Exposição da brasileira Tadáskía chega ao MoMA em Nova York: 'Jamais imaginei que esse sonho aconteceria'

O Museum of Modern Art, em Nova York, exibe obras da artista plástica Tadáskía a partir desta sexta-feira (24). Em entrevista a Marie Claire, ela fala sobre a conquista — que marca sua primeira exposição solo nos EUA —, dá detalhes de sua obra principal 'Ave Preta Mística' e do processo de criação de seus desenhos e esculturas, além de compartilhar a relação de sua vida com a arte

Por , redação Marie Claire — São Paulo (SP)


Museum of Modern Art, em Nova York, expõe trabalho da artista brasileira Tadáskía — Foto: Gilson Plano

Entre 24 de maio e 14 de outubro, o Museum of Modern Art (MoMA), em Nova York, exibe a exposição Projects: Tadáskía, da artista plástica brasileira Tadáskía. A coleção reúne os trabalhos da criadora que abarcam desde seus desenhos e esculturas até seu livro e obra principal Ave Preta Mística, lançado em 2022. “Estar no MoMA é a realização de um sonho. Jamais imaginei que esse sonho aconteceria nesse momento da minha carreira. Tenho a sensação de realmente estar voando de um contexto familiar para outro completamente estrangeiro.”

Projects: Tadáskía marca a primeira exposição solo nos Estados Unidos da carreira da artista. A carioca, de 30 anos, é formada em licenciatura em Artes Visuais pela UERJ e possui mestrado em Educação pela UFRJ. Ela conta que começou seus primeiros contatos com a arte durante a escola pública e através da igreja evangélica. “Trabalhei não apenas como educadora, mas também enquanto pesquisadora de educação. A arte me acompanha desde muito tempo, mas a partir dos 18 anos percebi que era uma artista.”

"Sempre estive envolvida em projetos comunitários voltados para a aproximação entre arte e educação."

Chegar aos Estados Unidos representa não só uma conquista de sua carreira, mas ainda uma novidade em sua vida pessoal. “É a primeira vez que venho aos EUA. Desde os 17 anos tento falar inglês. Antigamente eu era tímida e não conseguia, agora, com as movimentações e encontros cotidianos acontecendo, não tenho como fugir do ato de me comunicar”, conta a artista que retrata, entre os diferentes assuntos de suas produções, temas relacionados à diáspora africana.

Ave Preta Mística

Talento que se destacou na 35ª Bienal de São Paulo ao apresentar as páginas de seu livro Ave Preta Mística (2022) junto da memorável parede de desenhos na obra Brincando Animada, ela explica que para o MoMA traz parte desse trabalho e novidades vindas da experiência nos Estados Unidos. “Apresento um desenho em grande escala com carvão e pastel seco, esculturas feitas com plantas encontradas em Nova York e, também, meu primeiro livro de páginas soltas, Ave Preta Mística. É um livro com título e textos bilíngues, todo escrito à mão, com desenhos feitos a lápis, lápis de cor, pastel oleoso e spray sobre papel.”

“Digo que a Ave Preta Mística é uma amiga de Sankofa”, fala Tadáskía sobre a relação que vê entre sua obra principal, que está no MoMA, com o ideograma africano. “No livro não sabemos com total precisão de onde a ave preta mística vem, tampouco para onde ela vai. Sabemos, por outro lado, que ela voa desde a condição humana à condição mais divina, fazendo um convite para uma libertação não apenas individual como também coletiva. Acredito que a relação que ela estabelece com Sankofa seja tal qual as das crianças que brincam de telepatia uma com as outras, ou mesmo aquelas crianças que inventam um amigo imaginário e, depois que crescem, sabem muito bem que pode ter acontecido um encontro lindo, um tanto místico, completamente fora do conhecimento reconhecido do mundo.”

Ave Preta Mística (2022), de Tadáskía — Foto: Bruno Leão

“Ao mesmo tempo em que sei que meu trabalho não sou eu, meu trabalho tem uma afinidade com a minha história."

Algo característico de seu trabalho é o dinamismo no uso de materiais e das técnicas, como o bambu, tecido e palha, e desenho abstrato, fotografia e construção de esculturas, respectivamente. “Por vezes eu encontro os materiais ao acaso. A palha da taboa eu comecei a brincar depois de encontrá-la em um grande descarte feito por um museu que eu trabalhava, isso em 2017. Outra situação foi quando tinha 18 anos e percebi a grande quantidade de ovos de galinha que minha família comprava, logo depois jogava no lixo. Através de um insight, lá estava eu costurando com linha e agulha, fazendo desenhos sobre as cascas com linhas pretas, douradas, vermelhas”.

Sua criatividade e autenticidade a levaram para exposições como o 37º Panorama da Arte Brasileira e para coleções no Instituto Inhotim, em Minas Gerais, Museu de Arte do Rio, no Rio de Janeiro e no Instituto Cultural Çarê, em São Paulo.

Instalação de Tadáskía na 35ª Bienal de São Paulo — Foto: Eduardo Ortega

Audre Lorde e esperanças na arte

Entre as inspirações de Tadáskía para Ave Preta Mística está a escritora e referência na luta feminista Audre Lorde. “Ela me inspira bastante ao ter criado seus títulos The Black Unicorn e Sister Outsider. São as asas de uma unicórnia negra que me dão essa sensação animal de liberdade e são as irmãs de fora, as quais eu não conheço pessoalmente, que me inspiram a viver e a imaginar. Um sentimento de estar aqui nesse mundo e ao mesmo tempo vivendo uma realidade paralela, com a qual atravesso a violência racial, econômica e de gênero para assim imaginar algum alívio entre uma coisa e outra”.

Äline Besourö, Ana Claudia Almeida, Sabine Passareli, Gilson Plano, Jota Mombaça, Ventura Profana, Castiel Vitorino Brasileiro, Anarca Filmes, Linn da Quebrada e Liniker também fazem parte da lista de peso das inspirações artísticas de Tadáskía.

Para ela, a arte está intimamente ligada a seus sentimentos e forma de se relacionar com o mundo. "Às vezes desenho de olhos fechados. Tenho desejo de sentir como a linha vai e volta através do contato do lápis no papel. Com os olhos fechados, consigo acompanhar a linha surgindo de outra maneira, de um ponto semi-cego. Antes eu tinha um ritual de fazer meu trabalho só quando eu estivesse no melhor dos meus dias. Hoje em dia, faço desenho até quando estou triste. Já desenhei chorando, sentindo um vazio e outras vezes desenho totalmente agradecida, sorrindo, dedicando o que faço ao meu amor desconhecido. Toda emoção tem seu lado humano e divino, é só deixá-la passar."

Em relação a como vê o cenário de produção e consumo de arte, ela reforça a necessidade de olhar com positividade as transformações em curso. "Preciso acreditar que existe uma mudança acontecendo às margens da calamidade conhecida. Tenho acreditado na múltipla movimentação negra, trans, indígena, de mulheres, pessoas e entidades que se reúnem para transformar este mundo humano, apesar deste mundo."

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