Violência de Gênero

Por Megan Norris, de Marie Claire Austrália, Com Tradução de Camila Cetrone, de Marie Claire Brasil


Filicídio de vingança: o crime em que pais matam filhos para se vingar de mulheres — Foto: Getty Images
Filicídio de vingança: o crime em que pais matam filhos para se vingar de mulheres — Foto: Getty Images

Quando Ingrid Poulson terminou seu casamento com seu marido abusivo, Phitak Kongsom, em 2003, ele deixou um bilhete ameaçador em seu carro. Kongsom dizia que iria se matar e que a levaria com ele. Quando ficou claro que ela não voltaria para a casa deles em Sydney, ele enviou uma carta avisando que ia causar "muito sofrimento" a ela. No fim, ele infligiu uma punição mais chocante do que matá-la ou se matar. Ele matou seus dois filhos.

"Nada supera o crime de filicídio retaliativo, quando um homem mata o filho por vingança à ex-companheira", diz a criminologista Judy Wright. "A mãe sobrevivente vive com a culpa de que seus filhos foram mortos para pagar pelo término do relacionamento. É a punição mais agonizante que um homem pode infligir a uma mulher."

Tragicamente, embora os homicídios em geral na Austrália pareçam estar em declínio, os filicídios não estão. Em 2019, um estudo de 238 assassinatos de crianças, que aconteceram entre 2000 e 2012, mostrou que, entre as que perderam a vida em assassinatos domésticos, 18% foram mortas por um pai biológico ou padrasto – e os perpetradores geralmente eram homens. Menos de um terço dos assassinos por vingança eram as mães biológicas das crianças.

Segundo um estudo do Filicide Research Hub, grupo das universidades australianas de Monash e Deakin, embora os assassinatos domésticos tenham diminuído na Austrália, a taxa de filicídios permaneceu mais alta do que no Reino Unido e no Canadá. E quando um motivo foi estabelecido para o crime, um dos principais fatores contribuintes foi uma separação recente.

[Nota de Marie Claire Brasil: Segundo um estudo de 2021 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e Unicef, 35 mil crianças e adolescentes foram assassinadas no Brasil entre 2016 e 2020. Ou seja, mais de 7 mil mortes de crianças a cada ano. As crianças de até 9 anos foram mais vítimas fatais de violência doméstica: 40% delas foram mortas dentro de casa, 33% eram meninas e 56% eram negras. Em 90% dos casos em que a vítima tinha 0 a 4 anos, o autor do crime era um conhecido da vítima.]

Um inquérito sobre as mortes de 2020 da recém-separada Hannah Clarke e seus três filhos apoiou isso e reforçou as descobertas do estudo: de que não são apenas as mulheres que estão em perigo quando a violência doméstica se torna letal.

A vice-corregedora do Estado de Queensland, Jane Bentley, foi informada de que nos dois anos desde que o ex-jogador de rúgbi Rowan Baxter jogou gasolina em Clarke e seus filhos (Laianah, 4 anos, Aaliyah, 6, e Trey, 3) e os queimou até a morte, as incidências desse método de assassinato dobraram; e mais agressores violentos estavam usando a mesma ameaça para aterrorizar famílias abusadas.

O caso também mostrou que, embora a separação seja conhecida por ser o momento mais perigoso para uma mulher, também é um momento perigoso para seus filhos, especialmente quando há disputas sobre acesso à casa.

Ao contrário de outras crianças assinadas, as jovens vítimas de homicídios retaliatórios nunca são os verdadeiros alvos de um pai indignado e enfurecido. Elas são danos colaterais em um crime em que o verdadeiro alvo é a mãe sobrevivente.

À medida que o estado australiano de Queensland se torna o primeiro a criminalizar o controle coercitivo (uma forma insidiosa de violência familiar), ainda não foi encontrada uma solução para crimes como esses. Mas algumas iniciativas positivas estão sendo feitas.

A fundação da família Clarke, Small Steps 4 Hannah, tem enfrentado os problemas desde a raiz, ensinando crianças nas escolas sobre comportamentos respeitosos e oferecendo programas a grupos de homens sobre violência doméstica e controle coercitivo. Também financia a construção de alojamentos para mulheres que fogem da violência familiar, enquanto outras instituições de caridade (como Hearts of Purple e Friends with Dignity) ajudaram a fornecer alojamento de emergência. Dois postos de polícia designados para violência doméstica também foram abertos na cidade de Brisbane.

Mas há um longo caminho a percorrer. Enquanto uma mulher australiana morre a cada semana pelas mãos de um parceiro íntimo ou ex-parceiro, e outras 10 são hospitalizadas todos os dias com ferimentos por violência doméstica, parece que as lições não estão sendo aprendidas.

Mulheres que tiveram seus filhos mortos pelos maridos por vingança

Dionne Dalton

Para seu eleitorado em Brisbane, o candidato do partido populista australiano One Nation Jayson Dalton, 32 anos, era um pai de família dedicado cuja agenda política incluía a luta contra a violência familiar. Mas atrás de portas fechadas, Dalton era um valentão imprevisível que rotineiramente batia e aterrorizava sua esposa, deixando hematomas que ninguém podia ver.

Quando a mãe de dois filhos finalmente fugiu de seu violento casamento de quatro anos, em 2004, teve um colapso e foi hospitalizada com o tipo de transtorno de estresse pós-traumático que os médicos normalmente observam em soldados que retornam do combate.

Quando Dalton soube que sua esposa estava no hospital, exigiu a guarda de Jessie, de pouco mais de 1 ano, e Patrick, de 12 semanas, confiante de que isso a forçaria a voltar para casa. Ele obteve a guarda temporária, mas perdeu sua tentativa de obter a guarda em tempo integral. E ficou furioso por só vê-los em finais de semana alternados.

Dionne passou o fim de semana na casa de sua mãe, preparando-se para o retorno das crianças, mas Dalton tinha outros planos. Nas primeiras horas da manhã de 25 de abril de 2004, ele sedou seus filhos e os sufocou com sacos plásticos. Ainda enfeitou Jessie com o anel de casamento de sua mãe e outras joias especiais, e o colocou ao lado do irmão na antiga cama do casal, escrevendo os horários de suas mortes na parede. Mais tarde, Dalton se deitou entre seus filhos sem vida e se sufocou também.

Quando o marido não retornou com as crianças, Dionne chamou a polícia, e seu padrasto a levou para sua antiga casa. "Desde o momento em que vi as luzes azuis piscando do lado de fora da minha casa, eu soube", diz Dionne, cujo colapso quando ouviu a notícia foi capturado por câmeras de TV.

Dalton havia passado o fim de semana procurando informações sobre suicídio online. "Às 8h30 daquela manhã, ele me enviou um bilhete de despedida por e-mail antes de ligar para o pai e dizer que ele e as crianças estavam prestes a dormir bastante", ela revela.

Os funerais passaram em um borrão enquanto Dionne se preparava para um Dia das Mães sem seus bebês. "Foi tão irreal. Simplesmente me senti completamente vazia", diz.

Em julho, determinada de que as vidas de seus filhos tinham que significar algo, ela se juntou à campanha da ativista pela proteção das crianças Hetty Johnston para dar voz às crianças no parlamento. Mais tarde, trabalhou com grupos de violência doméstica em Queensland.

Hoje, Dionne vive um casamento feliz com Glenn Fehring e é mãe dos adolescentes Sean e Melissa. "Sou abençoada por ter encontrado felicidade novamente", diz ela. "Mas a dor e a perda incessante nunca desaparecem. Nunca te deixam."

Filicídio de vingança: o crime em que pais matam filhos para se vingar de mulheres — Foto: Getty Images
Filicídio de vingança: o crime em que pais matam filhos para se vingar de mulheres — Foto: Getty Images

Michelle Steck

No Réveillon de 1993, Michelle Steck, 24 anos, fez as malas e deixou seu relacionamento abusivo de quatro anos com seu parceiro violento. As palavras que ele disse ecoaram em seus ouvidos. "Você vai pagar por suas ações, por muito tempo", ameaçou Kevin East, 34 anos.

Depois que ela saiu de casa com seus filhos – Kelly, de quase três anos, e Wesley, de sete meses –, a ameaça continuou quando East apareceu em sua nova casa ameaçando "pegá-la". "Quando ele descobriu que eu estava saindo com outra pessoa, se enrolou em plástico filme e apareceu na minha porta ameaçando se esfaquear", diz.

Sob o pretexto de ajudar com algumas instalações elétricas, o especialista em eletrônica escondeu dispositivos de escuta na nova casa de Michelle em Collie, grampeando seu telefone para poder espioná-la – como fazia quando estavam juntos. Mais tarde, ele se escondeu em seu telhado para monitorá-la mais de perto.

"Eu voltei para casa um dia e ouvi o barulho do meu vaso sanitário sendo descarregado", explica Michelle, que saiu e chamou a polícia. "Eles sentiram pena dele e até o deixaram usar meu chuveiro antes de prendê-lo." Ele foi liberado sem acusação, então Michelle obteve uma ordem de restrição, mas East continuou a observá-la de uma área florestal do outro lado da rua.

Em novembro, Kelly voltou de uma visita dizendo que seu pai tinha colocado um travesseiro sobre seu rosto enquanto ela comia um biscoito. O advogado de Michelle disse que a palavra de uma criança de três anos não seria considerada confiável. "Então temos que esperar até ele fazer algo?" ela gritou.

No domingo, 12 de dezembro de 1993, os piores medos de Michelle se realizaram quando East não devolveu sua filha. Em ligações acaloradas, Michelle disse que a polícia estava em sua casa esperando por ele. East havia fugido. Uma caçada nacional começou, e Michelle passou um Natal angustiante rezando pelo retorno seguro de sua filha.

Na verdade, Kelly havia sido levada para uma viagem de 200 km até um matagal perto do interior australiano. Às 3h15 do dia seguinte ao seu sequestro, East passou a mangueira do escapamento para dentro do carro, matando Kelly e a si mesmo. Seus corpos não foram descobertos até 10 de janeiro. "Ele escondeu o carro para tornar mais difícil encontrá-los e [escreveu] um diário da morte registrando os momentos finais de Kelly para aumentar meu sofrimento", diz Michelle. "A polícia me aconselhou a não ler."

No dia anterior à sua fuga, East havia enviado a Michelle gravações das músicas "My Michelle" e "Sweet Child O' Mine", ambas do Guns N' Roses, evidência de sua atitude possessiva.

Hoje, Michelle tem uma nova vida com seu parceiro de longa data, um ex-rival político que conheceu durante seu tempo na política local. Ela se tornou uma ativista na guerra contra a violência familiar. "A tragédia é que os sinais de alerta estavam sempre lá", ela diz, "e mesmo quando eu os agitava na cara das pessoas, ninguém ouvia até que fosse tarde demais."

Olga Edwards

Em 5 de julho de 2018, o planejador financeiro aposentado John Edwards estacionou seu carro perto da estação de trem de Pennant Hills, em Sydney, e esperou por sua filha. Ao contrário de outros pais que esperavam com motores ligados, prontos para levar seus filhos para casa após o trajeto escolar da tarde, Edwards não estava lá para dar carona à sua filha. Armado com uma pistola semiautomática Glock e pelo menos dois carregadores de munição de 10 tiros, Edwards, de 68 anos, estava em contagem regressiva para o assassinato.

Dois anos antes, a esposa de Edwards, nascida na Rússia, Olga, 35 anos, havia fugido de casa com seus filhos – Jack, 15, e Jennifer, 13 – para escapar do regime aterrorizante de abuso e violência que foram a base perturbadora de cinco dos seis casamentos anteriores dele.

Enfrentando mais um divórcio, Edwards rastreou sua família assustada. Furioso, bombardeou sua ex-esposa com ligações telefônicas abusivas e a perseguiu.

Quando Olga relatou a violência e perseguição à polícia, ele já havia se antecipado, avisando que ela poderia fazer falsas acusações contra ele para fortalecer sua reivindicação pela guarda. A polícia falhou em registrar ou investigar adequadamente as alegações de violência com as crianças feitas por Olga.

Em 2017, com a batalha pela guarda nos tribunais, Edwards solicitou múltiplas licenças de arma de fogo e se juntou a um clube de tiro local. Os eventos se intensificaram em abril de 2018, quando ele perdeu sua tentativa de obter a custódia compartilhada. Ele comprou duas pistolas de alto calibre para incluir ao seu arsenal. O alvo dele mudou para os filhos.

Mas primeiro teve que encontrá-los. Não está claro se Edwards contratou um detetive particular ou se perseguiu Jennifer. Mas, em julho, ele já sabia o caminho que faria depois da escola. Ele assistiu sua filha entrar em um ônibus e a seguiu para casa em West Pennant Hills, subúrbio australiano.

Gritando atrás dela até a entrada da garagem, Edwards a perseguiu até dentro de casa, onde ela fugiu para o quarto do irmão. Os dois, aterrorizados, tentaram se esconder sob a mesa de Jack. Edwards seguiu, abrindo fogo contra seus filhos encolhidos, que morreram de múltiplos tiros.

Quando Olga, que era procuradora, chegou em casa às 18h, o lugar era uma cena de crime. A polícia estava a esperando com a notícia devastadora de que seus filhos estavam mortos. "Meu marido é responsável por isso", ela lhes disse, sem saber que o assassino estava morto em sua antiga casa depois de se suicidar, atirando em si mesmo.

No local do suicídio, a polícia encontrou a arma do crime, cópias dos horários de trem de Jennifer e uma camiseta proclamando "Melhor Pai do Mundo". O inquérito ouviu que Edwards era um valentão temido por seus 10 filhos e por seis de suas sete ex-esposas.

Em suas conclusões, divulgadas em 2021, a Corregedora do Estado de NSW, Teresa O'Sullivan, descobriu que falhas sistêmicas da polícia, do Tribunal de Família e do Registro de Armas de Fogo de NSW haviam contribuído para as mortes de Jack e Jennifer Edwards.

O Registro de Armas de Fogo falhou em realizar verificações de antecedentes para uma licença de arma. A Polícia de NSW falhou em investigar as reclamações de Olga sobre perseguição e violência. E o Tribunal de Família falhou em proteger as crianças.

Tragicamente, foi tarde demais para Olga Edwards. Ela ficou tão desolada por sua perda que tirou a própria vida antes que o inquérito fosse concluído.

Este artigo é um extrato editado do livro Look What You Made Me Do: Fathers Who Kill, de Megan Norris (Olha o Que Você Me Fez Fazer: Pais que Matam, em tradução livre. Não publicado no Brasil).

Se essas histórias levantaram preocupações, busque ajuda. Caso esteja sendo vítima de violência ou conheça alguém que viva nesta situação, ligue 190 ou 180. Aqui, um mini guia de serviços públicos que oferecem ajuda para mulheres vítimas de violência.

Este artigo foi originalmente publicado em Marie Claire Austrália, com contextualizações feitas por Marie Claire Brasil.

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