Saúde & bem-estar
 

Por Fernanda Tsuji


Uma perda gestacional precoce não é rara, mas, nem por isso, menos difícil de encarar. De acordo com dados do American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), 15 a 20% das gestações resultam em um aborto espontâneo, isto é, com a perda do feto antes da 20ª semana. E esse número pode ser ainda maior, considerando as mulheres que não sabiam que estavam grávidas.

Aborto pode ser confundido com a menstruação (Foto: Sora Shimazaki/Pexels) — Foto: Crescer
Aborto pode ser confundido com a menstruação (Foto: Sora Shimazaki/Pexels) — Foto: Crescer

Receber essa notícia nunca é fácil. Apesar de hoje em dia se falar mais sobre o luto gestacional, antes invisibilizado, sabemos que, na prática, ainda é um tabu. Embora comum — uma série de estudos compilados pelo periódico científico The Lancet indica que uma em cada dez mulheres passa por isso ao longo da vida e 23 milhões de abortos espontâneos ocorrem todos os anos globalmente —, muitas preferem não falar sobre o que viveram e sofrem sem ter o suporte que poderiam receber neste momento tão delicado.

Não à toa, muitas mães optam por compartilhar a notícia da gravidez apenas após os três primeiros meses, período em que a chance de perda é reduzida, visto que cerca de 85% dos abortos espontâneos ocorrem nas primeiras 12 semanas.

Seria interessante, porém, que se falasse mais sobre o tema para desmistificá-lo e para que mais informações pudesem chegar até as mulheres, caso um dia isso venha a acontecer com elas. A começar pelos sintomas. Diferente do que o imaginário popular diz, nem sempre os sinais são claramente identificáveis.

Sim, em alguns casos, existem os sintomas clássicos, como dores abdominais persistentes e sangramentos significativos, mas não é uma regra. Há sinais mais sutis que também podem indicar um aborto iminente, como redução do inchaço nos seios, desaparecimento de enjoos e outros indícios típicos, antes presentes da gravidez, cessarem.

“Há desde mulheres muito sintomáticas, que já iniciam com hemorragia e muita dor, até as que não sentem nada e só diagnosticamos a perda ao realizarmos uma ultrassonografia. Por isso, diante de qualquer alteração, é preciso procurar o seu médico ou um pronto-atendimento”, explica Tatiane Boute, ginecologista e obstetra do Fleury Medicina e Saúde, especializada em medicina fetal pela Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp)

A seguir, respondemos as principais dúvidas em relação ao aborto espontâneo, seus fatores de risco e os procedimentos em caso de confirmação. Quanto mais esclarecimento e menos tabu em torno das perdas gestacionais, melhor a mulher enfrentará este momento delicado. E, caso deseje, estará mais preparada, física e emocionalmente, para uma nova gestação saudável no futuro.

O que é aborto espontâneo?

Aborto espontâneo é a perda gestacional que acontece, geralmente, antes de 20ª semana de gravidez. Ele é categorizado como “precoce” quando acontece até a 12ª semana e o bebê pesa menos de 500 gramas, e de “tardio” depois desse tempo. Após as 20 semanas, é denominado óbito fetal.

Quais os fatores de risco?

Diagnosticar a causa de um aborto não é simples, principalmente quando ocorre pela primeira vez ou bem no início da gestação. Porém, há fatores de risco que podem fornecer pistas para guiar as investigações médicas:

“O principal fator de risco para aborto é a alteração genética no feto. Isso está relacionado diretamente à idade materna, porque os óvulos estão nos nossos ovários desde que estávamos na barriga da nossa mãe. E por mais saudável que seja o estilo de vida de muitas mulheres hoje, quanto maior a idade, mais risco de abortamento”, diz a médica. Ela completa: “Não conseguimos interferir na qualidade dos óvulos, então, a principal causa são mesmo alterações genéticas, principalmente a aneuploidia (alteração no número usual de cromossomos), como as trissomias e monossomia do X”, pontua.

Dá para prevenir um abortamento?

Nunca é possível garantir uma completa prevenção, dadas as inúmeras variáveis que podem estar envolvidas em um aborto e que nem sempre são identificáveis. Contudo, há como minimizar os riscos considerando os fatores mencionados acima, principalmente se a mulher tiver alguma doença crônica, como diabetes, lúpus ou alterações da tireóide, que exigem controle rigoroso antes e durante a gestação.

“É importante fazer uma consulta pré-concepção e um check-up geral para deixar quaisquer doenças que a mulher tenha bem compensadas antes de engravidar. Embora a gente saiba que isso não é uma realidade, afinal, 53% das gestações não são planejadas, seria importante ter o planejamento da gestação para reduzir o risco de abortamento”, esclarece a ginecologista.

Existem sinais de abortamento espontâneo?

Os sintomas mais comuns são dores abdominais, cólicas intensas e persistentes e a diminuição dos sintomas da gravidez, além dos temidos sangramentos. Mas aqui, cabe um alerta: nem todo sangramento sinaliza um aborto. Escapes de sangue durante o início da gravidez não são raros e apesar de assustar, muita calma: isso não quer dizer que seja necessariamente uma perda, viu? O sangue pode ser resultado da nidação (implantação do óvulo no útero), de um pólipo ou de questões relacionadas ao colo do útero, entre outras razões. Há diversas possíveis causas e todas precisam ser investigadas.

“Um aborto não tem relação somente com o sangramento. Existem pacientes que têm uma hemorragia intensa, faz um ultrassom achando que ocorreu a perda e o bebê está ótimo. Por outro lado, existem casos em que a paciente tem um leve escape e, de fato, está abortando. Por isso, qualquer sangramento na gravidez sempre precisa ser avaliado em qualquer fase”, indica Tatiane.

A obstetra destaca, ainda, que nem sempre estes sinais aparecem de maneira tão evidente. “Às vezes, não há sintomas claros, mas a mulher nota que os enjoos e vômitos que antes sentia, cessaram, que os seios desincharam e não estão mais doloridos. De repente, os sinais desapareceram e quando realizamos um ultrassom, diagnosticamos o abortamento”, explica.

Como é feito o diagnóstico?

Diante de qualquer sinal de que algo não está bem durante a gestação, é fundamental procurar seu obstetra ou, se necessário, o pronto-atendimento. “Quando a paciente chega com uma queixa de sangramento ou dor, a primeira coisa que fazemos é um exame físico. É neste exame ginecológico especular, que procuramos entender se esse sangramento é de fato da gestação ou se há, por exemplo, um pólipo ou lesão no colo do útero ou vagina”, diz Tatiane, sublinhando a importância de descartar outras complicações, como a gravidez ectópica, onde o óvulo fertilizado cresce fora do útero.

Para ter o diagnóstico, é realizado também um ultrassom para observar o comportamento dentro do útero. Há casos ainda em que o obstetra poderá solicitar o beta HCG para monitorar a gestação ou até mesmo mais ultrassonografias em intervalos de dois dias.

A obstetra pontua, no entanto, que não existe uma conduta única e que o acompanhamento deve ser individualizado. “Se ela ficar mais tranquila repetindo o exame de sangue, vamos fazer. Agora se entendeu que não vai alterar o destino da gravidez, podemos optar por repetir o ultrassom em uma semana”, diz. Uma vez que o aborto está, de fato, confirmado, infelizmente, não há nada que o impeça de acontecer.

Caso seja um aborto, como proceder?

Quando o diagnóstico indica um abortamento, é preciso entender se todo o produto da concepção já foi expelido ou se permanece retido no corpo da mulher. Caso ainda esteja no útero, há dois caminhos a seguir: o expectante, que é aguardar a eliminação espontânea da gestação, ou o ativo, quando é realizado o procedimento de esvaziamento uterino.

“Cerca de 80% das mulheres terão a eliminação espontânea em até 30 dias. E embora seja um processo fisiológico, do ponto de vista emocional, é mais difícil, porque a espera pode ser angustiante e não dá pra prever a intensidade do sangramento”, diz a médica.

A decisão deve ser tomada em conjunto com o médico e baseada nas necessidades e sentimentos da mulher. “Há quem opte de cara por internar e realizar o procedimento, pois entendem que, psicologicamente, querem seguir em frente. Outras preferem esperar, porque ainda não há sangramento ou cólica”, esclarece a obstetra do Fleury.

Se a decisão for pelo esvaziamento uterino, há duas técnicas possíveis. A primeira é a curetagem, realizada com um instrumento similar a uma colher longa e fina, que faz a raspagem das paredes uterinas para remover o saco gestacional, o embrião e o material do aborto.

A segunda, mais moderna e recomendada pela maioria dos médicos, é a aspiração. Nela, uma cânula plástica ligada a uma seringa a vácuo e guiada por ultrassom realiza a retirada do material. “Isso permite entrar no útero sem causar tantos danos, reduzindo os riscos de perfuração uterina, que, embora pequena, existe na curetagem”, afirma a especialista.

Um detalhe importante a considerar é que, se a gestação ultrapassar 10 semanas, é necessário administrar previamente um medicamento chamado misoprostol, via vaginal. Isso porque o feto, tendo já desenvolvido estruturas ósseas, pode causar perfuração uterina. “A medicação vai trabalhar o colo do útero pra ele dilatar para a saída do feto. Mas mesmo depois da expulsão, temos ainda que fazer a curetagem ou aspiração, porque podem ficar restos placentários”, explica.

Uma das vantagens do esvaziamento é a possibilidade de coletar o material para análise genética, caso a paciente deseje investigar as causas. A médica conta que na eliminação espontânea é mais difícil garantir uma amostra de qualidade do material.

Quando começar a investigar as causas?

Geralmente, em um primeiro aborto, as causas podem ser consideradas aleatórias, por isso raramente os médicos indicam fazer uma pesquisa mais profunda neste momento. Entretanto, quando ocorre um segundo ou mesmo um terceiro abortamento, a abordagem muda. Nesses casos, é prudente investigar as causas para prevenir um possível padrão de abortos de repetição.

“A partir do segundo aborto, consideramos realizar um estudo para ver qual alteração genética ocorreu e qual é o risco de recorrência dela”, pontua Tatiane Boute. Ela acrescenta que é muito diferente oferecer uma explicação genérica como "provavelmente foi um erro genético" em comparação com a precisão de "o bebê apresentou esta específica alteração". Para muitos pais, ter uma causa concreta para a perda é percebido como um fechamento de ciclo.

Como encontrar suporte emocional nesta fase?

O diagnóstico de um abortamento não é um processo simples. Ele carrega uma profunda carga de emoção e frustração, e a pessoa precisa de tempo para elaborar essa perda. Embora cada pessoa vivencie o luto gestacional de maneira única, é crucial que a mulher receba apoio emocional de familiares, amigos e, se necessário, procure aconselhamento com profissionais especializados em saúde mental. Sua dor não deve ser invisibilizada e é preciso trabalhar a culpa que muitas vezes acomete a gestante nessa fase.

“É preciso humanizar o luto perinatal, porque escutamos muito frases como ‘nem era um bebê ainda’, ‘foi melhor assim’ e ‘a natureza sabe o que faz’. São falas que tentam diminuir o sofrimento da mulher, mas não é só um bebê que morre ali. São todos os sonhos ligados àquela gestação e isso fica marcado para sempre”, enfatiza a médica.

E embora não exista um protocolo único para informar sobre um abortamento, alguns cuidados específicos, como não deixar a paciente que acabou de ter a notícia na mesma sala de espera do que mulheres grávidas, são detalhes que também podem fazer diferença nesse momento. Além disso, é fundamental que a equipe médica seja clara, empática e esclareça quaisquer dúvidas para não intensificar sentimentos de culpa que a mulher possa estar vivenciando.

“Muitas acreditam que algum estado emocional, estresse, atividade física ou até mesmo a alimentação, possa ter sido a causa do abortamento, mas não é real. O que existe é um tabu em torno disso. Embora a estatística aponte que ocorre em cerca de 20% das gestações, por falarmos tão pouco sobre isso, parece que ela foi a única pessoa incapaz de levar a gestação adiante, o que não é verdade. Se ela contar pra alguém, provavelmente irá escutar ‘também passei por isso, fulana também…’”, diz a obstetra.

Tatiane sugere, ainda, buscar suporte em documentários, livros com relatos pessoais, psicoterapeutas e grupos de apoio, como o Instituto do Luto Parental, que possui rodas de conversa gratuitas para ajudar a entender esses sentimentos conturbados que aparecem ao enfrentar a perda de um filho. “Cada uma tem seu tempo. Algumas pessoas procuram ajuda logo em seguida, outras levam meses ou anos. Mas é importante saber que existe um espaço para compartilhar experiências de mulheres que já passaram por essa situação”, ressalta.

Quando posso tentar engravidar de novo?

Emocionalmente, cada pessoa tem um tempo para considerar uma nova tentativa de gravidez ou até mesmo para começar a investigar as causas do abortamento. É preciso respeitar o processo de luto e a vontade de recomeçar daquele casal.

Do ponto de vista da saúde da mulher, primeiro é preciso se recuperar do processo de curetagem ou aspiração, que costuma levar uma semana. E aqui vale lembrar que, por lei, a mulher tem direito a 14 dias de afastamento do trabalho para garantir sua plena recuperação.

Caso tenha sido o primeiro abortamento e exista a vontade de tentar uma nova gravidez, é recomendado esperar de um a três ciclos menstruais seguintes. “No entanto, do segundo abortamento em diante, talvez seja mais prudente investigar possíveis causas para tentar identificar algum fator de risco e aumentar a chance de uma nova gestação saudável”, diz a obstetra. Dependendo das suspeitas, é possível também iniciar tratamentos específicos ou gerenciar condições de saúde pré-existentes antes de novas tentativas.

Por fim, fique tranquila: as estatísticas são positivas! De acordo com a American Pregnancy Association (APA), 85% das mulheres que enfrentaram um aborto espontâneo conseguem engravidar novamente e dar à luz bebês saudáveis em gestações seguintes.

Fontes:
- Tatiane Boute, ginecologista e obstetra do Fleury Medicina e Saúde, especializada em medicina fetal pela Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp)
- Boletim “Early Pregnancy Loss” - American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG)
- “Diretriz sobre cuidados no aborto resumo”- Organização Mundial da Saúde (2022)
- “Miscarriege matters” - The Lancet

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