• Gal Barradas
Atualizado em
Meninas vão à escola (Foto: Getty Images)

Meninas vão à escola (Foto: Getty Images)

Já fui muitas vezes aos Estados Unidos, já trabalhei com equipes de lá, mas nunca tinha convivido com uma família na sua vida cotidiana. Pois bem, acabei de chegar de lá, onde visitei meu sobrinho, sua mulher e minhas sobrinhas-netas. Eles moram numa cidade de porte médio há 1 ano e meio.

Não sou uma americanófila, não acho que tudo que é bom pros Estados Unidos seja bom para o Brasil, nem quero ser Embaixadora lá. Muito pelo contrário, sou brasilianófila. Mas, é inegável que o lado de lá tem muitas qualidades admiráveis e que uma terra não se torna esta potência sem colecionar um monte de coisas boas e sem unir o povo em torno delas. O que gostaria de destacar aqui é a Educação. Minhas sobrinhas-netas têm 10 e 6 anos, portanto estão no ensino fundamental. No dia que cheguei à casa deles, todas as maravilhas que me contavam estavam relacionadas à escola onde elas estudam.

Estão encantadas por se sentirem parte importante da escola, aprendendo desde cedo que o coletivo vale mais que o individual. Mas como assim? Os Estados Unidos não são a terra da liberdade, onde cada um é livre pra ser o que quer, pra fazer o que quer? Pra ser o que quer, sim. Pra fazer o que quer, não. O respeito ao coletivo é que faz com que possamos ser o que queremos porque cada um sabe respeitar o seu espaço e o espaço do outro. E as lições são muito, muito simples. Mas, infelizmente, distantes da nossa realidade aqui.

Aprende-se que valorizar a comunidade, a cidadania, é algo recompensador desde cedo. Alguns exemplos da simplicidade: minhas sobrinhas chegam todos os dias em casa com uma anotação de como foi o comportamento de cada uma naquele dia. Varia de “ruim” a “excelente��. E pode chegar a um “outstanding” (excepcional) de vez em quando, o que não é tão fácil. Um dia, minha sobrinha, menina de muitos “excelentes”, chegou exultante com um "outstanding". A avaliação se deveu ao fato dela ter ajudado uma colega em dificuldades por pura e espontânea vontade. Ela, por sua vez, como estrangeira, precisou de apoio dos colegas na chegada. Todos sabiam que tinham que recebê-la bem, o que ocorreu, e foram bem avaliados por isso.

Nos finais de semana, os meninos mais velhos ajudam a escola, por exemplo, a organizar o estacionamento dos carros para os jogos de beisebol. Quem quiser, pode ir ajudar. E um dia elas quiseram. O que ganharam com isso? Satisfação. De ajudar, de ser útil para a comunidade. Não só os alunos ajudam. Na hora da refeição, quem estava limpando as mesas era o professor de educação física. Aqui no Brasil, seguramente estariam esperando os empregados das escola fazerem qualquer um dos serviços, não é verdade? Nas avenidas, os carros param automaticamente quando avistam um ônibus escolar que precisa descarregar e atravessar as crianças que transporta. Elas precisam estar seguras. São o futuro.

Este é o mesmo pensamento que existe no Japão, por exemplo. As crianças são consideradas seres especiais, porque são o futuro da nação e todos se sentem obrigados a ter cuidado com elas, a protegê-las, mesmo quando se trata de uma desconhecida. Quando li isso num artigo japonês pela primeira vez, imediatamente me veio à cabeça o trágico cenário de milhões das nossas crianças, pedintes de rua, com escolas aos pedaços, sem professores, vítimas de estupro, recrutadas para o tráfico em centenas de cidades. Cerca de 60 milhões de brasileiros são crianças e adolescentes. Destes, 25 milhões não têm acesso a pelo menos um dos seis direitos fundamentais: educação, informação, água, saneamento, moradia e proteção contra o trabalho infantil.

A minha sobrinha de 10 anos já está lamentando o dia em que terão que voltar ao Brasil. E não é por causa dos parques da Flórida, onde eles foram em vários finais de semana. É por causa da escola. Ela sente que construiu algo lá: sente que tem laços, que construiu coisas, que contribuiu para a sua comunidade, sente-se parte de um time. Fiquei tão curiosa que, depois de ouvir todas as histórias, fui até a escola conhecê-la. Encontrei um lugar “normal”. É uma prédio como esses que vemos nos seriados. O que prova que a alma é o que há de mais importante.

Construindo para a coletividade, você está construindo para você, para seu bem-estar, sua segurança e seu progresso. É esta a grande preocupação que sempre tive com o Brasil e que continuo tendo. A falta de Educação que presenciamos no ambiente de trabalho advém inequivocamente de escolas precárias em todos os níveis, de uma cultura de individualismo e de curto prazo. Ora, não se reconstrói nada consistente no curto prazo. Cultura é coisa séria e profunda e precisa de tempo, consistência e perseverança para se tornar verdade. Não podemos falar aqui sobre as escolas particulares no Brasil, pois pouquíssimas famílias têm dinheiro para pagar um bom punhado de reais de mensalidade. E, mesmo assim, não são todas que conseguem semear com sucesso o valor da diversidade e da coletividade.

O brasileiro, infelizmente, é cultivado no individualismo e não compreende a contundência do valor de uma boa educação. Sonho e trabalho pelo dia em que mais brasileiros almejem, lutem, briguem por uma Educação de qualidade, e transmitam esse senso de comunidade aos seus descendentes; sonho com um Governo que tenha um protocolo de emergência em relação à Educação e que os Governos seguintes tenham a Educação como política de Estado; sonho com o dia em que a Escola fundamental será a conquista mais importante da vida destas pessoas e que as famílias compreendam e ajudem nesta importante missão de educar para o bem de todos e deles mesmos.

Amanhã, pessoas estarão sentadas ao seu lado no mercado de trabalho. Com que tipo de gente você prefere conviver? Com que tipo de gente você quer que seus filhos e filhas convivam? Para que a resposta seja satisfatória, todos os brasileiros deveriam ter por prioridade máxima exigir Educação de qualidade para as próximas gerações, pois Educação é o início da solução para todos os outros problemas.