Entrevista com Economista e Professor Alcides Goularti Filho - Jornal A Notícia - Gilvan França

Resumo da com o economista e professor Alcides Goularti Filho, autor do livro "Formação Econômica de Santa Catarina" e Doutor pela Universidade de Campinas - UNICAMP.

O livro é resultado de quatro anos de trabalho de um grupo de pesquisas da UNESC - Universidade do Extremo Sul-Catarinense, junto ao Programa de Iniciação Cientifica desta Universidade. O grupo é composto de professores e acadêmicos dos cursos de economia, história e geografia. Arquivos históricos e particulares, bibliotecas municipais e universitárias, sindicatos e empresas, além de jornais, teses, monografias, fotografias, fichas funcionais e mais de cinqüenta entrevistas foram pesquisados. A obra foi patrocinada pela ELETROSUL, Fundação Cultural de Criciúma e UNESC e produzida pela Editora Cidade Futura, e Florianópolis.

A Notícia/ Gilvan França - Qual a contribuição que essa publicação dá à memória e cultura do carvão em Santa Catarina?

Alcides Goularti Filho - O livro traz uma outra abordagem sobre a memória e a cultura do carvão em SC. São 120 anos de história. Apresentamos uma abordagem multidimensional, contemplando os aspectos econômicos, sociais, culturais e político. Problematizamos e analisamos as contradições e as marcas deixadas pelo carvão. No livro não há uma exaltação do chamado " progresso" gerado pelo chamado " ouro negro" . Reconhecemos o significado que o carvão teve na região para impulsionar o crescimento econômico, que desdobrou-se em outras atividades econômicas, mas não faremos dele a pedra fundamental.

A Notícia /Gilvan França - A descoberta e exploração do carvão, por um longo período de forma rudimentar e despreocupada com o meio ambiente, foram enaltecidas e comemoradas. Passados mais de cem anos do início dessa história, não há o que comemorar?

Alcides Goularti Filho - Comemorar não, já que comemoramos na maioria das vezes acontecimentos especiais, bons para nós. Mas é importante não esquecer, lembrar sempre o que se pode fazer com o meio ambiente em que vivemos e com nossa saúde se escolhermos essa ou aquela forma de atividade. Embora hoje os discursos dos mineradores digam que a exploração do carvão acontece com equipamentos mais modernos, que não poluem, não agridem a Mãe Natureza.

A Notícia / Gilvan França - A sua contribuição, no primeiro capítulo, é a pesquisa sobre as relações de trabalho e formação de mão de obra mineira em Santa Catarina entre 1918 e 1929. Qual o fator marcante desse período?

Alcides Goularti Filho - Durante a primeira guerra, com as restrições para importar, é que o carvão catarinense despertou interesse de empresários e governo. Na época, surgiram várias companhias carboníferas na região. Para trabalhar nas minas, foram contratados trabalhadores com formação étnica e cultura diferente. Analisadas as folhas de pagamentos da antiga Companhia carbonífera Criciúma, podemos dividir o período de 1918 a 1929 em dois momentos: entre 1918 e 1924, há um predomínio de italianos, alemães e poloneses; já no período de 1925 a 1929, predominam os luso-brasileiros. Além disso, havia uma alta rotatividade, boa parte dos salários era descontada com armazém, aluguel e médico. A partir dos anos 30, inicia-se o fluxo migratório de famílias provenientes de Imbituba, Imaruí e Laguna. A formação da mão-de-obra mineira tem basicamente duas matrizes: o colono e o pescador.

A Notícia / Gilvan França - Agregar valor ao carvão mineral foi um sonho que transformou-se e pesadelo?

Arcides Goularti filho - Em 1971, o governo estadual reacendeu a idéia de construir uma siderúrgica estatal em SC e cria a Sidersul. O projeto foi sendo elaborado durante ao anos 70. Ficou definido que a estatal seria em Imbituba. O projeto completo era de 195 milhões de dólares. Como não houve complementação por parte dos empresários e do governo federal, o projeto, várias vezes revisto, foi abandonado. A Sidersul, de um projeto que iria completar o complexo carbonífero, transformou-se me pesadelo.

A Notícia / Gilvan França -Qual o motivo e as conseqüências da inviabilização da Indústria Carboquímica Catarinense (ICC), que em sua pesquisa o senhor questiona como " solução ou problema" ?

Alcides Goularti filho - A ICC nasceu de um projeto siderúrgico e foi transformada numa carboquímica em 1967. Construída n bojo do 2 o PND, a indústria entrou em operação em 1979 e foi desativada em 1992. O Objetivo era produzir ácido sulfúrico a partir do enxofre contido no rejeito piritoso do carvão. Como a ICC necessitava de rejeito piritoso, para a região das minas era inbteressante porque reduzia as áreas de rejeito, mas para Imbituba, onde estava localizada a planta da empresa, a ICC era um desastre ambiental. Além da maldição do pó vermelho, a ICC deixou depositados como rejeito na cidade 4,3 milhões de toneladas de gesso e 1,4 milhão de óxido de ferro. Em Criciúma, a unidade da ICC também produziu toneladas de xisto.

A Notícia / Gilvan França - O Sul do estado tem em seu passado e presente histórias ricas de mobilizações, de organizações populares e de resistência não apenas trabalhista, mas também política. Na sua avaliação, qual a contribuição que a mineração e os mineiros deram para que isso corresse?

Alcides Goularti filho - A categoria dos mineiros sempre foi uma das mais combativas no Sul do país. As greves na região ocorrem desde os anos 20. Durante as décadas de 50 e 60, a região presenciou inúmeras greves dos mineiros. Umas ocorreram à revelia dos sindicatos, que eram atrelados ás empresas, outras com apoio dos sindicatos. A mudança ideológica mais substancial ocorreu em Criciúma, em 1958, quando os trabalhistas assumiram o sindicato. Durante a ditadura, o sindicatos dos mineiros foi controlado e a greves cessaram.

A Notícia / Gilvan França - Após as guerras mundiais, quando a produção de carvão se reduziu por deixar de ser interessante para o governo federal e acabaram as vantagens governamentais, a região clamou pela soberania e proteção ao empresariado nacional. A realidade é diferente hoje?

Alcides Goularti Filho - Imediatamente após a Segunda guerra, o consumo nacional de carvão diminuiu e a região enfrentou uma crise. A exemplo de outros setores estratégicos nacionais, em 1953 foi criada a comissão executiva do plano do Carvão nacional. Com a industrialização pesada após 1956, as atividades carboníferas retomaram o crescimento. O choque do petróleo em 1973 obrigou o governo a elaborar um plano para substituir os derivados do óleo, beneficiando diretamente o carvão. O auge da produção foram os anos de 1984 e 1985, quando chegou a 19,5 milhões de toneladas. A crise dos anos 90 reduziu a produção de carvão ao nível dos anos 60. Atualmente, toda a produção e destinada á termelétrica Jorge lacerda.

A Notícia / Gilvan França - Qual sua avaliação da relação custo/benefício entre o passivo ambiental deixado pela mineração em toda a região e o progresso que essa atividade represnetou para região sul?

Alcides Goularti Filho - As atividades carboníferas assumiram o comando no processo de acumulação capitalista na região até meados dos anos 80; Do desdobramento desta acumulação, associada á presença de pequenas iniciativas locais, surgiram outras atividades econômicas que rapidamente se inseriram no mercado local e nacional. É neste desdobramento que reside o processo de diversificação econômica do Sul de Santa catarina. É bom lembrar que a presença do estado sempre foi muito forte na região, seja nas atividades carboníferas, com investimentos diretos, seja na indústria cerâmica e de plásticos, por meio do crédito. A degradação ambiental foi e continua terrível. São perdas irreparáveis. Temos de efetivamente pensar em novas fontes geradoras de energia.

A Notícia / Gilvan França - Alojar mineiros transformou a paisagem com a construção de vilas operárias. Como era a vida desses trabalhadores e suas famílias?

Alcides Goularti Filho - As vilas operárias descentralizaram os serviços e o comércio, além das atividades de lazer. Se encontrava tudo que necessitavam em termos de alimentação, atendimento à saúde e clubes recreativos nas vilas.