• Andressa Basilio
Atualizado em
precisamos falar sobre a dpp (Foto: Courtney Keating/Getty Images)

(Foto: Courtney Keating/Getty Images)

“Minha filha nasceu. Eu não desejava aquela criança, mas desejava. Não a amava, mas amava. Queria cuidar, mas não queria. Uma sensação horrível!” “Voltei da maternidade e só conseguia pensar que minha vida acabara. Minha liberdade, meu sono, tudo o que eu mais gostava, não faria mais.” “Eu não a reconhecia como filha, só queria que ela sumisse dali.

Os depoimentos acima pertencem a três mulheres que integram o grupo de Facebook Relatos da Depressão Pós-Parto. É ali, no espaço virtual, que muitas delas encontram o conforto que o mundo offline nem sempre oferece.

Se você se sentiu desconfortável ao ouvir uma mãe relatar que pensou em fazer mal ao rejeitou o próprio filho, saiba que, para essa mulher, é ainda mais difícil dividir esse sentimento com quem quer que seja. Vem o medo do julgamento, de ser considerada uma mãe ruim ou fraca. Vem também a culpa, claro. Como assim, não está feliz com um bebê lindo e saudável nos braços? Até que essas mulheres percebam que estão doentes, já sofreram muito sozinhas, aprenderam a esconder os sintomas e a conviver com a angústia de não serem as mães que gostariam – e ainda colocam o bebê em risco.

Mais comum do que parece
 a Depressão Pós-Parto (DPP), como a maioria dos transtornos psiquiátricos, ainda carrega o estigma de tabu, o que causa preconceitos e emperra a busca por ajuda. Embora pouco falada, está longe de ser incomum: mais de 25% das mães brasileiras têm sinais de DPP, como apontou a pesquisa sobre fatores associados à depressão pós-parto no Brasil, feita com cerca de 24 mil mulheres de todo o país e conduzida por Mariza Theme, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fiocruz (RJ). “Qualquer mulher pode desenvolver a doença, mas a prevalência é maior em quem tem antecedentes de transtorno mental (incluindo depressão), vulnerabilidade socioeconômica, gravidez indesejada ou histórico de traumas e violência doméstica”, afirma. E quem já teve DPP em uma gestação está mais suscetível na próxima.

Outros fatores de risco passam por falta de suporte ou apoio familiar, ansiedade intensa, histórico de transtorno pré-menstrual, infertilidade, abortos ou perdas gestacionais e até problemas de saúde, como hipertensão ou diabetes.

Com a pastora Elisa Evans, 30, foi uma combinação de circunstâncias: histórico de tristeza repentina e sem explicação, parto traumático e mudança de país. A gestação de Dylan foi desejada, mas os problemas começaram no parto, quando, por medo, Elisa dispensou a anestesia peridural. “Eu não conseguia fazer força por causa das dores que sentia e o médico teve de retirar Dylan com fórceps, que me causou uma laceração de 5 cm no reto.” Além de ser suturada por duas horas sem anestesia, Elisa ficou cinco dias internada alimentando-se apenas de soro.

“Quando voltei para casa, me arrependi por ter tido aquela criatura que me machucou tanto. Só conseguia chorar e desejava que tudo se acabasse.” Para piorar, os três foram morar na Argentina, longe da família, por conta do trabalho do marido. “Não tinha com quem dividir minhas angústias. Minha fé e a compreensão do meu marido me ajudaram. Lá pelos 6 meses do Dylan eu fui percebendo que o amava e não podia culpá-lo por aquilo que sentia. Hoje, um ano e meio depois, estamos bem na maior parte do tempo e até considero ter outro filho.”

dpp tratamento exclusivo (Foto: Courtney Keating/Getty Images)

(Foto: Courtney Keating/Getty Images)

Quais são os sintomas da DPP?

Ficar um pouco triste depois do parto é normal e esperado. Estima-se que 80% das mulheres tenham o chamado baby blues, certa melancolia que aparece nos primeiros dias do bebê em casa, dura no máximo um mês, e tem mais a ver com a adaptação física e emocional à nova realidade, além das alterações hormonais bruscas que o corpo sofre nessa fase. Mas a Depressão Pós-Parto vai além tanto na intensidade quanto na duração dos sintomas, geralmente notados de quatro a seis semanas após o parto e que podem se arrastar por um ano (ou mais, em alguns casos). Ansiedade, irritabilidade, mudanças de humor, cansaço e desânimo persistentes estão no topo da lista de indícios, que também passam por diminuição de apetite, insônia e sensação de incapacidade.

Segundo o obstetra Marcelo Nomura, do centro de assistência à saúde da mulher e do recém-nascido da Universidade de Campinas (Unicamp), é preciso atenção para diferenciar a DPP dos sintomas comuns do puerpério, como fadiga e alteração de sono. “A suspeita vem com comportamentos atípicos, como a preocupação excessiva com a saúde do bebê, falta de vontade de levantar da cama ou perda acentuada de peso em pouco tempo.”

Três meses após o nascimento da segunda filha, a secretária Stéfani Guimarães, 26, mãe de Heloíse, 6, e Fernanda, 3, notou que sua irritabilidade estava incomum, sempre acompanhada de tremedeira. Além disso, emagreceu e perdeu cabelo. O balde transbordou numa noite em que estava sozinha com as filhas. “Eu me desliguei de mim. Um filminho na minha cabeça mostrava que, para fazer as meninas dormirem, eu tinha de colocar um travesseiro no rosto delas. Saí correndo e fiquei no quintal, aos prantos, até meu marido chegar.” Stéfani fez psicoterapia e usou medicamentos por quase um ano e está voltando aos poucos à rotina, ainda com medo de recaídas. Mas não tem vergonha de falar sobre isso. “Dividir experiências vai diminuir o preconceito contra a doença”, acredita.

dpp mae e filho (Foto: Courtney Keating/Getty Images)

(Foto: Courtney Keating/Getty Images)

Apoio da família é fundamental

Apesar do nome “pós-parto”, já se sabe que os sintomas da DPP podem começar ainda na gestação, período de intensas modificações biológicas, psicológicas e sociais, como aponta a enfermeira e psicóloga Erika de Sá Abuchaim, professora do Departamento de Enfermagem em Saúde da Mulher da Universidade Federal de São Paulo (Unisfesp). “A gravidez é um momento de crise no desenvolvimento maturacional da mulher e, portanto, há maior risco de desenvolver depressão, especialmente para aquelas que já tiveram algum histórico”, diz. Por isso, países com uma política de saúde mental perinatal, como Nova Zelândia, Estados Unidos e Suécia, já adotam o rastreio sintomático da depressão na gestação e no pós-parto, o que ajuda no diagnóstico precoce e minimiza os riscos de agravamento. No Brasil, isso ainda não acontece, por isso a família é parte fundamental no processo de reconhecimento da doença e deve oferecer apoio para que a mulher compartilhe o que está sentindo, além de ajudar na identificação das alterações de comportamento. “Muitas vezes são os maridos que contam aos médicos o que se passa com as mulheres, por isso é importante que eles não menosprezem os sintomas da parceira”, defende Nomura, da Unicamp. Uma vez reconhecido o problema, é hora de partir para o tratamento, geralmente feito com a combinação de psicoterapia e antidepressivos. “Hoje temos medicações seguras e as mulheres podem continuar amamentando sem danos ao bebê”, completa.

Os especialistas alertam sobre o risco do problema voltar. “A DPP é um transtorno multifatorial, sendo assim, o tratamento psicológico e psiquiátrico pode levar à remissão de sintomas, mas não devemos falar em cura. Quem teve depressão deve estar sempre atenta aos momentos que podem ser gatilhos para que a doença se manifeste novamente”, diz Erika, da Unifesp.

nome do bebê (Foto: ThinkStock)

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O tratamento no início é importante também para evitar complicações para os bebês. Desatenção, descumprimento do calendário de vacinação e dificuldade para amamentar são algumas das implicações instantâneas, mas as consequências podem ir além. Um estudo britânico recente realizado com 10 mil mães descobriu que as mulheres diagnosticadas com depressão pós-parto têm duas vezes mais chances de ter filhos com problemas comportamentais e propensos a desenvolver transtornos psicológicos na adolescência.

A conselheira pedagógica Flavia Arante notou, na escola onde trabalha, em São Paulo, que crianças cujas mães tiveram depressão pós-parto apresentam menor desempenho motor, dificuldade de aprendizagem e de relacionamento interpessoal. O assunto virou tema de seu mestrado, defendido pela Universidade de São Paulo (USP) em 2017. “Entrevistei 600 mulheres diagnosticadas com DPP. Durante minha pesquisa, descobri que elas possuem menos confiança para desempenhar seu papel materno e, por causa disso, têm menor vínculo com seus bebês e os estimulam menos”, diz. Há, ainda, a dificuldade de estabelecer laços importantes para o desenvolvimento psíquico da criança. “O vínculo ajuda no desenvolvimento da saúde emocional do bebê”, explica a psicóloga perinatal Luciana Rocha, de Brasília, idealizadora dos projetos Tons da Maternidade e do Pré-Natal Psicológico online.

Mas não custa lembrar que a responsabilidade sobre a criança não cabe somente à mãe. Uma rede de apoio para cuidar das crianças (e dela própria) é fundamental no puerpério para todas as mães.

E, afinal, existe algum tipo de prevenção? Segundo Luciana, além de um acompanhamento pré-natal de qualidade, há algo que todos nós podemos fazer: desconstrução social da imagem romantizada e perfeita da maternidade. “Cuidar da mulher, permitir que ela se conheça, reconheça suas limitações e valores e se empodere para exercer uma maternidade possível, livre de julgamentos, ajudam muito”, define. “A maternidade engloba tanto alegrias e conquistas quanto tristezas e fracassos. E é sobre isso que precisamos falar sempre.”

Existe medicamento para DPP?

Em abril deste ano, a empresa norte-americana de biotecnologia Sage Therapeutics anunciou estar na fase final de testes de um medicamento específico para a DPP, que tem o potencial de estimular a produção de neuroesteroides cerebrais com efeito calmante e ansiolítico. A expectativa é que ele chegue ao mercado em 2019. Segundo o CEO Jeff Jonas, um tratamento exclusivo para a DPP vai ajudar a diminuir o estigma da doença e, consequentemente, levar mais mulheres a conversarem com seus médicos.

pai segura bebê no colo (Foto: Thinkstock)

(Foto: Thinkstock)

Homem pode ter depressão pós-parto?

A Depressão Pós-Parto (DPP) não é exclusividade feminina. Um estudo da Suécia mostrou que nos últimos dez anos uma parcela significativa de homens tem sofrido com a transição para a paternidade. Cerca de 28% dos 447 pais pesquisados apresentaram depressão de grau leve e 4% de grau moderado, com sintomas como irritação, raiva, trabalhar muitas horas e alto consumo de álcool. “Embora bem menos frequente e sem as mesmas pressões que incidem sobre a mulher, a mudança na dinâmica familiar também afeta o homem. É algo que merece atenção”, alerta o obstetra Marcelo Nomura, da Unicamp.

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