• Juliana Couto | Edição – Vanessa Lima
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 A informação é uma das melhores maneiras de se preparar para a amamentação (Foto: Flickr/ Dimitar Dimitrov)

A ocitocina, o hormônio do amor, tem um papel importante no aleitamento materno (Foto: Flickr/ Dimitar Dimitrov)

Você olha para o seu bebê, ele olha de volta e a intensidade do que você sente aí dentro do peito é inexplicável? Uma palavra pode ajudar a entender essa emoção: ocitocina. Ainda que nunca tenha ouvido falar nela, você certamente já experimentou a sensação de estar “ocitocinado”. E não é só com o seu filho, não.

A ocitocina tem um papel fundamental nas relações e, por isso, ficou conhecida como o hormônio do amor. É ela a responsável pela atração e pelo prazer nas relações sexuais, por exemplo, pelas contrações no trabalho de parto, pela formação do vínculo com o bebê depois que ele nasce e até pela descida do leite materno. E a função dessa substância, produzida naturalmente pelo corpo humano, vai além: ela é também um neurotransmissor, ou seja, age como mensageira, levando informações para diversas áreas do organismo.

A cada ano, mais descobertas sobre o hormônio vêm à tona, já que ele chama a atenção da ciência há décadas. Diversas pesquisas já demonstraram que a ocitocina influencia comportamentos, é capaz de reduzir o estresse e a ansiedade e tem o poder de fortalecer vínculos a curto e longo prazos. Uma delas, publicada em 2018 nos Estados Unidos pelo Journal of the National Association of Neonatal Nurses, sugeriu, por exemplo, que o contato pele a pele entre pais e bebês prematuros aumenta os níveis de ocitocina e, assim, fortalece o vínculo, o que ajuda a diminuir o risco de atrasos no desenvolvimento neurológico associados à prematuridade. Outro estudo, realizado pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, em 2017, comprovou que a presença do hormônio melhora a cooperação e a confiança nos relacionamentos, habilidades fundamentais para a convivência em grupo, que deixa os humanos em vantagem na evolução.

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Mas vamos à raiz da ocitocina? Ela é produzida por uma área do cérebro primitiva e comum aos mamíferos, no hipotálamo e na neuro-hipófise. Atua no sistema límbico, relacionado às emoções, e é entendida como o hormônio do afeto e do altruísmo. Segundo a obstetra Andrea Campos, da Casa Moara (SP), todas as pessoas têm capacidade de liberar ocitocina. “O que varia é o estímulo e a resposta de cada um. E isso pode ser exercitado com o convívio social”, diz. Algumas situações, como contato físico, abraços, massagens, música, leitura, sexo, atividade física e alimentação balanceada, incitam a produção do hormônio. Por outro lado, solidão, ansiedade, depressão, estresse, sedentarismo e hábitos como fumar, ingerir bebida alcoólica, açúcar e carboidratos em excesso, a inibem.

Aquele empurrãozinho

No trabalho de parto, é a ocitocina que faz o útero se contrair, o que desencadeia a dilatação e promove a expulsão do bebê. Ao chegar em sua maturidade, os pulmões enviam um “aviso” de que seu filho está pronto para nascer por meio de uma substância chamada surfactante, responsável pela capacidade do órgão para receber ar. “A presença dela modifica a consistência do líquido amniótico e essa informação química é percebida pelo corpo materno e inicia o processo hormonal, que desencadeará o parto”, explica o obstetra Braulio Zorzella, da Caza da Vila (SP).

É aí que entra em ação a prostaglandina, que funciona como um motor de arranque e faz tudo engrenar, para logo a ocitocina começar a agir. Segundo a obstetra Andrea, esse hormônio faz com que as contrações uterinas aconteçam de forma harmônica e regular. “Ela está diretamente ligada ao reflexo da mãe de empurrar o bebê para nascer quando o colo está completamente dilatado e atua também como uma espécie de calmante com analgésico, já que reduz o medo e promove calma e conexão”, explica.

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O corpo dança conforme a música, ou melhor, conforme a liberação da ocitocina. O organismo tolera a dor no mesmo compasso em que a substância é secretada, com uma sintonia perfeita. Mas o hormônio é tímido e, apesar de poderoso, ele é também muito sensível. Por isso, é importante que, assim como em uma relação sexual, a mulher esteja à vontade e cercada de pessoas em que ela confia na hora do parto, para que o ritmo se mantenha, sem interrupções bruscas ou uma quebra de clima.

“A ocitocina do trabalho de parto e do orgasmo é a mesma. A questão é o que a estimula – e isso está ligado à entrega e à confiança”, diz o obstetra e ginecologista da Unifesp Alberto Guimarães, autor do livro Parto sem medo. A fluidez também ajuda. Produzida instintivamente, a ocitocina pode sofrer influência de outros hormônios, principalmente do neocórtex, a área da racionalidade. “Isso pode interferir negativamente no trabalho de parto”, explica o médico. Então, é melhor não pensar muito nesse momento e simplesmente seguir o seu corpo.

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CF304-OCITOCINA (Foto: Getty Images/500px Prime)

(Foto: Getty Images/500px Prime)

Relaxe e deixe acontecer

Por isso, o trabalho da equipe médica tem menos a ver com “fazer o parto” e mais com “deixar o parto acontecer”, respeitando as escolhas da mãe, amparadas pelo profissional. “É preciso permitir que ela tenha a privacidade que busca”, diz Zorzella. O ideal é que o ambiente seja relaxante, deixando que o corpo faça o que precisa (e sabe!) fazer. Intervenções médicas? Só quando necessário ou a mulher quiser. “Isolar a mulher, mantê-la deitada contra a sua vontade, obrigá-la a ficar em posição ginecológica, forçá-la ao jejum, realizar exame de toque sem necessidade são ações que podem inibir a ocitocina e provocar a necessidade de outras intervenções”, explica Guimarães. Situações que provocam medo e insegurança aumentam a liberação de adrenalina, que antagoniza a produção da ocitocina nas primeiras fases do trabalho de parto, quando acontece a dilatação.

As intervenções médicas em excesso diminuem as chances de a mulher ter um parto normal, segundo um estudo publicado em 2018 no jornal científico britânico BMC Pregnancy and Childbirth. Os pesquisadores reuniram respostas de quase 6 mil mulheres que deram à luz na Austrália. De todas as participantes, 28,7% tiveram parto normal e as taxas de sucesso foram associadas a práticas como deixar a mulher se movimentar livremente, não estourar a bolsa ou fazer indução artificial, não obrigá-la a ficar deitada e não monitorar o bebê o tempo todo com aparelhos eletrônicos. E adivinhe o que faz a diferença quando isso tudo acontece? Pois é. A inibição da ocitocina.

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À primeira vista

Enquanto as contrações ganham intensidade e o trabalho de parto avança, você está mais perto do momento tão esperado, em que poderá, finalmente, segurar seu bebê nos braços. No pós-parto imediato, é a ocitocina, em alta no corpo da mãe e já presente também no do bebê – já que é compartilhada no trabalho de parto por meio do cordão umbilical –, a responsável pela sensação de reconhecimento, de atração pelo cheiro, de bem-estar e de conexão, permitindo, desde o começo, o estreitamento do vínculo. É por meio desse contato inicial entre mãe e filho que se estabelece a primeira relação social do ser humano, quando se criam os alicerces para relações futuras.

E a ocitocina ainda tem outra função nesse momento. “Após o parto, ela promove contrações eficazes, que diminuem o risco de hemorragia”, ressalta a obstetra Andrea.
Vale lembrar que o parto natural libera mais ocitocina do que a cesárea. Segundo o estudo Oxytocin Effects in Mothers and Infants During Breastfeeding (“Os efeitos da ocitocina em mães e crianças durante a amamentação”), realizado na Suíça, bebês nascidos de parto normal recebem até 50% mais dessa substância do que os que nascem via cesárea. Mas quem entra em trabalho de parto e precisa de intervenções farmacológicas ou até de uma cesárea intraparto também recebe uma dose do hormônio na corrente sanguínea, embora menos intensa. Por isso, o contato pele a pele é essencial nos primeiros momentos de vida, seja qual for o tipo de parto. “Isso ajuda, por exemplo, a reduzir o principal risco de quem precisa de cesárea agendada: a chance aumentada de hemorragia materna”, diz a doutora em Ciências Biológicas Cristina Bertoni Machado, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que também é consultora em amamentação.

No Brasil, em 2017, 56% dos nascimentos foram via cesárea, e 44% de parto normal, de acordo com o Ministério da Saúde, que não registra quantos desses partos normais foram induzidos. A ocitocina está, nesse contexto, ausente na maioria dos nascimentos. “Como não há produção, a mãe e o bebê não recebem a descarga hormonal e o útero não contrai naturalmente”, completa Cristina. Nesse caso, é aplicada a ocitocina sintética.

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E ainda tem mais um trabalho para a ocitocina no pós-parto imediato: ela estimula uma vasodilatação do tórax materno, aquecendo naturalmente o bebê no colo. “Isso ajuda na adaptação da mãe à nova fase e no estímulo aos cuidados com o recém-nascido e ao aleitamento”, ressalta a obstetra Andrea. Sem contar que o hormônio liberado durante a amamentação faz com que a mulher sinta cólicas nos primeiros dias após o nascimento: “É o útero se contraindo”, diz Alberto.

CF304-OCITOCINA (Foto: Getty Images/Caiaimage)

(Foto: Getty Images/Caiaimage)

Hora de mamar

A amamentação, aliás, é outra aliada na produção de ocitocina. Ela não produz o leite materno, mas, ainda assim, é fundamental no aleitamento. A sensação de sucção do bebê provoca impulsos elétricos no seio materno que chegam até o cérebro, responsável por liberar a ocitocina. O hormônio, então, segue pela corrente sanguínea até se alojar nas células das glândulas mamárias, que empurram o leite pelos ductos. Por conta da função neurotransmissora, o hormônio provoca a liberação do leite não só pelo contato da boca do bebê com a aréola e o mamilo, mas também por outros sentidos. “Ele pode ser estimulado pelo olfato e pela visão. Nas primeiras semanas, é comum, por exemplo, que o leite saia quando a mãe sente o cheiro da roupa do filho ou vê uma foto dele. Também não é raro que comece a vazar instantes antes de o bebê acordar. “Isso acontece devido à troca entre ambos. O bebê ingere ocitocina, e mais uma série de hormônios pelo leite materno. Essa ocitocina, somada à que é produzida pelo contato, reforça o vínculo”, explica Cristina.
Nas mães que amamentam, a liberação de ocitocina reduz a ansiedade e os níveis de cortisol, hormônio associado ao estresse, e aumenta a interação social, segundo uma pesquisa feita em 2018 em Leipzig, na Alemanha. Isso explica o estímulo à busca por grupos de apoio formados por outras mães –  o que ajuda a combater a famigerada solidão materna.

Bom para eles também

E as vantagens não ficam restritas à dupla mãe e filho. A participação do homem no pré-natal, na gravidez e no parto contribui para a liberação de ocitocina, promovendo o vínculo afetivo e estimulando áreas do cérebro responsáveis pelos cuidados primitivos com o bebê. A influência do hormônio continua, ao longo da relação entre o homem e a criança. Estudos mais recentes, feitos na Universidade Livre de Amsterdã (Holanda), demostram que pais que brincam com seus filhos apresentam mais ocitocina. É uma via de mão dupla: quanto mais interação entre pai e filho, mais ocitocina é liberada no organismo deles. Por sua vez, esse aumento do hormônio estreita a relação e estimula a vontade de brincar mais.

Sendo assim, tanto para as mães que não liberam ocitocina no parto quanto para os pais que não passam por transformações no corpo, fica o recado: o hormônio é produzido ao longo da vida em diversos momentos e pode ser estimulado de várias formas, seja para criar laços com a mãe e o pai, seja para a primeira interação com o leite materno. Quanto mais temos, mais produzimos e liberamos. É amor que se multiplica.

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