Lúcia Monteiro

Por Lúcia Monteiro

Crítica, pesquisadora e professora de cinema da Universidade Federal Fluminense

Nos últimos anos, filmes, livros e mostras têm sido dedicados a tirar das sombras trajetórias de mulheres importantes que, pelo simples fato de terem nascido mulheres, não foram reconhecidas. Mas o amor pode ser o grande feito de uma mulher?

Priscilla, longa-metragem que Sofia Coppola dedica à garota que se apaixonou por Elvis Presley aos 14 anos, tem algo desse movimento: coloca em primeiro plano a trajetória de Priscilla Beaulieu, que conheceu “O Rei” em 1959, numa base do Exército dos EUA na Alemanha. O filme, que chega agora às telas, narra a improvável história de amor que viveram. Os dois tinham dez anos de diferença; ele era um astro consagrado; já ela, uma adolescente que vivia com os pais e sentia falta de seu Texas natal.

Protagonizada por Cailee Spaeny, a Priscilla de Coppola se destaca menos pela personalidade forte ou brilho próprio do que por sua impressionante capacidade de amar – e de se adaptar. Ela chega menor de idade a Graceland, a lendária mansão do cantor em Memphis, e rapidamente incorpora os códigos de estilo e comportamento das celebridades. Luxo e presentes caros entram em sua vida, junto à solidão das intermináveis turnês que mantinham Elvis longe.

Coppola, hábil em filmar personagens melancólicas (desde Virgin Suicides, de 1999) e ingênuas (como sua Maria Antonieta, de 2006), conjuga em Priscilla essas duas características. Para o espectador, chega a causar incômodo a maneira como ela suporta, por tanto tempo, a tristeza, a solidão e os destemperos do marido. Sua ingenuidade se transforma em resignação e não em raiva. O filme se baseia no livro Elvis and Me, escrito pela própria Beaulieu, também produtora executiva do longa.

Assim, não é spoiler dizer que a narrativa se conclui com a separação do casal, em 1972, pouco depois do nascimento da filha, Lisa Marie Presley – e de inúmeros affairs do astro virem a público (em entrevistas, Priscilla já disse que não foram as traições do marido que motivaram o divórcio, e sim o fim da paixão). Quando, para nosso alívio, a protagonista finalmente dirige sozinha para fora da mansão, o balanço não deixa de ser uma declaração de amor por Elvis, um amor que tem tanto de anacronismo quanto de devoção.

O cineasta Nelson Pereira dos Santos — Foto: Divulgação
O cineasta Nelson Pereira dos Santos — Foto: Divulgação

O documentário Nelson Pereira dos Santos – Vida de Cinema começou a ser gestado anos atrás e, com a morte do cineasta, em 2018, sua viúva, Ivelise Ferreira, levou adiante o projeto, ao lado de Aída Marques, grande parceira de trabalho de Nelson. Exibido em Cannes em maio, o filme chega agora ao Brasil. Como Priscilla, trata-se de uma declaração de amor na forma de filme. Amor pelo cinema e pela trajetória de um gigante.

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