História

Por Nathalie Provoste, com edição de Luiza Monteiro

Na noite de 30 de dezembro de 1943, num laboratório secreto em Los Alamos, no estado do Novo México (EUA), cientistas se reuniram para uma celebração: Niels Bohr, ganhador do Prêmio Nobel de Física em 1922, estava indo visitá-los. O dinamarquês chegou à festa, fez um cumprimento geral e prontamente se dirigiu ao líder científico do local, o físico estadunidense J. Robert Oppenheimer. “É realmente grande o bastante?”, Bohr quis saber, de cara. A pergunta, na verdade, poderia ser traduzida assim: a bomba atômica que vocês estão desenvolvendo é poderosa o suficiente para tornar guerras futuras inconcebíveis?

Esse momento retratado em Oppenheimer — filme do diretor Christopher Nolan sobre o físico norte-americano que estreou em julho e arrecadou mais de US$ 722 milhões em bilheteria em apenas um mês — aborda a expectativa que alguns cientistas tinham em relação às armas nucleares durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Para eles, no melhor dos cenários, as bombas de fissão não só acabariam com o conflito iniciado em 1939 como também poderiam mudar a geopolítica global para melhor. Por outro lado, elas representavam uma “ameaça perpétua para a segurança humana”, como o próprio Bohr profetizou em 1944.

De fato, o impacto das armas nucleares sobre a humanidade foi muito além do jogo político entre potências globais. Os ataques às cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, não só marcaram o início da Guerra Fria como inauguraram a Era Atômica, com consequências ecológicas, geopolíticas, culturais, tecnológicas, sanitárias e psicossociais sentidas até hoje.

Nuvem de cogumelo formada pela bomba atômica de Nagasaki, no Japão, em 9 de agosto de 1945. — Foto: Charles Levy/U.S. National Archives and Records Administration
Nuvem de cogumelo formada pela bomba atômica de Nagasaki, no Japão, em 9 de agosto de 1945. — Foto: Charles Levy/U.S. National Archives and Records Administration

A história dessas armas começou em 1938, quando a fissão de urânio foi descoberta por cientistas na Alemanha. No ano seguinte, Albert Einstein escreveu uma carta para o então presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, alertando sobre a possibilidade dos nazistas estarem desenvolvendo “bombas extremamente poderosas.”

Foi o suficiente para convencer os norte-americanos a financiarem pesquisas sobre armas atômicas a partir de 1940. Os Estados Unidos só declararam sua entrada na Segunda Guerra Mundial em dezembro de 1941, quando o Japão — que integrava o Eixo com a Alemanha e a Itália — atacou a base naval de Pearl Harbor, no Havaí. Menos de um ano depois, o Projeto Manhattan foi oficializado pelos EUA para desenvolver a bomba atômica.

Sentimentos conflitantes

J. Robert Oppenheimer foi “a escolha mais improvável” para comandar esse programa militar, na visão do historiador e jornalista Kai Bird. Junto ao também historiador Martin J. Sherwin, Bird escreveu a biografia Oppenheimer: Triunfo e Tragédia do Prometeu Americano, originalmente lançada em 2005 e que em julho ganhou sua primeira edição brasileira, pela editora Intrínseca.

Vencedora do renomado prêmio Pulitzer em 2006, a obra embasou o longa-metragem de Nolan lançado neste ano. “Ele não era um administrador. Era simplesmente um professor de física em Berkeley, onde gerenciava talvez uma dúzia de alunos de graduação”, continua Bird, em entrevista a GALILEU.

J. Robert Oppenheimer em 1946 — Foto: Ed Westcott
J. Robert Oppenheimer em 1946 — Foto: Ed Westcott

Um dos desafios enfrentados pelo cientista foram os sentimentos conflitantes de seus colaboradores no Projeto Manhattan. Por exemplo: enquanto Edward Teller estava mais interessado em desenvolver uma bomba de hidrogênio — que é ainda mais poderosa do que as armas usadas em 1945 —, Isidor Rabi se posicionava contra bombardeios desde 1931, quando viu imagens de militares japoneses atacando um subúrbio de Xangai, na China. Embora tenha atuado como consultor do Projeto Manhattan, Rabi se recusou a se mudar para Los Alamos.

Mas eles se uniam por uma motivação em comum: impedir que o ditador nazista Adolf Hitler usasse sua própria arma nuclear. “Havia um conceito de ‘precisamos construir uma não tanto para usá-la, mas em autodefesa’”, contextualiza a historiadora Cindy C. Kelly, fundadora e presidente da Atomic Heritage Foundation, organização sem fins lucrativos dos Estados Unidos dedicada a preservação e interpretação do Projeto Manhattan e da Era Atômica. Sem falar nas esperanças que Oppenheimer e outros participantes do Projeto Manhattan tinham de que sua arma fizesse líderes políticos repensarem mais guerras.

A Alemanha Nazista acabou se rendendo aos Aliados em 7 maio de 1945, o que fez vários cientistas de Los Alamos se questionarem sobre a utilidade da bomba atômica. No entanto, o governo norte-americano já tinha outra preocupação: o fortalecimento da União Soviética.

Parecia conveniente manter a superioridade atômica dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. Assim, mesmo com alertas de Oppenheimer e outros cientistas sobre uma corrida armamentista, os militares decidiram fazer o primeiro teste de uma bomba atômica da história. Conhecido como Experimento Trinity, o evento aconteceu no Novo México, em 16 de julho de 1945.

Em setembro de 1945, muitos participantes do Projeto Manhattan retornaram ao local do Experimento Trinity com jornalistas. Aqui, J. Robert Oppenheimer e o oficial Leslie Groves examinam os restos de uma das bases da torre de aço do teste — Foto: U.S. Army Corps of Engineers
Em setembro de 1945, muitos participantes do Projeto Manhattan retornaram ao local do Experimento Trinity com jornalistas. Aqui, J. Robert Oppenheimer e o oficial Leslie Groves examinam os restos de uma das bases da torre de aço do teste — Foto: U.S. Army Corps of Engineers

Com o poder destrutivo da arma comprovado, os Estados Unidos se uniram ao Reino Unido e à China para elaborar a Declaração de Potsdam, que exigia a rendição das forças armadas japonesas. Caso contrário, o Japão enfrentaria “destruição imediata e total”, alertava o ultimato. Isso sem revelar que os norte-americanos tinham bombas atômicas e já haviam estudado seus dois primeiros alvos.

(O vídeo acima restaura a gravação original do Experimento Trinity em julho de 1945. O material foi divulgado pelo grupo AtomCentral, que se dedica a preservar a história documentada dos testes com bombas atômicas entre 1945 e 1960.)

Tragédia sem precedentes

Quando uma bomba de fissão nuclear explode, emite uma luz capaz de cegar. Ela gera uma onda de choque e cria uma bola de fogo que pode chegar até 4 mil graus Celsius no hipocentro. Depois, quando a pressão nessa área cai, uma outra onda de choque ocorre em direção a ela, varrendo novamente o que estiver no caminho.

Em Hiroshima, quase tudo foi destruído ou ficou gravemente danificado até um raio de 4,8 km da explosão; mas outros danos foram além dessa distância, com estilhaços de vidro jogados até 19 km do hipocentro. “A onda de choque foi tão grande que arrancou casas e prédios com alicerce e tudo. Pessoas foram pulverizadas”, descreve o físico Marcelo Lapola, doutor em física pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e colunista da GALILEU. “E, depois da explosão, quem não morreu pelo calor ou pela onda de choque, morreu pela radiação liberada.”

Hiroshima, no Japão, após o ataque da bomba atômica em 1945, durante a Segunda Guerra Mundial — Foto: Education Images/Universal Images Group via Getty Images
Hiroshima, no Japão, após o ataque da bomba atômica em 1945, durante a Segunda Guerra Mundial — Foto: Education Images/Universal Images Group via Getty Images

A arma lança radiação de duas formas: em raios, que atravessam pessoas e construções, e em partículas, que podem ser ingeridas ou inaladas por humanos. “As ondas radioativas ficam mais próximas ao hipocentro e duram menos de um minuto, enquanto as partículas podem se dispersar muito com o vento e permanecer perigosas entre horas e milhões de anos depois, a depender da estrutura química específica da partícula”, explica o historiador Robert A. Jacobs, em seu livro Nuclear Bodies - The Global Hibakusha (2022), sem edição no Brasil.

O número exato de mortes causadas pelas bombas atômicas da Segunda Guerra Mundial é desconhecido. Estimativas da Atomic Heritage Foundation e das prefeituras das cidades japonesas atingidas apontam que, até o final de 1945, entre 90 mil e 160 mil pessoas morreram em Hiroshima, e cerca de 80 mil em Nagasaki. Mas os efeitos sobre a população se deram também de outras formas.

A psicóloga social Cristiane Izumi Nakagawa, doutora pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), estudou os sobreviventes desses ataques, que também são conhecidos pelo termo em japonês hibakushas. Ela foi a Hiroshima para ouvir e analisar os testemunhos dessas pessoas, e percebeu que não há um padrão na forma como elas seguiram a vida. Algumas se tornaram militantes contra o armamento atômico, por exemplo; já outras acabaram cometendo suicídio.

Um dos relatos que mais marcaram Nakagawa foi o de Shozo Kawamoto, que tinha 10 anos quando perdeu a família no bombardeio de 6 de agosto de 1945. “Ele passou 70 anos sozinho. Inclusive, escondia o fato de ser um hibakusha, porque se juntou ao Yakuza [famosa organização criminosa do Japão] para sobreviver”, conta a psicanalista. “Muitas crianças que sobreviveram, para não morrerem de fome, se juntaram à máfia.”

Segundo a especialista brasileira, vários sobreviventes também quiseram estudar o cenário histórico-político da Segunda Guerra Mundial enquanto tentavam processar a tragédia que haviam vivenciado. E a maior parte deles não fala de vingança ou retaliação. “Eles compreendem que tanto a vida dos norte-americanos quanto a dos japoneses eram ‘bucha de canhão’. Eram simples instrumentos para uma guerra imperialista entre Japão e Estados Unidos.”

Mulher removendo escombros nas ruínas de Hiroshima, no Japão, após ataque dos Estados Unidos em agosto de 1945 — Foto: Bettmann / Getty Images
Mulher removendo escombros nas ruínas de Hiroshima, no Japão, após ataque dos Estados Unidos em agosto de 1945 — Foto: Bettmann / Getty Images

Bomba para salvar vidas?

O Japão assinou sua rendição aos Aliados em 2 de setembro de 1945. A primeira reação dos norte-americanos com o fim da Segunda Guerra Mundial foi de “intenso, imenso alívio”, segundo Cindy C. Kelly. A população não tinha a dimensão humana das explosões das bombas atômicas; até porque o presidente Harry S. Truman não havia tocado nisso em seu pronunciamento sobre os ataques. Ademais, os efeitos da radiação não eram discutidos na imprensa naquela época.

Foi só em agosto de 1946 que esse “bem-estar” com as armas nucleares começou a mudar. Na época, a The New Yorker, uma das revistas mais influentes dos EUA, dedicou uma edição inteira à reportagem Hiroshima, na qual o jornalista John Hersey reunia os relatos de seis sobreviventes do ataque à cidade japonesa. “A partir dessas histórias, os americanos puderam entender a tragédia que tinha ocorrido em termos humanos. E começaram a duvidar das mensagens do governo, que eram tão higienizadas”, relata Kelly.

Truman tinha que convencer a população de que havia tomado uma boa decisão na guerra. Uma das principais estratégias para isso foi elaborar um artigo para a revista Harper’s Magazine em fevereiro de 1947. Assinado pelo secretário de guerra Henry L. Stimson, mas escrito pelo ghostwriter Mac Bundy, o texto dizia que as bombas atômicas haviam feito menos vítimas do que faria uma invasão dos norte-americanos ao Japão, o “plano B” para terminar a guerra no Pacífico. “Fui informado de que tais operações poderiam custar mais de um milhão de baixas, contando apenas as forças norte-americanas”, justificava o artigo.

O físico Norris Bradbury junto ao dispositivo do Experimento Trinity, que fez primeiro teste da bomba atômica — Foto: CORBIS/Corbis via Getty Images
O físico Norris Bradbury junto ao dispositivo do Experimento Trinity, que fez primeiro teste da bomba atômica — Foto: CORBIS/Corbis via Getty Images

Kai Bird entrevistou Bundy para um de seus livros, The Color of Truth (2000), e ouviu que esse argumento havia sido “tirado do ar”. “E, até hoje, muitos americanos acreditam que a bomba foi necessária e que salvou centenas de milhares de vidas, ou mesmo um milhão delas”, aponta o escritor.

Ao mesmo tempo que procurou controlar a narrativa sobre as bombas atômicas em seu território, o governo Truman impôs uma censura no Japão, que foi ocupado pelas tropas norte-americanas entre 1945 e 1952. “Havia pouquíssimas informações disponíveis sobre a situação em Hiroshima e Nagasaki”, conta Robert Jacobs, que é professor de História no Instituto da Paz da Universidade da Cidade de Hiroshima. “Os jornais não podiam publicar fotos, e todas as matérias tinham que ser aprovadas pelo Exército dos Estados Unidos.”

Guerra nuclear limitada

Cientistas também se manifestaram publicamente sobre as bombas atômicas. Em 1946, um grupo composto por Oppenheimer, Bohr e outros nomes famosos da época lançou o livro de ensaios Um Mundo ou Nenhum. Nele, compartilharam as informações — e preocupações — que tinham sobre o poder do átomo. Em seu artigo, Oppenheimer raciocina que produzir uma bomba atômica sairia mais barato do que esforços de guerra com materiais explosivos comuns; afinal, uma única arma nuclear equivale a dezenas de milhares de toneladas de TNT.

No entanto, ele também analisa que as explosões no Japão tiveram um impacto humano muito grande. “Parece que a aquisição consciente desses novos poderes de destruição exige a determinação igualmente consciente de que eles não devem ser usados e que todas as medidas necessárias sejam tomadas para garantir que não sejam usados”, escreve o físico.

Mas a largada para a corrida armamentista da Guerra Fria já fora dada. Os planos das bombas atômicas haviam sido vazados durante o Projeto Manhattan; portanto, era questão de tempo até que União Soviética e outras potências mundiais desenvolvessem suas próprias armas nucleares. Nesse contexto, quem tem mais poder é quem tem mais armas.

Disso, também veio o legado da dissuasão nuclear, a estratégia política que faz da posse de armas nucleares um instrumento de intimidação. “Hoje, elas não são só de uso militar; são de uso político, civil e militar”, constata o historiador Mario Marcello Neto, que em 2020 concluiu o doutorado em história pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com a tese O brilho de mil sóis: História, Memória e Esquecimento sobre a bomba atômica nos Estados Unidos e no Japão.

Novos instrumentos bélicos também foram criados, como os mísseis e a bomba de hidrogênio, que Edward Teller defendia aos seus colegas do Projeto Manhattan. Hoje, existem bombas de fusão poderosíssimas, capazes de fazer toda a matéria orgânica que elas atingem se tornar radioativa. “É triste falar disso, do uso de uma ciência tão maravilhosa que é a física nuclear para esse fim. E o mundo vive nesse equilíbrio tão instável”, lamenta o físico Marcelo Lapola, do ITA.

Detonação da bomba de hidrogênio Ivy Mike, dos Estados Unidos, em 31 de outubro de 1952. Primeiro teste de uma arma termonuclear, experimento foi feito no Atol Enewetak, no Oceano Pacífico — Foto: Governo Federal dos Estados Unidos
Detonação da bomba de hidrogênio Ivy Mike, dos Estados Unidos, em 31 de outubro de 1952. Primeiro teste de uma arma termonuclear, experimento foi feito no Atol Enewetak, no Oceano Pacífico — Foto: Governo Federal dos Estados Unidos

E engana-se quem pensa que nunca houve uma guerra nuclear, de fato. Embora grandes centros urbanos não tenham sido carbonizados por bombas atômicas durante a Guerra Fria, Estados Unidos e União Soviética comandaram o que Robert Jacobs define como uma “guerra nuclear limitada”. “Há muitos documentos mostrando que ambos os países entendiam nuvens de partículas radioativas como efeitos de armas. Formas de matar pessoas. Mas isso não os impediu de infligir essas nuvens a todos os tipos de população.”

Em Nuclear Bodies, o historiador relata que mais de 2 mil testes de armas nucleares foram feitos ao redor do mundo durante a Guerra Fria. Países como Estados Unidos, França e Reino Unido fizeram muitos desses experimentos longe de seus centros políticos — eles escolheram territórios coloniais ou pós-coloniais, como ilhas no Pacífico, para isso. A América do Sul e a Antártida são os únicos continentes onde essas explosões não ocorreram. “Dizermos que não foi uma guerra nuclear é um privilégio de localização. É porque não aconteceu conosco; nossas cidades não foram atacadas diretamente”, avalia Jacobs.

Partículas do Experimento Trinity, por exemplo, chegaram a ser encontradas num campo a quase 2 mil km de distância, segundo reportagem da revista Newsweek em novembro de 1945. Mas há quem defenda que, embora o governo norte-americano não tenha sido inocente no desenvolvimento das bombas atômicas, muitos médicos e cientistas dos anos 1940 ainda não entendiam bem a radiação. “Eles não sabiam o que era seguro para seus próprios trabalhadores. Então, como saberiam o que era seguro, em termos de partículas radioativas, para as pessoas que viveriam a 144 km de Trinity 50 anos depois?”, indaga Cindy C. Kelly. “Acho muito importante entender a história [do Projeto Manhattan] na dinâmica do que as pessoas sabiam na época; não julgá-las pelos padrões de hoje.”

Nas últimas décadas, porém, mais estudos investigaram os efeitos das partículas dos testes nucleares sobre populações ao redor do mundo. Um trabalho publicado em 2017 no periódico National Bureau of Economic Research, por exemplo, investigou a exposição radioativa de indivíduos em toda a Noruega entre os anos 1950 e 1960, e atestou que os locais contaminados poderiam ter impactado o desenvolvimento cognitivo de seus habitantes — incluindo fetos e os descendentes deles.

Uma revisão de 2006 na revista científica American Scientist também confirmou os riscos sanitários trazidos pelas nuvens radioativas, e estimou que os estadunidenses em territórios onde houve testes de armas nucleares eram mais suscetíveis a desenvolver câncer de tireoide e leucemia, principalmente. Mas isso não quer dizer que quem mora longe das áreas desses experimentos de guerra não tenha encarado nenhuma consequência das bombas atômicas.

Medos e esperanças

Uma tartaruga de gravata borboleta e chapéu surge sorridente na animação em preto e branco. “Digam-me em voz alta: o que vocês devem fazer quando virem o flash de luz?”, pergunta o personagem. Crianças respondem em uníssono: “Abaixar e se cobrir!”. O que parece cena de uma ficção distópica é, na verdade, o desfecho de Duck and Cover (1951), curta-metragem que a Defesa Civil dos Estados Unidos divulgou para crianças aprenderem a se proteger de possíveis ataques de bombas atômicas na Guerra Fria.

O temor nuclear deixou suas marcas em produções culturais pós-1945. Isso se deu de diferentes formas: retratando os traumas das bombas atômicas, apresentando-as apenas como artefatos científicos que não são um problema “nas mãos certas” ou, então, criticando o armamento nuclear. “Para mim, a bomba atômica é uma possível construção do fim das utopias. Quase como uma inauguração do pós-modernismo, de que ‘não, o mundo não vai ser melhor amanhã, vai ser um desastre; vai acabar tudo, vai ser uma hecatombe nuclear’”, analisa o historiador Mario Marcello Neto.

O filme japonês Godzilla (1954), por exemplo, retrata o terror da radioatividade: o próprio diretor, Ishirō Honda, admitiu que aplicou características das armas nucleares de Hiroshima e Nagasaki ao monstro. Há ecos também no mangá célebre Akira (1982). “É sobre um ser cujo poder ninguém conhece, e que ele mesmo não consegue controlar. É nitidamente a bomba atômica”, analisa Marcello Neto. E, ainda, em produções norte-americanas de super-heróis. “Um desenho do Superman que analisei tem essa ideia: ‘Não é um problema a arma nuclear, porque eu vou controlá-la’”, descreve o historiador brasileiro.

"Godzilla" (1954), do diretor Ishirō Honda — Foto: Divulgação
"Godzilla" (1954), do diretor Ishirō Honda — Foto: Divulgação

Mas, embora a Era Atômica tenha trazido o medo da aniquilação quase instantânea da humanidade, a fissão do átomo também deu esperanças à ciência. “Depois da Segunda Guerra Mundial, nasceu a teoria quântica de campos”, destaca Lapola. “Ela levou a mecânica quântica a outro nível para estudar as quatro forças fundamentais da natureza: gravitacional, eletromagnética, força nuclear fraca e força nuclear forte. Nesse sentido, houve um renascimento da ciência; mas pacífica.”

O processo químico descoberto em 1938 também possibilitou o desenvolvimento de tecnologias não bélicas, como equipamentos de raio-X ou o motor de foguete térmico nuclear que a Nasa vem testando para uma futura missão tripulada a Marte. “As pessoas costumam falar que as descobertas [durante a guerra] são como uma faca de dois gumes”, pondera Cindy C. Kelly.

Lembrar para não repetir

Em janeiro de 2023, o Boletim dos Cientistas Atômicos, grupo fundado por Albert Einstein e pesquisadores da Universidade de Chicago (EUA), divulgou uma atualização alarmante do Relógio do Juízo Final, símbolo criado em 1947 que estima quão próxima a humanidade está da destruição por armas nucleares. Atualmente, estamos a 90 segundos da meia-noite — o mais próximo que já estivemos de uma catástrofe global. O motivo disso, segundo o anúncio, é a invasão da Ucrânia pela Rússia, que “aumentou o risco de uso de armas nucleares, levantou o fantasma do uso de armas biológicas e químicas, prejudicou a resposta mundial às mudanças climáticas e dificultou os esforços internacionais para lidar com outras preocupações globais.”

Para Kai Bird, esse contexto torna as lições na trajetória de J. Robert Oppenheimer ainda mais importantes hoje. “Oppenheimer alertou que essas não eram armas militares, mas armas de terror. Estava tentando impedir que nos envolvêssemos em uma corrida armamentista”, pontua. “É claro que os políticos em Washington e em outros lugares não o ouviram. Então aqui estamos nós, vivendo na Era Atômica e ainda sob a ameaça dessas armas.”

Mas, com o fim da Guerra Fria e o surgimento de outros temores pela humanidade, o medo de uma guerra nuclear passou a ser encarado como algo cada vez mais anacrônico. “Parece que a distensão do mundo entre capitalismo e socialismo tirou um pouco da pauta o medo de aniquilação nuclear”, avalia Marcello Neto.

A dimensão e o impacto das bombas atômicas aparentemente foram sido atenuados até mesmo para as gerações mais recentes do Japão. S. Moritomi, um dos hibakushas entrevistados pela psicanalista Cristiane Nakagawa, se deu conta disso num dia em que estava descansando num parque de Hiroshima e ouviu alguns jovens discutirem uma informação completamente errada sobre o ataque de 1945. Isso o deixou espantado. Como esse horror poderia ser tratado com tanto distanciamento, ou mesmo indiferença?

Preocupado, Moritomi se aproximou do grupo e começou a relatar sua vivência. Segundo a especialista brasileira, o episódio o fez perceber que, mais do que nunca, era importante que histórias como a dele fossem transmitidas e preservadas na memória coletiva. “Ele falou: ‘Se eles não aprenderem o que aconteceu, isso vai se repetir’.”

Mais recente Próxima A história do burrinho condecorado por sua atuação na 1ª Guerra Mundial
Mais de Galileu

Cientistas observaram região acima da Grande Mancha Vermelha com o telescópio James Webb, revelando arcos escuros e pontos brilhantes na atmosfera superior do planeta

Formas estranhas e brilhantes na atmosfera de Júpiter surpreendem astrônomos

Yoshiharu Watanabe faz polinização cruzada de trevos da espécie "Trifolium repens L." em seu jardim na cidade japonesa de Nasushiobara

Japonês cultiva trevo recorde de 63 folhas e entra para o Guinness

Especialista detalha quais são as desvantagens do IMC e apresenta estudo que defende o BRI como sendo mais eficaz na avaliação de saúde

Devemos abandonar o IMC e adotar o Índice de Redondeza Corporal (BRI)?

Consumidores de cigarro eletrônico apresentam índices de nicotina no organismo equivalentes a fumar 20 cigarros convencionais por dia, alertam cardiologistas

Como o cigarro (inclusive o eletrônico) reduz a expectativa de vida

Artefatos representam as agulhas de pedra mais antigas que se tem registro até hoje. Seu uso para confecção de roupas e tendas para abrigo, no entanto, é contestado

Agulhas de pedra mais antigas da história vêm do Tibete e têm 9 mil anos

Cofundador da Endiatx engoliu durante palestra da TED um aparelho controlado por um controle de PlayStation 5 que exibiu imagens em tempo real de seu esôfago e estômago; assista

Homem ingere robô "engolível" e transmite interior de seu corpo para público

Pesquisadores coletaram amostras do campo hidrotérmico em profundidades de mais de 3 mil metros na Dorsal de Knipovich, na costa do arquipélago de Svalbard

Com mais de 300ºC, campo de fontes hidrotermais é achado no Mar da Noruega

Além de poder acompanhar a trajetória das aves em tempo real, o estudo também identificou as variáveis oceanográficas que podem influenciar na conservação dessas espécies

6 mil km: projeto acompanha migração de pinguim "Messi" da Patagônia até o Brasil

Estudo é passo inicial para que enzimas produzidas pelo Trichoderma harzianum sejam usadas para degradar biofilmes orais

Substância secretada por fungos tem potencial para combater causa da cárie dental

Lista traz seleção de seis modelos do clássico brinquedo, em diferentes tipos de formatos, cores e preços; valores partem de R$ 29, mas podem chegar a R$ 182

Ioiô: 5 modelos profissionais para resgatar a brincadeira retrô