‘O médico disse que minhas dores articulares e cansaço eram emocionais, mas na verdade descobri ter lúpus’

Mariana Cavanha, 31, explica que viver com a doença não é fácil, mas é preciso continuar porque ficar parada só tende a piorar o quadro. 'O lúpus não me define. Ele dificultou minha vida, mas não me inviabilizou', reflete a engenheira civil

Por , Em Colaboração para Marie Claire — São Paulo


Os familiares de Mariana Cavanha desconfiaram do diagnóstico correto após uma busca na internet Arquivo pessoal

A engenheira civil Mariana Cavanha, 31, tem lúpus eritematoso sistêmico (LES) desde os 17 anos. A descoberta do diagnóstico não foi fácil. Médicos pensavam que os sintomas apresentados pela paciente não passavam de stress devido ao vestibular. Mas a insistência em busca de respostas fez com que ela recebesse o laudo correto e, posteriormente, o tratamento adequado.

“No terceiro ano do ensino médico e no cursinho pré-vestibular, eu estava estudando muito e comecei a ter dores nas mãos. Fiquei usando munhequeira, porque achavam que era lesão por esforço repetitivo (LER), mas, na verdade, era início de artrite. Comecei a sentir cansaços extremos de ter que parar o que estava fazendo e deitar. Eu tinha febres intermitentes e os meus dedos começaram a ficar roxos e abrir feridas, principalmente no frio”, lembra ela, de Curitiba, no Paraná.

Cavanha decidiu procurar por ajuda médica, mas a resposta que recebeu do clínico geral foi distante do diagnóstico final. “Ele falou que era stress por causa do vestibular, que todos meus sintomas podiam ser emocionais”, relata.

A engenheira civil foi medicada com antidepressivo, o que fez mais mal do que bem a ela uma vez que seu quadro não era de depressão.

A família da estudante começou a se preocupar mais com a perda de peso significativa que Cavanha passou a apresentar, sem motivo aparente. Ao pesquisarem na internet o que poderia ser, suspeitou-se que a Cavanha estivesse com lúpus, principalmente pela erupção cutânea em formato de asa de borboleta que apresentava no rosto.

A jovem encontrou um reumatologista de confiança e fechou o diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico. “Quando eu recebi a notícia, com 17 anos, eu pensava que iria fazer um tratamento por 15 a 20 dias, igual quando você tem um resfriado, e depois pararia. Foi o que eu fiz com o imunossupressor e corticoide”, relata.

Só que a suspensão abrupta dos fármacos, que estavam sendo usados em altas doses, fez com que a engenheira civil passasse mal. “Eu não tinha entendido que teria que tomá-los para sempre. Fui parar no hospital por conta dessa parada brusca e aí, depois disso, entendi que é uma doença crônica”, reflete.

Cavanha em uma das internações — Foto: Arquivo pessoal

Aceitar o diagnóstico de lúpus não foi um processo fácil para Cavanha, bem como não é para a maioria dos pacientes com a condição. Ela explica que as medicações usadas para controlar a doença, em especial o corticoide, fez com que seu corpo mudasse quase que completamente.

“Vi meu humor mudar muito, espinhas aparecerem, sentia uma fome enorme, engordei, inchei e tinha muitas dores. Era a época que eu estava entrando na faculdade, que as pessoas me convidavam para sair e eu não tinha disposição ou vontade de ir”, lembra.

Os altos e baixos do lúpus não são fáceis, mas Cavanha se apegou aos estudos e assim seguiu firmemente pelos anos seguintes da descoberta da condição. No entanto, em 2016 e nos dois posteriores, ela enfrentou grandes desafios.

Tive inúmeras internações, fiquei quase sem andar e sentia dificuldade de fazer tarefas do dia a dia. Cheguei a ter tratamento especial na faculdade porque eu não conseguia ir para as aulas. Emagreci muito
— Mariana Cavanha, engenheira civil

A estudante teve um quadro de nefrite lúpica associada a pericardite e pleurite. A nefrite lúpica é uma das complicações mais graves do lúpus, caracterizada pela inflamação dos rins e pode acometer até 50% dos pacientes. Cavanha foi diagnosticada com o quadro em 2014 e o tem de forma crônica.

Cavanha ficou com o rosto inchado por tomar corticoide — Foto: Arquivo pessoal

Foi nesse momento que a engenheira civil precisou passar por uma série de tratamentos até chegar ao atual. Ela foi submetida a imunossupressores, corticoides e até mesmo a quimioterapia. Atualmente, seu tratamento consiste em imunossupressores e imunoreguladores.

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“O lúpus não me define. Ele dificultou minha vida, mas não me inviabilizou. Hoje, tem dias bons e ruins. Nos dias ruins, é um esforço grande. Preciso de ajuda por causa da artrite e do cansaço extremo. Mas é preciso levantar. Quanto mais ficamos parados, pior fica. Reagir é necessário”, reflete.

Lúpus: o que é, sintomas, diagnóstico e tratamentos

O lúpus é uma doença inflamatória crônica autoimune, sem uma causa específica. “O sistema imunológico, que protege o corpo contra infecções, começa a atacar a si próprio. É como se o sistema de defesa se confundisse e causasse inflamações e danos em diversas partes do organismo, incluindo pele, articulações, rins, vasos sanguíneos, nervos, coração, pulmões e células do sangue”, explica a reumatologista Nafice Costa Araújo, responsável pela enfermaria e ambulatório de Doenças Difusas do Tecido Conectivo do Serviço de Reumatologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, com ênfase em lúpus eritematoso sistêmico, esclerose sistêmica e miopatias inflamatórias imunomediadas.

O lúpus acomete principalmente mulheres entre 15 e 45 anos. Estima-se que a cada dez pacientes, nove são do sexo feminino. Mas isso não significa que a condição não possa aparecer em crianças, homens e idosos.

Os sintomas do LES podem variar de um paciente para outro, mas os mais comuns são:
- Fadiga;
- Emagrecimento;
- Dor e inchaço nas articulações;
- Febre sem causa aparente;
- Erupções cutâneas, especialmente na face, em forma de “asa de borboleta”;
- Sensibilidade ao sol;
- Dificuldades respiratórias;
- Perda de cabelo;
- Problemas de memória e confusão;
- Inflamação nos rins (nefrite lúpica), que pode evoluir para insuficiência renal crônica.

O diagnóstico do lúpus não é fácil, uma vez que seus sintomas podem ser confundidos com outras doenças mais rotineiras.

“Normalmente, o médico começará com uma análise detalhada do histórico médico e um exame físico completo. Testes de laboratório, como exames de sangue e urina, são fundamentais. Entre os exames mais comuns estão o teste de anticorpos antinucleares (ANA), que é positivo na maioria das pessoas com lúpus. Outros testes específicos devem ser realizados para confirmar o diagnóstico e avaliar o impacto da doença em diferentes órgãos”, explica Araújo.

O lúpus não tem cura, mas há tratamentos disponíveis que auxiliam a minimizar os sintomas e a progressão da doença. Os principais são anti-inflamatórios não esteroides, antimaláricos, corticoides, imunossupressores e imunobiológicos.

“O acesso aos tratamentos mais modernos no Brasil, como os medicamentos biológicos, ainda é uma preocupação constante, uma vez que eles não estão ainda disponíveis na rede pública de saúde (SUS) ou têm cobertura das operadoras de saúde", diz a reumatologista.

Segundo a médica, essa classe medicamentosa são as que têm os melhores resultados no controle do comprometimento renal e permitem a redução ou suspensão dos corticosteroides, diminuindo diversos efeitos colaterais indesejáveis, como aumento de peso, risco de infecções, osteoporose e aumento da pressão arterial.

Araújo explica que a Consulta Pública nº 132 - UAT 120 foi aberta pela ANS a fim de colher opiniões de pacientes, familiares e profissionais de saúde sobre a incorporação de uma opção de tratamento para a nefrite lúpica na lista de cobertura obrigatória dos planos de saúde, já que as complicações dos rins são as mais graves em relação ao lúpus.

A reumatologista explica que pacientes e médicos podem divergir sobre as prioridades de tratamento do lúpus: "Às vezes, nós, médicos, estamos muito preocupados com o exame da função renal e a perda de proteína, enquanto o paciente, por outro lado, também se preocupa com o cansaço ou uma nova lesão de pele que apareceu. Apesar de menos graves, [esses sinais e sintomas] causam muito impacto na qualidade de vida".

Uma maneira de contornar esse desafio, segundo a médica, é ouvir cada vez mais o paciente e suas demandas, além de compartilhar decisões e trazê-lo para o centro do tratamento.

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