Retratos

Por Maria Teresa Cruz, Colaboração para Marie Claire

"Estou viva! E os que estão comigo também! Foi esse o pensamento que me invadiu quando consegui descer do mezanino onde eu fiquei após mais de dez horas esperando o nível da água que invadiu minha casa baixar.

Sim, as fortes chuvas sem precedentes no litoral norte de São Paulo me atingiram severamente. Mesmo em um local que está acostumado a receber as lágrimas do céu, a quantidade de água foi descomunal. Nunca vista antes por aqui --pelo menos era o que diziam pelas ruas, no dia seguinte à tragédia, caiçaras de 40, 50 e 60 anos.

Eu não fui a escolhida. Pelo contrário. O relato que farei é provavelmente semelhante ao de muitas outras pessoas. E bem menos pior do que quem perdeu a casa toda ou a vida de seus amores.

Na noite de sábado, a alegria do Carnaval invadiu as ruas da costa sul do litoral norte. Estávamos todos contagiados pela maior festa popular da terra depois de quase três anos do início da pandemia. O desfile do bloco Samdosa foi lindo. De lá, o pessoal se animou e parou em um outro local onde havia música. A chuva, que antes era escassa e havia ficado naquele chove não molha o dia todo, apertou. Eu e meus amigos, que estavam a passeio na minha casa, ficamos aguardando dar uma trégua para seguir.

Por volta das 23h30 decidimos ir. Ao chegar à rua de casa, no Sertão do Cacau, em Cambury, onde vivo há dois anos, havia poças d’água um pouco diferentes daquelas q que estamos habituados em uma rua de terra, em um local onde chove rotineiramente. Insisti com o carro, que já estava com água cobrindo os pneus, e conseguimos passar da parte mais baixa chegando ao estacionamento da minha casa em segurança.

A chuva seguia intensa. Ao entrarmos em casa e termos aquela sensação de 'estamos seguros', um dos amigos me questionou se ali alagaria. Sem titubear disse: 'Não, isso nunca aconteceu'. E, de fato, mesmo com dias seguidos de chuva considerada forte, o máximo que ocorreu foi acumular um pouco de água na área externa, jamais dentro da casa.

Esse mesmo amigo sugeriu que, por precaução, colocássemos a geladeira sobre a mesa de fora. Eu consenti e assim foi feito. Entramos em casa e, percebendo que estavam desconfortáveis com a chuva, sugeri que dormissem no andar de cima da casa, no mezanino. Fui para o meu quarto e adormeci, sendo despertada algumas horas depois ao sentir a água nas minhas costas.

Assustada, acordei e olhei para o lado. Já conseguia ver objetos pessoais boiando na água lamacenta que havia invadido minha casa. Caminhei pela cozinha e pela sala, numa tentativa de tomar consciência do estrago. Me senti completamente perdida. Para quem ligaria àquela hora? Se a água já estava no meio das minhas coxas, imagine o nível dela do lado de fora e na rua? Não tinha o que fazer, nem para onde ir. Subi no mezanino para me abrigar. Lá já tinham outras cinco pessoas.

Eram por volta de 2h30 da manhã e ainda tínhamos luz e sinal de telefone. Falei com a minha vizinha e ela estava, assim como todo mundo, apavorada. Sugeri que viesse se abrigar conosco. E assim aconteceu.

Casa da jornalista Maria Teresa Cruz em Cambury ocupada pela água — Foto: Arquivo pessoal
Casa da jornalista Maria Teresa Cruz em Cambury ocupada pela água — Foto: Arquivo pessoal

A chuva não parava, e o nível de água subia cada vez mais rápido. O cenário que se seguiu nas horas seguintes foi de desolação, impotência e espera. Não encontro palavras para definir o que senti quando vi a pia e o fogão submersos, a geladeira e outros móveis boiando, minhas roupas e parte do armário espalhadas sobre aquela água imunda e nada poder fazer.

As horas foram passando com um olho aberto e outro fechado, tentando fracassadamente, dormir. A luz foi cortada no final da madrugada e, às 7h, não tínhamos mais sinal de telefone ou internet. Uma angústia tomou conta de todos nós nas horas seguintes, já que não tínhamos como nos comunicar com o mundo externo e, muito menos, saber de fato o tamanho do que estava acontecendo.

Conseguimos descer e sair da casa apenas por volta das 14h30. Fui buscar alguém que nos resgatasse. Nas ruas, caminhei com água na altura dos quadris. E comecei a entender a real dimensão do que tinha acontecido. Encontrei um amigo muito querido, o abracei e consegui chorar pela primeira vez. Ele que nos acolheu em sua casa nesse primeiro dia e me deu um choque de realidade: 'Amiga, acabou. Não tem sinal de telefone nem luz em lugar nenhum. Você não está entendendo o que rolou. Caíram árvores, postes, houve muito desbarrancamento de terra, muitas mortes, especialmente no Sahy'.

Respirei, olhei em volta. Pessoas saindo de suas casas, completamente desoladas, algumas já com baldes e rodo retirando lama. Uma mulher chorava muito e era consolada por outra. Caminhei por regiões tão ou mais afetadas do que a minha casa. Vi pedaços de morro que foram inteiros ao chão. O caminho principal do sertão tinha muita lama, postes caídos e árvores interrompendo partes do caminho. Mais choro, e vieram as primeiras notícias de mortes confirmadas. Agradeci por estar viva. Nomes de desaparecidos começaram a ser divulgados. Agradeci mais uma vez. Por estar viva e bem.

Sou jornalista e fui repórter por quase 15 anos. Nesse tempo, não foram poucos os casos de enchentes históricas e seus efeitos devastadores repleto de perdas humanas que testemunhei com meu bloquinho de anotações e o gravador. Mas nunca, nem mesmo nos meus piores pesadelos, pensei que um dia viraria personagem das histórias que contei.

Podemos chamar o que aconteceu no litoral norte de São Paulo de uma tragédia, porque, de fato, o que foi visto não tem precedentes na história. Foi a maior chuva registrada na história do Brasil. Mas sinto também que situações como essa nos fazem pensar (ou ao menos deveriam) sobre a relação que temos com o local onde vivemos e o que estamos fazendo para preservar esse lugar. Se devasta a natureza, ela cobra.

Os fenômenos climáticos severos como o que vivenciei na pele são fruto da ação do homem. Não dá para usar desenfreadamente a natureza, sem o devido cuidado e respeito, e achar que nada vai acontecer. O aquecimento global tem, entre suas características, eventos climáticos extremos. Seja um sol e calor de rachar, seja uma chuva com vento nunca antes vista. Foi o que vivemos.

Tal qual a profecia de Antonio Conselheiro, o sertão virou mar. Mas considerando as históricas péssimas condições de infraestrutura do litoral norte de São Paulo quando o assunto é saneamento básico, especialmente da parte que o 'inglês não vê', virou um mar de lama e esgoto.

O que é responsabilidade das políticas públicas? E o que é nossa responsabilidade para que tragédias como essa sejam evitadas? São questionamentos que me faço desde a madrugada de sábado, ainda no mezanino, quando comecei a entender o que estava acontecendo.

Ainda não caiu a ficha, na verdade. Perdi tudo, mas contei com a solidariedade de muitos. Recebi roupas, porque perdi todas, comida e afeto da rede de apoio que também foi afetada. Estou contando ainda com auxílio de gente que mesmo longe quer estar perto. Não perdi a vida nem ninguém que amava e, depois de uma boa faxina e de recomeçar, ainda tenho um teto. Só posso agradecer. E quando der, também contribuir na reflexão para esse aprendizado. Não dá pra sair dessa e não mudar nadinha do que você pensa a respeito da vida e do que você está fazendo com a sua.

Há uma iniciativa de moradores locais para arrecadar dinheiro às famílias que perderam tudo e estão desabrigadas. Deixo o link a quem puder ajudar."

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