• Larissa Lopes
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Nativos da América do Sul têm influência genética de povos do Pacífico. Acima: mulher do povo Xavante, nativo do planalto brasileiro (Foto: Wikimedia Commons)

Mulher do povo Xavante, nativo do planalto brasileiro (Foto: Wikimedia Commons)

Em 2015, um artigo publicado na Nature por pesquisdores dos Estados Unidos e do Brasil anunciou que dois grupos indígenas da Amazônia brasileira, os Karitiana e os Suruís, compartilhavam um conjunto de mutações genéticas com povos nativos da Austrália e da Melanésia, região que abrange ilhas do extremo oeste do Oceano Pacífico. Em referência à palavra tupi ypikuéra, que significa “ancestral”, essas mutações foram chamadas pelos cientistas de ancestralidade Y.

Agora, um novo estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) traz novidades sobre a presença dessa ancestralidade na América do Sul, mostrando que ela está melhor distribuída na região do que se pensava.

A pesquisa foi liderada pela geneticista brasileira Tábita Hünemeier, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e coautora do estudo divulgado em 2015. O trabalho também contou com a participação de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Pompeu Fabra, na Espanha.

Com base em uma análise genética de 383 sul-americanos, os cientistas conseguiram identificar a ancestralidade Y em povos fora da Amazônia pela primeira vez: entre os Xavantes, que vivem no planalto central do Brasil, e os Chotuna, do Peru. "Existe uma pequena ancestralidade australasiana (2-6%) em alguns povos nativos da América do Sul", diz Hünemeier em um e-mail a GALILEU.

Origem ancestral

Com auxílio de um software, os pesquisadores conseguiram analisar como a ancestralidade Y pode ter se espalhado pelo sul do continente americano. A principal hipótese é a de que ela foi trazida pelos primeiros migrantes, uma população ancestral de caçadores-coletores da Sibéria que teria chegado à América ao atravessar a Beríngia, uma porção de terra firme que estava exposta há cerca de 20 mil anos e conectava a Eurásia à América do Norte.

Segundo os pesquisadores, esse povo pode ter chegado até o sul do continente por uma rota costeira da Beríngia até o sul do Pacífico americano. A partir daí, essa população pode ter migrado para o centro do continente, chegando à Amazônia e ao planalto central do que hoje é o Brasil. Em estudos anteriores, populações da América do Norte e Central também foram testadas, mas nenhum traço da ancestralidade Y foi encontrado nelas. "Mesmo que esses indivíduos tenham passado pela costa da América Central e do Norte, consideramos que eles não deixaram muitos descendentes por lá — ou, então, esses descendentes foram vítimas do colapso populacional causado pela colonização europeia", supõe Hünemeier.

Segundo a geneticista, as populações indígenas de hoje são apenas uma fração do que eram em 1500, então, essa ancestralidade pode ter desaparecido junto com elas. Encontrar o sinal Y em populações nativas costeiras pode ser o próximo passo para confirmar (ou não) essa teoria.

Enquanto os cientistas continuam procurando por evidências, a pesquisa brasileira traz contribuições importantes para o estudo a história do continente e de suas primeiras rotas de migração. "O artigo reforça a provável rota costeira e aponta uma conexão antiga entre amazônicos e populações da costa do Pacífico", conclui Hünemeier.