Retratos

Por Redação Marie Claire

E já é Carnaval, a mais democrática festa popular. Mas será mesmo?

Há quem discorde, como a psicóloga Camila Alves, cega desde os 15 anos por causa de uma doença degenerativa da retina. Ela lança: “A gente precisa pensar que o Carnaval acontece em cidades inacessíveis para pessoas com deficiência. Por definição, o Carnaval não é acessível e, portanto, não é democrático”.

Há blocos que começam a pensar o espaço publico e como podem receber melhor as pessoas com deficiência. A Orquestra Voadora, do Rio, é um deles. “De forma geral, temos que pensar na acessibilidade comunicacional, como audiodescrição, libras, leitura labial, e também na acessibilidade arquitetônica. O espaço é acessível, plano, sem obstáculos?”, explica Raissa Couto, integrante do núcleo da Orquestra Voadora e fundadora da consultoria 7.1 acessibilidade criativa.

Um dos maiores blocos do Rio, a Orquestra passou a ter um núcleo de acessibilidade em 2018 e, desde então, sai às ruas com uma ala PcD (Pessoas com Deficiência). Inclusive o tema estandarte deste ano é “O Futuro É Anticapacitista”.

Iniciativas como essa, no entanto, ainda são raras. Marie Claire conversou com algumas mulheres e mostra como é viver o Carnaval para quem tem deficiência.

Lele Martins, 26 anos, modelo, palestrante e criadora de conteúdo
Rio de Janeiro

Lele Martins no carnaval — Foto: Arquivo Pessoal
Lele Martins no carnaval — Foto: Arquivo Pessoal

"Como boa carioca, sempre curti muito o Carnaval e os blocos de rua. Mas, quando me tornei uma pessoa com deficiência, não gostei mais porque definitivamente não é uma festa acessível. Estava usando muleta, era muito cansativo e inviável.

Até que o Carnaval começou a ficar mais privatizado, em espaços fechados. Isso é ruim para a festa, porque elitiza, mas reconheço que, para mim, com deficiência, ficou mais confortável. Tinha lugar para sentar, um banheiro decente. Quando você se torna uma pessoa com deficiência, precisa pensar se a rua vai ser boa para descer, ver se tem previsão de chuva para não molhar a prótese.

Um episódio marcante foi uma situação de capacitismo que sofri em um bloco. A pessoa chegou até mim, a gente ficou e, quando viu que eu tinha uma prótese, meteu o pé de uma forma descarada. Foi aí que entendi o procedimento das pessoas para com o meu corpo, sentimentalmente e sexualmente.

Uma forma de fazer o Carnaval mais acessível é começar por informação. Se você não tem interesse em ficar com alguém com deficiência, não precisa rejeitá-la num nível que a atinja. E, se interessar, pega mesmo. Não permita que os amigos zombem da pessoa. Já vivi isso. Então é isso: ter conhecimento e não ser ridículo, babaca.

Para os blocos, é preciso pensar em um espaço restrito a pessoas com redução de mobilidade. Em situações de blocos parados, um espaço mais confortável e bem pensado para quem tem deficiência --e mais de um para não ficarmos longe de todo mundo."

Camila Alves, 35 anos, psicóloga e psicoterapeuta corporal
Minas Gerais

"Sou uma mulher cega, devido a uma doença degenerativa da retina. Sou de Minas e vim morar no Rio em 2008. Desde então, tive muitas experiências no Carnaval de rua. Foram muitas experiências diferentes, mas posso dizer que elas me tomaram e que sou uma dessas foliãs que aguardam ansiosamente a chegada do Carnaval.

É muito potente a possibilidade de estar na rua, de estar entre muitos, de encontrar amigos e de conhecer pessoas. Ao mesmo tempo, a gente precisa pensar que o Carnaval acontece em cidades inacessíveis. E se não é acessível não é democrático. A gente está lidando o tempo inteiro com um mundo capacitista, um mundo que diz que não foi feito para a gente.

Minha chegada à Orquestra Voadora, na ala de acessibilidade, me permite estar dentro da música e ter experiências sonoras maravilhosas. Minha experiência no Carnaval é muito possível pela rede de amigos que topam enfrentar uma cidade lotada, sem acessibilidade arquitetônica, sem banheiros acessíveis, com uma população que não considera a presença de pessoas com deficiência no bloco. E ainda tem a dificuldades de me orientar no meio de multidões.

É preciso haver um longo trabalho de conscientização. As pessoas têm que entender qual é o papel delas na exclusão das pessoas e das mulheres com deficiência --e isso vale para os foliões e os organizadores do bloco. Estamos falando de uma festa de resistência, e colocar num bloco uma ala de acessibilidade é um projeto político de resistência a um movimento que historicamente tem sido feito só com corpos não deficientes.

Algo importante é a escolha de onde os blocos vão sair, porque isso determina se estamos falando de um espaço geográfico mais ou menos acessível e viável. Precisamos de banheiros adaptados nas ruas, de transporte também. É uma força-tarefa para que as pessoas se deem conta de como são excludentes e de como reafirmam essa exclusão no Carnaval.

O objetivo da ala é que as pessoas saibam que o Carnaval também é para as pessoas com deficiência. Estamos na rua, vestidas, nuas, bebendo, beijando. A gente existe."

Jullie Marie, 30 anos, modelo
Paraíba

Jullie Marie — Foto: Arquivo Pessoal
Jullie Marie — Foto: Arquivo Pessoal

"Sempre curti muito o Carnaval, desde que era criança até a minha adolescência. Hoje, prefiro assistir pela TV.

Uso aparelhos auditivos bilaterais, e a poluição sonora atrapalha o funcionamento. Mas, como sou adepta à leitura labial, isso não me afeta tanto. Me preocupo mais com as brincadeiras que acontecem no Carnaval, com a aglomeração, a poluição sonora, as bebidas alcoólicas.

Meu maior medo é perder meus aparelhos por inconsequência das pessoas."

Barbara Carneiro, 17 anos, estudante
Rio de Janeiro

Barbara na ala PcD da Orquestra Voadora — Foto: Arquivo Pessoal
Barbara na ala PcD da Orquestra Voadora — Foto: Arquivo Pessoal

"Sou cadeirante, mas nunca senti isso afetando minha experiência no Carnaval de uma maneira tão forte. Meu pai sempre fez de tudo para me levar. Uma experiência positiva que tenho com o Carnaval é quando fui para o bloco Boto Marinho. Acontece em Paquetá, uma ilha do estado do Rio de Janeiro que só dá para chegar de barca. As pessoas me ajudaram da primeira vez que fui.

Para tornar o Carnaval mais acessível para uma cadeirante, os organizadores precisam pensar em trajetos que não tenham tantos obstáculos. Já os foliões precisam abrir caminho quando virem alguém de cadeira de rodas passando e ajudar quando identificarem um obstáculo, porque é muito difícil de fazer isso sozinha."

Geisa Farini, 38 anos, influenciadora e desenvolvedora de software
São Paulo

Geisa Farini — Foto: Arquivo Pessoal
Geisa Farini — Foto: Arquivo Pessoal

"Nasci com deficiência visual, por causa de glaucoma congênita. Com 12 anos, perdi o último resíduo visual que tinha.

Já curti muito mais bloquinho e desfile, agora estou mais devagar. Gosto muito de me fantasiar, é um hábito da família, mesmo que a gente nem saia de casa. Gosto muito da animação, da alegria. Tenho mais experiências positivas do que negativas no Carnaval. Mas uma coisa de que sinto falta é recursos de acessibilidade nos desfiles.

Em cidades menores não tem audiodescrição. Se eu quiser ir ao desfile no interior do Rio, vou ter que contar com a minha família para descrever para mim. E como já enxerguei, sinto muita falta de recursos que me deem informações visuais sobre o que está acontecendo à minha volta. Isso precisa ser muito mais popularizado.

Sempre fui a bloquinho com amigos e família, nunca fui sozinha. Mas um dia tentei ir com outra amiga cega, e foi muito desafiador. É um lugar com muita gente, um espaço amplo, então, para saber onde estão as coisas é muito complicado. Não tem sinalização nem ninguém para informar. De repente, podia ter uma equipe de apoio que pudesse direcionar banheiro, saída, algo para comer e beber.

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Quando ia para bloquinho com amigas, muita gente pensava: 'Uma mulher com deficiência, as pessoas vão abusar de você'. Mas na verdade não. Quando usava bengala, os caras nem chegavam em mim. Não existia nem esse momento de flerte em bloquinho. E, se a bengala estava guardada na bolsa, isso mudava totalmente. Os caras me abordavam.

Nunca rolou falta de respeito, mas, sim, preconceito, quando as pessoas percebiam minha deficiência. Esquisito porque sou uma mulher curtindo como outra qualquer, que quer dançar, beijar na boca. E muitas pessoas não entendem isso."

Mellina Hernandes Reis, 39 anos
São Paulo

Mellina Reis no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo — Foto: Acervo pessoal
Mellina Reis no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo — Foto: Acervo pessoal

"No Carnaval de 2007, estava solteira, e minha avó morava em Muzambinho, interior de Minas Gerais. Não tinha me programado para fazer nada e estava desempregada, sem dinheiro para viajar. De última hora decidi ir para lá, receosa por estar sozinha no Carnaval.

Cheguei e pensei: 'E agora? Sozinha, não enxergo, como faço para ir ao Carnaval?'. Não tinha dinheiro para show em casa fechada, então, decidi: vai ter que ser Carnaval de rua. E fui criando coragem.

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No primeiro dia fui com a Hillary, minha cã-guia. Não fiquei na muvuca por causa dela e também para entender melhor como seria. Um pessoal se aproximou, começou a conversar. Fiz amizade com eles, fiquei dançando, curtindo, mas afastada da multidão.

No outro dia, fui sem a Hillary. Estava tensa de ir com bengala. Fui chegando, esperando que se aproximassem as pessoas. Umas meninas vieram oferecer ajuda, fiquei com elas até o fim do dia e foi bem bacana. Fiquei feliz que as pessoas ficaram comigo, que fiz amizade. Se tivesse algum conhecido que enxerga, teria sido melhor, mais proveitoso. Mas valeu a experiência, vi que era possível, sozinha, sem enxergar, curtir o Carnaval.

Em 2019, fui para o sambódromo com meu namorado, atual marido. Tinha audiodescrição no desfile. Foi bem bacana. Descrição das fantasias, das alas, dos instrumentos, e a gente consegue acompanhar o que está rolando. Deu para curtir, dançar.

Lugar de grande aglomeração é complicado, por questões de segurança. Não sei como seria se tivesse ido para o meio da muvuca. Nesses bloquinhos seria legal ter uma ala específica para pessoas com deficiência para ficarem ali com mais segurança, se a pessoa quiser."

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