A atuação das doulas durante a gestação é cada vez mais comum. Incumbidas de proporcionar o suporte emocional e físico às mulheres, desde o início do pré-natal e, especialmente, durante o trabalho de parto, essas profissionais ajudam as mães a ter uma experiência positiva no parto e, consequentemente, melhores resultados – como redução nas taxas de cesárea, menos uso de medicações, menos relatos de dor.
Agora, uma pesquisa brasileira demonstra que o suporte contínuo das doulas também interfere na quantidade de serotonina liberada pela mulher imediatamente após o parto, o que pode se refletir em um melhor início de conexão entre a mãe e o filho.
O estudo piloto foi realizado como a tese de mestrado da psicóloga Eleonora de Deus Vieira de Moraes, no Programa de Pós-Graduação em Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto (interior de SP). Após atuar como doula por mais de 17 anos, Moraes decidiu investigar se a presença contínua desse suporte no trabalho de parto também teria algum impacto fisiológico na mulher, além dos benefícios físicos e emocionais.
Para o estudo, realizado no Centro de Referência da Saúde da Mulher de Ribeirão Preto, as parturientes foram divididas em dois grupos: um que recebeu o apoio contínuo das doulas desde o início do trabalho de parto e outro que não teve a presença dessas profissionais durante o processo, apenas do acompanhante de escolha da mulher.
A pesquisadora coletou amostras de sangue das voluntárias para medir a quantidade de serotonina durante três fases do parto: a ativa, a expulsiva e o pós-parto imediato (também chamado de golden hour, ou hora dourada, em tradução livre), quando o bebê já nasceu e está em contato pele a pele com a mãe. Publicados na Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, os resultados apontaram o aumento significativo na dosagem de serotonina no período pós-parto no grupo das parturientes acompanhadas por doulas.
Por que a serotonina é importante no parto e pós-parto?
A escolha da serotonina para ser dosada nas parturientes não foi ao acaso: a molécula atua sistemicamente como um hormônio e age no sistema nervoso central como um neurotransmissor, regulando o humor e a motivação. “Nós sabemos que a serotonina tem influência no humor, mas estudos em animais apontaram que ela inicia e mantém o comportamento materno de aninhar filhotes, mantendo esse vínculo entre a mãe e o bebê”, explica Eleonora Moraes.
Segundo a psicóloga, a ciência ainda sabe muito pouco sobre o efeito da serotonina no trabalho de parto de humanos, por isso não é possível definir exatamente o mecanismo envolvido nas alterações dessa molécula no corpo. “Nesse sentido, esse estudo é inédito porque ele mostra como se comporta a curva da serotonina durante o trabalho de parto e imediatamente após o bebê nascer”, observa.
A queda dos níveis de hormônios que ocorre logo após o fim da gravidez, associada ao cansaço físico pela privação do sono e pelo estresse emocional que o recém-nascido gera na mulher, costuma ter um grande impacto e alterar o humor da mãe, o que pode resultar em uma depressão pós-parto. O problema é extremamente comum – estima-se que entre 20% e 25% das mulheres terão depressão pós-parto, e cerca de 80% vão experimentar sintomas do chamado baby blues, que é o conjunto de sentimentos confusos e passageiros, que não precisa de tratamento.
De acordo com a pesquisadora da USP, embora o estudo mostre a alta concentração da serotonina no período da golden hour, não foi possível fazer uma relação direta com a depressão pós-parto, porque o estudo não reavaliou os níveis de serotonina após o nascimento da criança, quando o transtorno poderia se manifestar. “Fica somente a suposição, por causa do momento em que medimos a serotonina. A gente sabe do papel importante da molécula na depressão pós-parto, mas para fazer a afirmação são necessários outros estudos”, pondera a pesquisadora da USP.
Na avaliação da ginecologista e obstetra Rita Sanchez, do Hospital Israelita Albert Einstein e coordenadora do projeto Parto Adequado, o estudo traz resultados interessantes ao apontar os benefícios fisiológicos da presença das doulas. Ela ressalta que as pacientes “resgataram” o papel das doulas, que vêm ganhando cada vez mais espaço junto às grávidas tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) como no sistema privado.
“O trabalho de parto é longo, traz a dor, e ter alguém com você para ajudar e dar apoio emocional para continuar é muito importante. Em relação ao pós-parto, a gente sabe que a serotonina é o hormônio que ‘levanta’ a mulher, tanto que quem tem depressão usa medicamentos para aumentar o nível da serotonina. Imediatamente no pós-parto, a mulher tem muito cansaço físico, muita ansiedade pelos cuidados que virão, e ter níveis de serotonina mais altos nesse momento, sem dúvida, pode ajudar a diminuir o que chamamos de blues puerperal”, comenta a médica, ao ressaltar que é importante produzir a serotonina durante o trabalho de parto e que ter uma rede de apoio no pós-parto em casa também é fundamental.
A obstetra reforça que o papel das doulas é muito importante, desde que elas estejam bem alinhadas com a equipe de enfermagem e a equipe médica do hospital onde vai acontecer o parto. “É preciso ficar claro que todos os profissionais formam uma grande equipe para dar apoio à mulher e não deve existir uma ‘competição’ entre a doula e o médico. Acredito muito no apoio emocional e no uso de métodos não farmacológicos para o alívio da dor durante o processo, mas todo mundo precisa estar alinhado e ter conhecimento científico do que funciona e do que não funciona”, ressalta a médica.
Parto Humanizado:
Hormônio do amor
De acordo com a pesquisadora da USP, a ocitocina é o principal hormônio associado à conexão entre a mãe e o filho, por isso também é chamada de “hormônio do amor”. “O maior pico de ocitocina na vida de uma mulher será na golden hour. É esse hormônio que vai fazer com que o apego entre a mãe e o bebê seja instintivo, além de social. Ainda estamos descobrindo a influência da serotonina, mas com certeza ela também tem um impacto positivo na criação do vínculo”, afirma a autora do estudo.
A ginecologista do Einstein concorda e acrescenta que, se a mulher teve uma boa experiência no parto (e isso inclui o apoio emocional recebido da doula), sem dúvidas ela terá uma boa conexão com o seu bebê. “Tradicionalmente, é a ocitocina que causa essa conexão. Se a serotonina também faz isso, não temos certeza. Precisamos de mais estudos. Mas, só o fato de a paciente ter tido uma boa experiência no parto e estar com a saúde mental boa, com certeza, terá condições de fazer uma conexão mais rápida e mais profunda”, diz.
Tudo sobre a função das doulas
Se você está na dúvida se deve procurar o apoio das doulas durante o parto, a CRESCER conversou com Eleonora Moraes, que explicou um pouco mais sobre como funciona esse trabalho. Confira:
A doula é uma enfermeira?
Não necessariamente. A maioria das doulas tem uma formação profissional anterior (psicólogas, professoras de educação física, fisioterapeutas etc.) e passa a oferecer esse serviço depois de fazer um curso específico para doulas. No entanto, independente de sua formação profissional, o papel delas não é fazer qualquer tipo de procedimento médico. Doulas não fazem auscuta fetal, medem pressão, veem batimento cardíaco do bebê nem cortam o cordão umbilical após o nascimento. O papel dela é dar o apoio emocional, conforto físico, além de ser uma ponte entre os médicos e a mulher, traduzindo termos médicos para a grávida e ajudando-a a expressar seu desejo para o médico.
A doula pode atrapalhar meu relacionamento com o obstetra?
Isso não deve acontecer. A doula colabora para o diálogo entre médico e gestante, mas não deve ir além disso. Se por causa da explicação da doula e das informações que ela fornece a paciente decide questionar o médico, é uma coisa. Mas a própria profissional não bate de frente com os especialistas ou questiona a equipe, muito menos na hora do parto – se isso acontecer, ela pode transformar um momento nervoso em algo ainda mais tenso.
Só devo procurar uma doula se eu quiser um parto normal?
Não. A doula provavelmente vai esclarecer sobre o que levar em consideração na hora de escolher o tipo de parto, mas mesmo que seja uma cesárea, ela terá seu papel. Fazer com que a mulher se sinta segura para a chegada do bebê, confortá-la durante a cirurgia e dar o apoio para a amamentação no pós-parto são algumas das funções que ela terá ao seu lado.
O que a doula faz durante o parto?
Se o parto for hospitalar, a doula pode fazer a ponte entre a equipe médica e a gestante, explicando como funcionam as intervenções que eles propõem e como o parto vai evoluir. A doula faz gestos simples como dar a mão para a gestante e massageá-la. Ela também vai ajudá-la a encontrar posições mais confortáveis para o trabalho de parto, ensinar técnicas de respiração e propor medidas naturais que podem aliviar as dores, como banho quente.
Elas fazem parto em casa?
Sim, mas esse parto requer mais do que uma doula. Para realizá-lo a gestante geralmente recruta, além da doula, um médico e um enfermeiro. Se você está pensando em parto domiciliar, o ideal é se informar com o seu obstetra.
Se eu decidir por um parto hospitalar, as maternidades aceitam a presença da doula?
A lei brasileira garante à gestante o direito de ter um acompanhante no parto. Em alguns hospitais, essa regra é seguida à risca. Como a maior parte das gestantes quer a presença do marido na hora do parto, é preciso verificar com a maternidade se é possível ter a doula e o pai nesse momento para evitar sustos na última hora.
Quando a grávida começa a procurar uma doula?
A mulher deve procurar a doula a partir do momento em que ela percebe a necessidade de se preparar para o parto e para a chegada do bebê. Geralmente, a procura começa no segundo trimestre de gestação.
Como são os encontros?
Há, em média, três encontros para planejar o parto e a chegada do bebê. A doula também ficará ao seu lado durante o trabalho de parto, até que o bebê nasça, e fará algumas visitas no pós-parto.
Com informações da Agência Einstein