Armas de fogo e a vitimização de mulheres

O aumento do uso de arma de fogo para o assassinato de mulheres em 16 estados do país não deixa dúvidas: as políticas de flexibilização de acesso às armas de fogo são catastróficas para as mulheres


Qual é o impacto da flexibilização de acesso às armas de fogo nos índices de violência contra mulheres e feminicídio — Foto: Ilustração: João Brito (gerada por meio de inteligência artificial)

Desde 2020 o Instituto Sou da Paz vem monitorando o impacto da violência praticada com arma de fogo contra as mulheres no nosso país, evidenciando o custo social e humano da violência armada para o Sistema Público de Saúde. A pesquisa “O papel da arma de fogo na violência contra a mulher” teve sua primeira edição publicada em 2021, a segunda em 2022 e agora, em 2024, o instituto acaba de publicar sua terceira edição, com a análise dos perfis de vítimas e contextos que envolvem a violência armada letal e não letal contra mulheres em todo o território nacional, a partir de dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) até 2022.

Segundo a pesquisa, em média 2,2 mil mulheres são assassinadas com armas de fogo por ano no Brasil, o que equivale a seis assassinatos por dia ou um a cada quatro horas. A arma de fogo foi o principal meio de execução de mortes violentas de mulheres no ano de 2022, presente em 50% dos casos, bem à frente daquelas em que houve emprego de objeto cortante ou penetrante (27%) ou uso de força física (espancamento ou estrangulamento).

As mulheres adultas e jovens de 20 a 39 anos estão entre o grupo majoritário de vítimas, representando 60% das mortes causadas por arma de fogo de 2022 e a cada dez mulheres assassinadas por arma de fogo no Brasil; quase sete são negras.

Apesar de a pesquisa não distinguir, dentre os dados de mortes violentas de mulheres, aqueles classificados como feminicídios, ou seja, assassinatos de mulheres no contexto de violência doméstica, discriminação ou menosprezo contra a mulher, elementos como local do crime e relação do autor com a vítima dão indicativos da porcentagem aproximada de mortes de mulheres no âmbito das relações de gênero.

Nesse ponto, 27% das agressões com arma de fogo que resultaram na morte de mulheres em 2022 ocorreram em residências, recorde histórico de violência armada dentro de casa em relação aos outros anos. Dentro do universo de autores de agressão armada contra mulheres, letal ou não letal, 43% são pessoas que têm proximidade com a vítima, sejam parceiros, amigos, conhecidos ou familiares, com destaque para parceiros íntimos (28%).

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“Há gênero na política de armas, em quem ambiciona sua posse e em quem utiliza para matar”, já disse a antropóloga Débora Diniz. O aumento do uso de arma de fogo para o assassinato de mulheres em 16 estados do país não deixa dúvidas: as políticas de flexibilização de acesso às armas de fogo são catastróficas para as mulheres.

A pesquisa ao mesmo tempo que identifica o crescimento significativo dos assassinatos de mulheres por armas de fogo mostra que, no período de 2018 a 2022, os registros de armas para colecionadores aumentaram em 260%, totalizando arsenal superior a 1,2 milhão de armas; tendo crescido também em 184% os registros de armas para defesa pessoal, resultando em mais 1 milhão de armas de fogo no país.

A mudança desse quadro depende do cumprimento irrestrito à Lei 13.880/19, que prevê a apreensão da arma de fogo sob a posse de autores de violência doméstica e, principalmente, da retomada urgente de uma política responsável de controle da circulação de armas de fogo no país, pautada na perspectiva de gênero.

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