• Naíma Saleh
Atualizado em
Gravidez: até quando esperar para contar? (Foto: Thinkstock)

Gravidez: até quando esperar para contar? (Foto: Thinkstock)

A maternidade está impregnada com uma porção de dogmas. Há regras e regras sobre como as mães devem agir, o que podem (ou não podem) comer, de que forma montar o enxoval, arrumar o quarto, preparar a casa... O primeiro deles surge logo após o teste dar positivo: quando contar sobre a gravidez. Parece que o primeiro dos 10 mandamentos da boa mãe é esperar pelo fim do primeiro trimestre para botar a boca (ou a barriga) no mundo e anunciar que um bebê está a caminho.

Seria tranquilo seguir essa recomendação à risca se: 1) fosse fácil manter um segredo desses quando a felicidade de gerar uma nova vida mal cabe no peito e 2) a mulher, já fragilizada por um momento de tanta insegurança, não ficasse isolada enquanto precisa lidar com os sintomas iniciais da gestação que, convenhamos, não são fáceis.

O primeiro trimestre tem a fama de ser o pior de todos. E não é por acaso. Mesmo sem o peso do barrigão, que atormenta a reta final, no começo da gestação, os hormônios enlouquecidos provocam enjoos, sonolência, maior sensibilidade nos seios, alterações no funcionamento do intestino e até dores de cabeça. Quando estava com seis semanas de gestação, a fonoaudióloga Luana Danielli Giongo e o marido já contaram a novidade para a família, os amigos e as pessoas mais próximas. Até porque, mesmo que ela quisesse disfarçar, não conseguiria. Luana teve hiperêmese gravídica e passou muito mal. Hoje, está de 16 semanas esperando Martina e, de qualquer forma, acha que não conseguiria guardar segredo. "Não aguentamos", brinca.

Embora todos esses desconfortos típicos do comecinho da gravidez possam denunciar a novidade, há um sintoma que pode alimentar a vontade de prolongar o sigilo: o medo do aborto espontâneo. É justo considerar que esse período de silêncio foi estipulado em grande parte pelas evidências médicas, que apontam que o risco de perda gestacional, de fato, é maior no primeiro trimestre. “Até 20% das gestações evoluem para aborto antes de 20 semanas, sendo que, destas, 80% são interrompidas até a 12ª semana”, explica o obstetra Fábio Muniz, do Hospital e Maternidade São Cristóvão (SP). Após a 15ª semana, o risco de abortamento cai para 0,6%. E por causa desse declínio estatístico, muitos casais optam por não contar que a família vai aumentar até que esse período mais tenso chegue ao fim. Especialmente quando os precedentes não são muito animadores.

A assistente jurídica Denísia Lopes, 34 anos, perdeu sua primeira bebê aos 7 meses e meio de gestação, por isso, na segunda vez que engravidou, preferiu esperar o fim do primeiro trimestre para espalhar a notícia tanto para a família quantos para os amigos mais íntimos. “Em vez de apoiar e incentivar, muitas vezes, as pessoas frustram nossos sonhos. Dizem coisas como: ‘não tem medo de perder outra vez?’ ‘Melhor ser tia do que passar por essa situação, eu não arriscaria’ ou até coisas piores... Minha primeira gestação se interrompeu por uma fatalidade”, desabafa.

Já a nutricionista Maria Carolina Cezario teve um sangramento interno e por isso também preferiu omitir que estava grávida de Theo, hoje com 2 anos. “Com 9 semanas contamos à família e só com 12 às outras pessoas. Mesmo assim não expus em redes sociais”, lembra. Pouco antes, ela havia acompanhado a experiência de uma amiga que passou por um aborto espontâneo e tinha medo de enfrentar uma situação semelhante, fazendo com que os familiares tivessem que lidar também com a perda.

Que medo que dá


Esse sentimento não é raridade entre as gestantes. O problema é que o medo de sofrer – ou de causar sofrimento às pessoas queridas – com frequência acaba se tornando motivo de angústia. O silenciamento deixa a mãe desamparada no momento em que ela mais precisa, como bem sabe a  doula e psicóloga perinatal Raquel Jandozza. Ela acompanha muitas mulheres que precisam enfrentar a perda gestacional sozinhas, em vários casos porque nem a família nem pessoas próximas sequer sabiam sobre o bebê que estava a caminho. “Essas mulheres não se dão nem o direito de se sentirem mãe daquele feto, elas não têm voz. É muito confuso ver que se sufoca a alegria para anular a possibilidade da dor”, reflete.

E se pararmos para pensar, na prática, essa recomendação de esperar passar o primeiro trimestre equivale a passar em branco praticamente um terço da gestação. Ou seja, em um período considerável e crucial, o casal se vê sozinho, em meio à uma porção de dúvidas, medos e inseguranças, ao mesmo tempo em precisa se segurar para não deixar escapar uma alegria imensa. Por isso, Raquel defende que é preciso separar as evidências médicas da vivência afetiva dessa nova fase. "A espera é uma recomendação técnica, mas a gestação é emoção. No campo afetivo, é quase como dizer: guarde em uma caixinha tudo isso. Lide sozinha ou lide minimamente. E isso é de uma crueldade imensa”, explica.

Do ponto de vista médico, é indiscutível que  há maiores riscos no começo. Mas, veja só: a mulher já está grávida. Indepedente de decidir contar ou não antes das 12 semanas completas, de certa forma ela já é mãe. E mesmo que esse filho nem chegue a nascer, ela está vivendo a experiência de gestar. Já aconteceu. Não há mais como voltar atrás.

Então, para não deixar o medo tirar o encanto desse momento tão incrível, só há uma solução: mudar o olhar que temos sobre a vida e também sobre a morte. "Uma vez instaurada a existência, o risco de perecer é iminente. Infelizmente, ninguém quer lidar com a morte em se tratando de bebês, de gravidez. Só que não falar sobre isso é não se envolver com algo inerente ao processo", diz Raquel. Até porque, vale lembrar: em caso de aborto espontâneo, não há nada que a mulher possa fazer. É uma situação que foge do controle. E pior: que raramente encontra acolhimento.

 "Ninguém quer falar que perdeu um bebê. Nossa sociedade não está preparada para morte", diz a publicitária Hevellin Braga, 36 anos. Quando a gestação de seu primeiro filho foi naturalmente interrompida, ela precisou explicar o ocorrido principalmente ao sobrinhos pequenos, que não entendiam. Nesse processo, ela confessa que se arrependeu um pouco de contar cedo sobre o bebê, mas quando engravidou pela segunda vez, de Isadora, hoje com 1 ano e 4 meses, admite que foi difícil segurar a novidade. "Talvez se eu estivesse mais segura, teria contado de novo", reflete. Já Camila Rosa, 27 anos, espalhou a notícia da gravidez quando estava com 6 semanas de gestação, mas infelizmente, o bebê viveu apenas 5 meses. "É muito sofrido. Ainda estamos nos recuperando e não é fácil... mas não nos arrependemos de contar", explica.

Não há uma data certa para a revelação. Nem um período 100% seguro, com garantias que tudo vai dar certo: nem agora, nem depois que o bebê nascer. "Trazer filhos ao mundo é uma entrega. Quando ele nasce, você o entrega ao mundo, não sabe o que vai acontecer depois, o que vai ser dessa criança. E isso começa na gestação", explica Raquel.

Por isso, vale  parar para refletir: você tem mesmo medo de contar ou está simplesmente seguindo uma convenção? Está curtindo de fato a gravidez ou apenas consumindo o tempo com preocupações que, na verdade, fogem ao seu controle? E se passar por algum percalço, não é melhor ter ao seu lado gente querida que poderá apoiá-la? Não existe uma resposta só. Se faltou segurança para contar a notícia de cara, tudo bem. Agora, se você estiver angustiada, se corroendo com o segredo apertado no peito, não é melhor desabafar? "Se ficar na dúvida, sobre o que fazer, vá sempre pelo caminho do coração", insiste Raquel.

E lembre-se:  muito antes de nascer, o bebê já existe na cabeça e no coração da família. E isso, por si só, já é um baita motivo para celebrar.

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