Cultura

Por Manuela Azenha

A primeira das “coreografias do impossível” – conceito que dá nome à 35ª Bienal de São Paulo – foi a própria configuração curatorial do maior evento de arte contemporânea das Américas. Pela primeira vez, não há a figura centralizadora de um único curador-chefe, mas uma equipe de quatro pessoas, majoritariamente negra e metade formada por mulheres, tomando decisões de maneira horizontal. São eles a baiana Diane Lima, curadora independente, escritora e pesquisadora; seu conterrâneo Hélio Menezes, curador, antropólogo e pesquisador; a portuguesa Grada Kilomba, artista multidisciplinar, escritora e teórica; e o espanhol Manuel Borja-Villel, pesquisador e historiador da arte.

A edição não traz tema determinado nem quis delimitar recortes para selecionar os artistas, fossem geográficos, raciais, de classe ou de gênero. “Definições estão ancoradas em uma história colonial e patriarcal”, diz Grada Kilomba. “Olhamos para a interseccionalidade de muitos temas e como os artistas trabalham de forma complexa. É muito comum reduzir um tema a feminismo, colonialismo ou mudanças climáticas, mas nos interessa olhar para esses temas intercalados em uma mesma obra. Temos que exercitar o olhar com essa complexidade.”

Diane Lima observa que o conceito de “coreografia” pode ter definições variadas, como determinadas leis a serem seguidas, uma escrita a ser grafada e repetida ao longo do tempo, mas também uma “política do movimento que reflete a experiência de vida do cotidiano”.

“A base do projeto é olhar para cosmologias que fogem do lugar universal dos cânones da arte ocidental e pensamento moderno”, diz a curadora. “Queremos perceber como determinados artistas que vivem contextos impossíveis expressam isso pela arte e que impacto isso tem na linguagem. Como esses contextos desobedecem a língua? Criam novas formas de expressão? Como alteram as relações de composição, textura, ritmo?”, questiona.

“Nossa preocupação foi ir além das definições dadas a nós, aquelas que são esperadas de nós”, explica Kilomba. “Olhamos para a crise atual e questões urgentes como um momento não para afirmar o que já sabemos, mas questionar o que sabemos e de onde vem esse saber, intimamente ligado a questões de poder, silenciamento e violência. Tornou-se importante perguntar o que não sabemos e por que não."

Sobre a importância da participação feminina nesta edição, Diane destaca a relação de mão dupla entre o feminismo negro e as práticas artísticas, movimentos que têm se retroalimentado, sobretudo nos últimos anos no Brasil. “Se os movimentos sociais influenciam os modos de expressar cultura e de produzir arte, as práticas artísticas também influenciam esses movimentos políticos”, diz.

“É fundamental entender que as artistas estão fugindo do lugar categórico, largamente trabalhado pela mídia e pelo mercado, de que nós mulheres negras só podemos falar de negritude e relações de gênero. Trabalhamos muito na seleção de artistas olhando para o modo como os contextos impossíveis alimentam as linguagens artísticas – é isso o que nos interessa.”

Com 121 participantes – sendo 56 mulheres –, a exposição apresenta mais de mil obras de arte em diferentes mídias e de diversos territórios ao redor do mundo, que se espalham pelos 30 mil metros quadrados do Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera. Aberta em 6 setembro, a mostra é gratuita e vai até 10 de dezembro. Nas páginas a seguir, perfilamos algumas das artistas mulheres do evento.

Castiel Brasileiro — Foto: Flora Negri
Castiel Brasileiro — Foto: Flora Negri

Castiel Vitorino Brasileiro
Brasil

A arte sempre fez parte da vida de Castiel Vitorino Brasileiro. Nascida na comunidade da Fonte Grande, em Vitória, Espírito Santo, ela cresceu em meio às atividades da primeira escola de samba do estado, a Unidos da Piedade, com amigos e familiares envolvidos na criação de fantasias, músicas e coreografias. A experiência múltipla da quadra é trazida na diversidade de sua linguagem e se traduz em instalações, performances e músicas.

A obra Montando a História da Vida, construída ao longo de dez meses, é composta por matérias-primas como troncos de eucalipto, carvão e barro, dispostas sobre um tapete de terra. Ao longo da cena, esses elementos se transformam em uma construção de alvenaria semiacabada e em um barcode pesca. “A pergunta que faço é: que vida é essa que estou montando? Estou defendendo a vida como processo de metamorfose, mudança”, anuncia a artista de 27 anos, vencedora do Prêmio Pipa de 2021, famoso por selecionar artistas contemporâneos em ascensão.

Obra de Castiel — Foto: Levi Fanan/Fundação Bienal de São Paulo/Divulgação
Obra de Castiel — Foto: Levi Fanan/Fundação Bienal de São Paulo/Divulgação

“Processo de cura é o tema que levo para a vida toda. E entendo a construção do espaço físico como parte disso: a construção de uma casa, de um terreiro, o ato de levantar paredes”, explica Brasileiro, que também é mestre em psicologia clínica, área na qual se debruça sobre a mesma questão.

“Eu me preocupo com ambientes físicos nos quais conseguimos nos sentir seguros, como um ninho.”

Citra Sasmita — Foto: Flora Negri
Citra Sasmita — Foto: Flora Negri

Citra Sasmita
Indonésia

Citra Sasmita propõe uma nova cosmologia, livre do patriarcado. Artista de Bali, Indonésia, suas pinturas são fruto de pesquisa sobre a mitologia e os textos religiosos do país asiático. Com suas obras, ela quer derrubar a construção normativa de gênero e questionar a forma como a mulher é retratada historicamente.

Autodidata, Sasmita é formada em Literatura pela Universidade de Udayana, em Bali. O contato com a arte se aprofundou ao entrar para o grupo de teatro da universidade e também quando se tornou ilustradora de contos no jornal Bali Post.

Obra de Citra — Foto: : Levi Fanan/Fundação Bienal de São Paulo/Divulgação
Obra de Citra — Foto: : Levi Fanan/Fundação Bienal de São Paulo/Divulgação

A história retratada em suas pinturas é protagonizada por heroínas. Todas as figuras são femininas, uma “recodificação” de sua herança cultural. Tons de vermelho nas paredes da sala da Bienal e nas pinturas traduzem uma realidade construída sobre sangue, sacrifício, tragédia e fome.

A instalação circular da Bienal convida o espectador a entrar e ser envolvido pela obra e conduz o olhar a percorrer ativamente as pinturas. “Apesar das diferenças culturais, uso arquétipos com os quais pessoas de diferentes países se identificam. Elas associam os elementos à arte medieval, a figuras bíblicas, ao cristianismo e ao budismo”, diz.

Kassia Borges — Foto: Flora Negri
Kassia Borges — Foto: Flora Negri

Kassia Borges
Brasil

Um corredor de cura. É assim que Kassia Borges define o conjunto de 18 pinturas do MAHKU (Movimento dos Artistas Huni Kuin) exposto na Bienal. O coletivo foi fundado em 2013 pelo artista Ibã Huni Kuin para traduzir aos não indígenas os cantos sagrados da ayahuasca, bebida sagrada dos povos originários. Os participantes do grupo estão baseados entre o município de Jordão e a aldeia Chico Curumim, na Terra Indígena Kaxinawá do Rio Jordão, no Acre. Sob efeito do chá, Ibã canta e os artistas do coletivo pintam as mirações – experiências visuais provocadas pelo alucinógeno.

Obra de Kassia Borges — Foto: Levi Fanan/Fundação Bienal de São Paulo/Divulgação
Obra de Kassia Borges — Foto: Levi Fanan/Fundação Bienal de São Paulo/Divulgação

“Para essa Bienal, escolhemos pintar escutando cantos de cura. Quando passar pelas telas, você vai sentir uma coisa diferente. Estamos tentando curar esse espaço, a gente, o Brasil”, explica Borges, autora de seis quadros expostos. “O meu lado é o feminino do grupo. Miro em questões da mulher, da saúde feminina. Nos meus quadros você vai ver a mulher na água junto com os peixes, fazendo o rapé, tomando a bebida sagrada”, conta a artista, professora universitária de artes desde 1994 e curadora-adjunta de arte indígena do Masp.

O registro desses cantos é também uma volta à língua hãtxa kuin, que estava sendo perdida. “Houve uma época em que os Huni Kuin eram proibidos de falar a própria língua e de ter nomes indígenas, então essa também é uma forma de resgate cultural”, diz ela.

Leilah Weinraub — Foto: Flora Negri
Leilah Weinraub — Foto: Flora Negri

Leilah Weinraub
EUA

Sempre me senti como ralé da sociedade. É uma sensação da qual não consigo me livrar”, diz a cineasta norte-americana Leilah Weinraub sobre o que a move como artista. “Quero me divertir, colaborar com pessoas e fazer algo grande, pop, que atravesse o planeta e seja feito em grande escala.”

Mulher negra e lésbica, é autora do premiado documentário Shakedown, de 2018, em exposição na 35ª Bienal. O longa mostra o dia a dia do clube de strip-tease que dá nome à obra, operado e frequentado por lésbicas negras em Los Angeles. As dançarinas Jazmyn e Egypt, estrelas da casa, são as protagonistas. Desde a primeira vez que botou os pés no clube, Weinraub soube que aquilo viraria um filme: “Era muito à frente do tempo o que rolava ali, nunca vi nada igual desde então”.

Aprendeu a fazer documentários com pessoas do cinema verité [estilo realista e tecnicamente simples], focado no trabalho. Foi essa a abordagem usada no filme. “Conversei com as entrevistadas sobre o que fazem e como se sentem em relação a isso”, explica Weinraub.

“Também senti que era meu trabalho mostrar o sentimento das noites no clube, algo que pode ser descrito como utópico. Era um grupo de pessoas fazendo um momento acontecer.” Além de cineasta, ela também é cofundadora e CEO da marca de roupas Hood by Air, de streetwear. Weinraub conta que a experiência com o filme influenciou completamente o trabalho na marca: “Para mim era inegociável que fôssemos donos da empresa. Sabia que só teríamos controle autoral se tivéssemos autonomia financeira – uma narrativa que também era presente no Shakedown”.

Nontsikelelo Mutiti — Foto: Flora Negri
Nontsikelelo Mutiti — Foto: Flora Negri

Nontsikelelo Mutiti
Zimbábue

Até cursar o ensino médio, Nontsikelelo Mutiti não sabia o que significava ser artista. Ainda levou mais alguns anos até ouvir falar em algum artista de origem africana. Ao terminar o ensino médio, começou a frequentar a Galeria Delta, em Harare, capital do Zimbábue, e só então conheceu o trabalho de pintores, escultores e ceramistas do país, sob a orientação da renomada artista visual zimbabuana Helen Leiros.

“Além das aulas de artes que fiz no ensino médio com a professora Aurelia Zatta, tive uma formação incrível com a qual me estruturei como artista. Meu trabalho mudou muito quando fui aos Estados Unidos em 2019 estudar desenho gráfico na Yale School of Art”, conta.

Obra de Nontsikelelo Mutiti — Foto: Levi Fanan/Fundação Bienal de São Paulo/Divulgação
Obra de Nontsikelelo Mutiti — Foto: Levi Fanan/Fundação Bienal de São Paulo/Divulgação

A identidade gráfica de sua obra exposta na Bienal faz parte de uma pesquisa que Mutiti conduz há dez anos sobre o trançado do cabelo africano como linguagem visual. “Exploro esse tema de diversas formas: é uma tecnologia e é também uma forma de dar significado”, explica a artista visual e educadora.

“Na minha obra trabalho muito a repetição, a matemática e a sofisticação por trás de objetos de culturas africanas. E estou gostando de usar uma paleta de cores limitada para me comunicar com minha audiência”, conta. Atualmente, Mutiti é diretora dos estudos de pós-graduação em Design Gráfico na Yale School of Art, nos EUA.

Tadáskía — Foto: Flora Negri
Tadáskía — Foto: Flora Negri

Tadáskía
Brasil

A artista conversa com Marie Claire enquanto separa as páginas soltas de Ave Preta Mística Mystical Black Bird, livro bilíngue de sua autoria, prestes a serem pregadas nas paredes circulares da Bienal. “Gosto de desenhar a imagem de olhos abertos e fechados. Recentemente descobri que o significado de ‘místico’ é estar de olhos fechados, em busca de um mistério que não se revela completamente. Esse é um conceito que se relaciona com o meu trabalho.”

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Caverna, capela, quarto de criança – qualquer dessas referências serve para a artista carioca definir o espaço onde expõe seu trabalho. Das paredes e pilares ao teto, a sala que ocupa na Bienal é inteiramente coberta por sua obra Brincando Animada, feita com carvão e pastel seco.

Obra de Tadáskía — Foto: Levi Fanan/Fundação Bienal de São Paulo/Divulgação
Obra de Tadáskía — Foto: Levi Fanan/Fundação Bienal de São Paulo/Divulgação

No centro da sala estão três esculturas feitas de taboa, bambu e pedras semipreciosas. Em cada uma delas há um prato com diferentes materiais: cascas de ovos costurados com linha dourada, pó colorido e frutas. “É difícil explicar os porquês disso ou daquilo na minha obra. Sou levada muito mais pela emoção do que pela razão. Os materiais nos chamam e a gente os chama também”, diz.

As obras são feitas sem esboço, conta Tadáskía, que é formada em Artes Visuais pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e mestra em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): “Nunca tive ateliê, vivia numa casa compartilhada com familiares. Então tinha que fazer a obra na hora, ali no lugar da exposição. Isso foi me trazendo essa dança, esse jeito de brincar com a matéria”.

Trinh T. Min Ha — Foto: Flora Negri
Trinh T. Min Ha — Foto: Flora Negri

Trinh T. Min Ha
Vietnã

"Não pretendo falar sobre, mas falar perto”, diz a cineasta vietnamita Trinh T. Min Ha em seu primeiro filme, Reassemblage, de 1982, em cartaz na Bienal. Um clássico entre pesquisas feministas e decoloniais, o estudo visual mostra a vida de mulheres na área rural do Senegal, país onde viveu por três anos, enquanto deu aulas no Conservatório Nacional de Música.

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Min Ha subverte convenções tradicionalmente empregadas em documentários etnográficos. “Falar perto é reconhecer a lacuna que existe entre o eu e o outro. Percebi que as pessoas estavam apresentando sua própria cultura na linguagem de antropólogos, uma linguagem que trata as pessoas como objeto. Me recusei a falar dessa forma”, explica a artista. “Ao invés de olhar o outro, o filme inverte a perspectiva e mostra a si mesmo – os espectadores é que veem você.”

A vietnamita também expõe na Bienal os filmes Corpos do Deserto, de 2005, e O Deserto Está Assistindo, de 2003, obras que exploram a relação entre pintura corporal, fotografia e vídeo. “Formas da paisagem e figuras da anatomia humana ora se destacam, ora se assemelham”, descreve. A artista vive nos Estados Unidos, onde leciona cursos com enfoque em teoria feminista, teoria do cinema e políticas culturais na Universidade de Berkeley, na Califórnia. É ainda autora de mais de uma dezena de livros publicados que “situam-se entre a teoria e a poesia”.

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