúvida do 'e se'. Eu precisava tentar.

Fiz a cirurgia no dia 27 de julho de 2012. Brinquei com meu médico que pelo menos o último homem que eu estava vendo - ele - era bem bonito. Eu tinha noção que podia ficar cega, mas fui confiante. No dia seguinte, quando tiraram o tampão, ficou tudo escuro. O médico falou que podia ser o óleo usado para colar a retina e que, dali uns dias, talvez, eu podia voltar a enxergar. Passei 20 dias deitada de bruços durante a recuperação.

Um mês depois, voltei para uma consulta. Nada havia mudado. 'O óleo já desceu, agora é para sempre', ouvi. Aos 21 anos, fiquei cega. O médico chorou, meus pais choraram. Menos eu. Voltamos para casa e eu quis me arrumar para a festa de 15 anos da minha prima. Dancei, comi, me diverti muito. Quando voltei para casa, sim, desabei. Não quis mais falar com ninguém. Entrei em depressão.

Eu não falava, não comia, não dormia... passei cinco dias sem ir ao banheiro, nem sei como meu organismo aguentou. Minha mãe tentava fazer oração e eu não aceitava. Eu questionava a Deus, 'por que eu?' Não queria a visita de ninguém, não queria piedade. Perdi amigas, que me acharam ingrata. Mas me aproximei muito do meu irmão. A vida toda ele se sentiu meio de lado porque meus pais viviam comigo pra lá e pra cá. Nessa época, derrubamos o muro que havia entre nós.

Camila Domingues — Foto: Arquivo Pessoal
Camila Domingues — Foto: Arquivo Pessoal

Foram três meses bem difíceis, até eu decidir que voltaria à faculdade de Pedagogia, que havia começado um tempo antes. Meu pai ia comigo para a aula e ficava lá do meu lado. Minha família fez um bingo para comprar uma máquina de braile. Quando fui à Laramara, uma organização que presta serviços à pessoas com deficiência visual, para comprar a máquina, me falaram que dava para usar computador também e chamaram o responsável para me explicar mais. Era o Leonardo.

Ele me deu várias broncas ao saber que meu pai ia comigo para as aulas. 'É ele que vai dar aula?' Você precisa cortar o cordão umbilical'. Eu achei ele muito grosso. Mas quando saí da sala perguntei
à minha mãe se ele era bonito. Ela disse que sim. 'Chato, mas bonito', pensei.

Leonardo me deu indicação de leitor de tela e meu pai baixou no mesmo dia, aprendi a usar em uma semana. Adicionei ele no Facebook e mandei um e-mail agradecendo pelas dicas. Ele ficou surpreso e disse que eu merecia o telefone dele. Achei metido, mas gostei. Começamos a conversar por MSN e vi que tínhamos muito em comum. Quinze dias depois já estávamos namorando.

Nos casamos dois anos depois, em julho de 2014, com uma festa linda, com a decoração de rosas vermelhas e brancas, como era meu sonho. O detalhe mais legal é que teve audiodescrição. Parece que eu estava vendo tudo, esqueci que eu era cega. Ganhamos a lua de mel do meu irmão em um hotel fazenda com muita acessibilidade, foi tudo incrível.

Me formei na faculdade em dezembro do mesmo ano. Fiz concurso como professora para o Estado de São Paulo e passei, mas uma médica me considerou inapta pra função. Fiquei bem frustrada. Comecei a dar aula particular de braile, até que surgiu um concurso em Francisco Morato.

Passei em primeiro lugar e me chamaram. Diferente do outro concurso, o médico falou que por ele não tinha problema algum eu não enxergar e perguntou como eu me sentia. Conforme a lei, tenho direito a um auxiliar nessa parte visual. E assim foi feito. Assumi em 2016 como concursada na educação infantil. Fiz especialização em educação inclusiva e assumi depois a sala de recursos na escola.

Pensei que as mães ficariam preocupadas em seus filhos terem uma professora cega, mas sempre expliquei muito meu trabalho para elas e me recebem muito bem. Francisco Morato é uma cidade pequena, vulnerável, mas muito inclusiva. Hoje sou professora de atendimento educacional especializado. Atendo crianças com baixa visão, cegueira, autismo, Síndrome de Down e outras deficiências.

Depois de cinco anos de casados, Leonardo e eu decidimos ter um filho. Engravidei bem rápido, no primeiro mês, e trabalhei até o último dia. Gustavo nasceu em novembro de 2019, saudável. Aos seis meses descobrimos que ele tem o mesmo problema que eu na íris. Isso me abalou bastante. Mas diferente do que aconteceu com a minha família, hoje temos informação. Sabemos que ele não pode se expor aos raios ultravioletas de jeito nenhum. No sol ele só fica de óculos com proteção. E enxerga muito bem.

Camila, Gustavo e Leonardo — Foto: Arquivo Pessoal
Camila, Gustavo e Leonardo — Foto: Arquivo Pessoal

Quando o Gustavo nasceu compramos uma Alexa para nos auxiliar, principalmente na iluminação, porque a gente precisava estimular a visão dele. Muitas vezes minha mãe chegava na minha casa e eu estava varrendo de luz apagada, para mim era normal, não fazia diferença. Mas para outras pessoas que enxergam a gente tem que lembrar de acender a luz. A Alexa me ajuda com timer, lembretes, despertador, pesquisas... A saber a temperatura que vai fazer no dia, porque a gente não consegue abrir a janela e ver o sol ou se está nublado. É uma companheira desde o bom dia até desligar todas as luzes à noite. E o Gustavo já aprendeu a ligar para o vovô com ela.

Esse ano fiquei 15 dias internada na UTI para tirar a tireóide e foi difícil. Estou pensando em trabalhar menos horas no ano que vem pra ficar mais com meu filho e cuidar mais da minha saúde. Passei a ver a vida com outros olhos.

Sonho em ver meu filho crescer e conquistar muitas coisas. E quero levar nosso trabalho para mais pessoas. Temos um canal no YouTube, o Inclunet, e também estamos nas redes sociais. A gente gosta de falar do nosso dia a dia, mas também de educação, tecnologia e inclusão para ajudar outras pessoas. Quando eu perdi a visão não se tinha tantas informações e hoje a informação está aí para isso. Queremos mostrar cada vez mais as possibilidades que as pessoas com deficiência têm. Acredito que um dia a inclusão não vai precisar ser falada e, sim, vivida. A gente não vai precisar ficar pedindo para ser incluído, vai ser comum. É o meu maior sonho: ver pessoas com deficiência namorando, casando, se divertindo, trabalhando. Enfim, vivendo.

Meu sonho é viver bem, ter meu trabalho, ajudar pessoas e, principalmente, ser feliz."

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