• Nathan Fernandes
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 (Foto: Reprodução/ HyperNormalization)

(Foto: Reprodução/ HyperNormalization)

Jess Marcum poderia ser considerado uma pessoa brilhante e bem sucedida se não fosse por um detalhe: ele era viciado em jogo. Matemático e cientista nuclear, durante a década de 1950, Marcum estudava os efeitos da radiação no corpo humano até se envolver com os cassinos de Las Vegas e, logo, com Donald Trump, nos anos 1990. 

“Ele tinha uma memória fotográfica que era usada instantaneamente para processar as informações dos jogos. Assim, conseguia prever resultados. E ele sempre ganhava”, afirma o diretor britânico Adam Curtis, no documentário HyperNormalization, da BBC.

Apelidado de “The Automat”, o “estranho e misterioso” cientista começou a chamar a atenção dos gângsters e dos jogadores mais experientes. Foi assim que, em 1990, Marcum, do nada, recebeu uma ligação de Donald Trump pedindo sua ajuda.

O futuro presidente norte-americano, que na época era dono de cassinos, estava em apuros porque parte de sua fortuna estava indo para as mãos do investidor imobiliário japonês (e também apostador) Akio Kashiwagi.

Isso porque, desesperado por visibilidade, Trump havia convidado o milionário Kashiwagi para uma temporada em seu empreendimento. “Era um complemento perfeito para a imagem que queríamos passar do lugar, e realçou a imagem de Trump como uma figura elegante. Kashiwagi poderia alçar a Trump Plaza a um novo mercado”, escreveu em um diário John O’Donnell, chefe de operações do cassino de Trump, segundo reportagem do site Politico.

O problema é que a estrela que o magnata havia trazido para perto acabou queimando todos os seus planos. Como bom jogador e apostador de alto rendimento, em meia hora Kashiwagi já havia ganhado milhões de dólares.

Preocupado com o dinheiro em fuga, Trump descobriu que, só na primeira noite, havia perdido 4 milhões de dólares — um valor gigantesco considerando os empréstimos no banco que ele devia. “‘Que merda eu estava fazendo’, me perguntei. Meu fluxo de caixa está baixo, e eu estou jogando com um cara que pode ganhar 40 ou 50 milhões em questão de dias”, escreveu o empresário no livro The Art of the Comeback.

A situação piorou quando Kashiwagi decidiu que já havia ganhado o suficiente e decidiu ir embora, levando 6 milhões de dólares do bolso do magnata norte-americano. Trump esperava que ele ficasse lá por muito tempo, assim teria uma chance de recuperar sua perda, mas o investidor japonês levantou todos esses milhões em apenas dois dias e foi embora.

"Uma questão crucial para qualquer eventual presidente que pode ser confrontado com questões de guerra e paz é a sua atitude em relação ao risco"

Como escreveu Michael Crowley, na reportagem do Politico, a forma como Trump lida com a perda diz muito sobre sua personalidade, pouco afeita à derrota. “Uma questão crucial para qualquer eventual presidente que pode ser confrontado com questões de guerra e paz é a sua atitude em relação ao risco. Alguns presidentes — Barack Obama vem à cabeça — são altamente avessos a isso. Outros fazem suas apostas, como George W. Bush fez quando invadiu o Iraque.”

Sem aceitar a perda, Trump resolveu fazer outro convite a Kashiwagi. Mas desta vez ele tinha a matemática como carta na manga. Para garantir que iria recuperar seu montante e, quem sabe, lucrar, ele convocou o enigmático Jess Marcum, com sua memória fotográfica e o dom para probabilidades.

Marcum bolou um esquema genial: um acordo de congelamento entre Trump e o investidor japonês, ou seja, Kashiwagi traria 12 milhões de dólares à mesa de bacará e só poderia sair caso dobrasse a fortuna ou perdesse tudo. Era arriscado, mas Kashiwagi já havia ganhado uma vez e, como apostador de risco, ele viu ali uma grande oportunidade de lavar mais uma bolada americana. Obviamente, não havia nada legal que impedisse o japonês de ir embora quando quisesse, mas Trump confiava na honra entre jogadores.  

Com o acordo, Marcum conseguia estimar o tempo necessário para que as apostas ocorressem. Quanto mais tempo na mesa, mais chance de Kashiwagi perder. O matemático estimou que em 75 horas de jogo as chances do investidor imobiliário ganhar caiam 15%. Um tempo relativamente curto para a disposição do apostador. “Kashiwagi conseguia jogar por dois dias consecutivos sem dormir, depois ele ia para a cama, levantava e voltava ao jogo”, afirmou ao The new York Times Dennis Gomes, presidente do casino Trump Taj Mahal.

Em maio, Kashiwagi reapareceu no cassino. E o jogo começou. Em algumas rodadas, Trump já havia perdido 9 milhões de dólares — somando um total de 15 milhões, considerando os outros 6. Preocupado, o empresário quis parar o jogo, mas Marcum o convenceu a deixar a matemática fazer sua “mágica”. E fez.

Depois de seis dias de jogatina, Trump conseguiu acumular 10 milhões de dólares. Foi o suficiente para fazê-lo mandar o jogo parar. Segundo lembra o empresário em The Art of Comeback, tudo foi feito seguindo o acordo que tinham combinado. Mas Kashiwagi não havia perdido e nem dobrado os 12 milhões que havia levado a mesa. Não se sabe se, de fato, o investidor japonês concordou com isso, mas o jogo realmente parou.

Trump ficou feliz? Não necessariamente. Vale lembrar que as apostas não estavam sendo feitas em dinheiro vivo, os jogadores não estavam movimentando pilhas de dólares em cima da mesa. Era tudo no crédito, exceto por um cheque no valor de 6 milhões de dólares de um banco de Singapura que Kashiwagi havia feito antes. Não se sabe se o cheque estava sem fundo, ou se o japonês o cancelou, mas Trump nunca viu a grana. Logo, sem o participante fundamental da transação — o dinheiro — as contas de Marcum se tornaram apenas números aleatórios.

 (Foto: Reprodução)

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O pior é que o magnata norte-americano nem pôde cobrar o que lhe era devido. Em janeiro de 1992, Kashiwagi foi encontrado morto em sua casa, próxima do Monte Fuji. Segundo relatos de jornais japoneses, ele foi esfaqueado cerca de 150 vezes, por um “famoso gangster local”, como afirmou o Los Angeles Times. E o mais bizarro: por golpes de espada de samurai. Nunca foi comprovado, mas suspeita-se que o investidor japonês tivesse ligações com a yakuza, a máfia japonesa.

No mesmo ano, os três cassinos de Trump faliram. Depois de um período desafortunado, o futuro presidente encontrou outras forma de lucrar, e também aprendeu que sistemas de comportamento caótico não dependem apenas de números, mas também do acaso.

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