Retratos

Por Redação Marie Claire


Mulher Yanomami em frente ao hospital de campanha em Boa Vista, Roraima (a imagem acima não retrata nenhuma pessoa citada na reportagem) — Foto: MICHAEL DANTAS/AFP via Getty Images
Mulher Yanomami em frente ao hospital de campanha em Boa Vista, Roraima (a imagem acima não retrata nenhuma pessoa citada na reportagem) — Foto: MICHAEL DANTAS/AFP via Getty Images

A professora Maria Edna de Brito, 73 anos, missionária da Pastoral Indigenista da Diocese de Roraima, não dormiu de quinta-feira (26) para sexta. Passou a noite escrevendo um relatório a ser entregue para a Funai com informações levantadas por ela sobre o parentesco de nove crianças yanomami, encontradas numa estrada, na entrada da Terra Yanomami, em Roraima.

“As crianças estavam tão magrinhas, com os ossinhos de fora, sendo cuidadas por um velhinho yanomami que nos avisou da situação. Agora que já descobrimos quem são, a Funai pode levá-las de volta para suas famílias”, descreve Maria Edna, que trabalha com os yanomami há 34 anos e morou na terra indígena por 16.

“Por causa do avanço do garimpo, que destruiu o ambiente em que caçam, pescam e plantam, e o completo sucateamento dos serviços de saúde, os yanomami têm vindo cada vez mais para a cidade em busca de atendimento médico, benefícios sociais e até objetos que costumavam trocar com não indígenas, como linhas e anzóis", explica a professora.

O Ministério da Saúde decretou situação de emergência na saúde no local em janeiro deste ano, após ser revelada a morte de 570 crianças nos últimos quatro anos e outras centenas serem diagnosticadas com desnutrição, pneumonia e malária. Os números foram levantados pelo Sumaúma.

Boa parte dos yanomami em Boa Vista vem da região de Ajarani, a 380 km de Boa Vista, percorridos a pé, parando por vilas no caminho. Quando finalmente chegam à capital, ficam expostos a todo tipo de risco, como ataques de ódio, acidentes por atropelamento e uso abusivo de álcool.

Segundo a antropóloga Ana Maria Machado, essa população foi afetada pela construção da estrada Perimetral Norte, na época da ditadura civil-militar. "A obra provocou o rompimento brutal desses indígenas com o seu modo de estar no mundo, além de doenças infecciosas levadas pelos trabalhadores da estrada que mataram mais de 20% da população. Enfrentaram a continuidade da ocupação ilegal de seus territórios por 22 anos após a homologação da Terra Indígena Yanomami, e, atualmente, a invasão por garimpeiros ilegais", explica.

O Ministério Público Federal chegou a criar um Grupo de Trabalho em setembro de 2021 para atender a esses yanomami. Os maiores problemas apontados pelos servidores foi a embriaguez de menores de 18 anos e a dificuldade de comunicação com os indígenas nas situações de atendimento. Segundo nota do MPF, o grupo "tem como objetivo a formulação de um plano de ação, com divisão de tarefas entre os órgãos de assistência social, fiscalização e fixação de procedimentos aos indígenas em situação de rua, principalmente para crianças e adolescentes".

Por falar a língua yanomami e conhecer muitos dos que chegam a Boa Vista ou seus familiares, Maria Edna tem ajudado na assistência e recondução dos indígenas - em particular, atende as mães que estão nos hospitais. “Elas não têm esse costume, não entendem o que é colocar um tubo na boca ou no nariz do paciente, e ficam assustadas. Os hospitais de Boa Vista estão lotados de mães com nenéns, sem ter noção dessas coisas”, relata a professora.

“Os funcionários não conseguem explicar nada para as mães, então muitas vezes são retiradas dos hospitais ou elas mesmas saem porque não entendem o que está acontecendo”, continua.

Maria Edna está trabalhando no caso de Benício, de 4 anos, que esteve internado no Hospital de Santo Antônio de Boa Vista por cinco meses. Segundo a professora, os pais, desacostumados e incomodados com os protocolos hospitalares, passaram todo o período à espera do filho acampados ao lado da Feira do Produtor - onde os yanomomi de Ajarani estendem suas redes quando vêm esporadicamente à cidade.

Maria Edna conseguiu localizá-los e levá-los para visitar Benício. Após três meses sem ver o filho, a mãe, Bonita, viu a criança com gastrostomia, procedimento médico em que um tubo é colocado no estômago.

“Expliquei na língua Yanomami o que aquilo significava. Ela fez menção de arrancar o tubo, segurei a mão dela, com delicadeza, explicando que o médico colocou para o filho se alimentar e ficar com saúde, para ir para a Maloca. A mãe olhava para a boca dele e tentava espichar o seio. Mas o berço era alto. Depois de algumas tentativas parou. Olhou para a janela e disse que ia pegar o filho e fugir. Fiquei quieta, olhando, e tornei a explicar de outra forma como Benício estava se recuperando, e assim que a médica dissesse ele voltaria para a comunidade. E que poderia visitar Benício sempre que ela quisesse. O pai ficou fora do hospital, não deixaram entrar, por mais que eu me fiz responsável. As atendentes diziam que ele estava bêbado. Falei que não. Não teve jeito. Quando Bonita saiu, o pai chorou muito. E ela chorou também no carro. Gritavam e queriam me bater. Contive também minhas lágrimas, sem saber o que fazer. E os deixei novamente nas árvores da Feira do Produtor”, descreve Maria Edna.

Os atropelamentos e o abuso de álcool são outro problema recorrente entre os yanomami que circulam por Boa Vista, alega Maria Edna. “As mulheres são as mais afetadas, as mais vulneráveis. E muitas estão com o filhinho, às vezes nem seguram na mão deles porque na floresta as crianças andam livres, correndo de um lado para o outro. Aqui na cidade, atravessam a rua como se não fosse nada”, relata.

A professora viu uma adolescente de 16 anos, embriagada, ser atingida por um carro. Houve também o caso de uma ex-aluna sua de 45 anos morta por atropelamento, em janeiro. “Tinha visto ela um dia bebendo na rua e falei para ela se cuidar, que voltaria no dia seguinte com café da manhã. No outro dia, morreu. A coisa mais triste”, lamenta a professora.

Outro episódio trágico foi o caso de Ana Yanomami, assassinada com dois tiros na cabeça em novembro de 2022. Mãe de um bebê de dois meses, estava ao lado da Feira do Produtor, onde os indígenas costumam ficar acampados. Os autores do crime ainda não foram encontrados, tampouco foi esclarecido o motivo do assassinato.

“A maioria dos indígenas que chegam à cidade já foram meus alunos. Então vejo a degradação, e dói muito porque não tem necessidade. Um povo com uma grande terra demarcada, homologada, havia posto de saúde funcionando, saúde preventiva, antes não precisavam vir para a cidade. Agora a cidade está muito movimentada com yanomami, uma coisa que nunca vimos”, destaca Maria Edna. “Precisam ser reconduzidos para a terra deles o quanto antes. Aqui eles correm risco de vida”, afirma.

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