Silvia Chakian


O tratamento dado para a maternidade no Sistema de Justiça — Foto: Ilustração de Mayra Martins gerada por meio de inteligência artificial
O tratamento dado para a maternidade no Sistema de Justiça — Foto: Ilustração de Mayra Martins gerada por meio de inteligência artificial

A chegada do mês em que celebramos o “dia das mães” tem me trazido à reflexão situações em que a maternidade se faz presente no Sistema de Justiça, permeando conflitos, disputas, reinvindicação de direitos, julgamentos e até cumprimento de pena.

De um lado, a luta das mulheres que depositam no Sistema de Justiça a última esperança de realização do sonho da maternidade, ainda que isso represente uma espera nas filas dos cadastros de adoção. Paradoxalmente, perante essa mesma Vara da Infância, outras tantas deixam de ser mães, seja por vontade própria; seja por via de destituição, consequência para atos de negligência ou maus-tratos; ou mesmo, quando fatores socioeconômicos as impede de condições mínimas de subsistência própria e dos filhos.

Não são poucos os casos em que mães precisam recorrer às Varas de Família para verem garantido o direito dos filhos à pensão alimentícia e à convivência familiar, especialmente num país como o nosso, com proporções assustadoras de abandono paterno. Segundo a Fundação Getulio Vargas, 11 milhões de mulheres no Brasil criam seus filhos sozinhas e, em 2022, 164 mil crianças foram abandonadas pelo genitor ainda no útero materno.

Contraditoriamente, é perante a justiça especializada da família que tramitam processos judiciais com disputas virulentas sobre a guarda de filhos, nos quais mães enfrentam acusações pautadas em expectativas irreais de comportamento materno, alienação parental e outras formas de assédio judicial.

É difícil conhecer uma mãe de filho com deficiência nesse país que não tenha precisado recorrer à Justiça para exigência de cumprimento dos deveres mais básicos do Estado, como, a educação inclusiva. Para algumas mulheres em situação de violência doméstica, a maternidade pode ser a principal motivação para quebrar com o silêncio e buscar ajuda para segurança dos filhos.

Ao mesmo tempo, o cotidiano das Varas Especializadas de Violência Doméstica também revela que, para outras tantas, o fato de ter filhos com o agressor constitui o principal obstáculo para o rompimento da relação abusiva. Aliás, o período da gestação e o puerpério constituem, para a mulher, segundo o próprio Formulário Nacional de Avaliação de Risco instituído pela Lei 14.149/21, fator técnico-científico que indica risco acentuado de novos atos de violência e feminicídio.

A maternidade ainda costuma estar presente nos Tribunais do Júri, palco de julgamentos dos crimes contra a vida. É perante esse cenário que mães se apresentam para clamar por justiça em razão de assassinato de seus filhos, majoritariamente negros, jovens e pobres, se levarmos em conta as estatísticas de mortes violentas no nosso país.

Ou de suas filhas, em geral vítimas da violência feminicida praticada pelos companheiros ou ex-parceiros, dentro da própria casa. São essas mães enlutadas, aliás, que acabam sendo apresentadas repentinamente a um outro tipo de maternidade, encarregadas da criação dos próprios netos, levados à condição de orfandade.

A mulher mãe e a mulher autora de crime ocupam pólos opostos no rol de estereótipos criados para as mulheres ao longo dos séculos. Enquanto a primeira atende a uma pretensa vocação natural, cumprindo o papel sacralizado da mulher, a outra revela desvio das expectativas sociais e morais do sexo feminino.

A maternidade no cárcere sempre impôs às mulheres violências reais e simbólicas, em regra decorrentes do déficit de políticas pensadas para o sexo feminino no sistema prisional; e aos filhos, invisibilidade, socialização em meio hostil, desenvolvimento em meio à segregação e exclusão social.

O mês de maio precisa deixar de ser pautado exclusivamente pela proliferação de campanhas e comerciais de TV, que estimulam o comércio e em nada contribuem para a realidade das mães no nosso país, para proporcionar debate público e reflexões sobre as complexidades que envolvem as múltiplas maternidades no nosso país, criando possibilidade de mudanças concretas, tanto no âmbito legislativo e demais políticas de estado.

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