Ao menos cinco projetos de lei foram criados desde janeiro de 2023 para proteger mulheres de violências sexuais e machistas em espaços de lazer como bares, clubes noturnos e restaurantes. Duas ações também foram movidas em duas cidades brasileiras para articular a criação de um protocolo semelhante ao "No Callem". Instituído em 2018 em Barcelona, o protocolo espanhol foi aplicado no caso Daniel Alves, que está preso e foi acusado de ter estuprado uma mulher de 23 anos dentro de uma boate.
O Brasil não conta com legislações específicas para amparar mulheres que foram agredidas em espaços de lazer. Quando esse tipo de proteção existe, faz parte de iniciativas de estabelecimentos privados. Portanto, a criação de um protocolo ou uma legislação específica otimizaria não só o atendimento à vítima como o encaminhamento do agressor à delegacia e a realização de denúncias; além de instaurar mais seguranças para mulheres nesses locais.
Só nesta quinta-feira (2), três novos projetos foram protocolados – dois a nível nacional e outro municipal, visando à cidade de São Paulo.
O primeiro é de autoria da deputada estadual Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que, se aprovado, vai obrigar “espaços públicos e privados de lazer a implementarem medidas de proteção de mulheres em situação de risco de violência sexual nas dependências de seus estabelecimentos”. Chamada Não Se Calem, tradução literal do nome do protocolo de Barcelona, a medida seria válida para todo Brasil.
O PL de Bomfim determina que as medidas também sejam implementadas em festas universitárias, museus, teatros, festivais de artes e shows, hotéis e hospedarias, entre outros lugares. Assim, esses espaços serão obrigados a fixar placas que informem os métodos de denúncia caso uma violência sexual aconteça, ter equipes capacitadas e contar com canais de denúncia, presenciais ou online.
O projeto da parlamentar também pede a instituição de medidas como: vigilância em áreas de baixa iluminação; paridade de gênero, diversidade sexual e raça no quadro de funcionários; acompanhamento de funcionários durante identificação, denúncia e deslocamento a atendimento médico; ação rápida por parte de autoridades policiais; e plena colaboração do estabelecimento na identificação do agressor. A estrutura do projeto é muito similar à do protocolo "No Callem".
+ Violência de gênero: Assédio, importunação sexual e estupro: entenda a diferença entre cada um deles
O outro projeto na Câmara é do deputado federal Duarte Júnior (PSB-MA), aliado do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. O texto segue as mesmas diretrizes do PL de Bomfim, incluindo o direito da vítima de ter acesso a informações sobre seus direitos e respeito à dignidade, privacidade, vontade e autonomia.
Já em São Paulo, a vereadora Silvia da Bancada Feminista (PSOL-SP) também protocolou nesta quinta-feira o projeto de lei nº 01-00016/2023, publicado no Diário Oficial do estado. Sob o nome Não Se Cale, o projeto quer instituir o mesmo protocolo contra violência sexual em espaços de lazer na cidade de São Paulo.
Entre as diretrizes descritas no texto estão a exposição de placas sobre o protocolo, disponibilizadas mediante assinatura de termo de compromisso dos estabelecimentos; treinamento a funcionários; prestação de suporte constante à vítima por parte do estabelecimento; oferta de acompanhamento até o embarque no carro ou transporte público; e evitar postura de cumplicidade diante do agressor.
Silvia estabelece que a legislação deverá ser interligada ao atendimento obrigatório e imediato a vítimas de violência sexual pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que determina a obrigatoriedade de instalações hospitalares oferecer pílulas de emergência, profilaxia, realização de exames de HIV, atendimento psicológico e tratamento de lesões genitais. Também quer conferir mais sustentação a outras iniciativas federais que preveem atendimento humanizado e notificação compulsória de casos de violência de gênero, por exemplo.
A vereadora Cris Monteiro (Novo-SP) também protocolou um PL na última terça-feira (31). A diferença, no entanto, é que, se o projeto de Monteiro for aprovado, a adesão por parte dos estabelecimentos não será obrigatória.
Na última segunda-feira (20), a deputada federal Maria Arraes (Solidariedade-PE) anunciou que, ao tomar posse no dia 1º, apresentaria um projeto de lei similar chamado Respeite o Não para padronizar o atendimento e acolhimento a pessoas vítimas de violências sexuais. O anúncio foi feito pela parlamentar em seu perfil no Instagram.
"Nós temos o direito de transitar em qualquer espaço sem medo e sem sofrermos nenhum tipo de violência. Ao instituir protocolos para acolher a vítima, identificar e responsabilizar o criminoso, contribuímos para coibir as agressões", escreveu na legenda do vídeo em que fala sobre o protocolo 'No Callem' e sua aplicação no caso Daniel Alves.
Além dos projetos de lei, parlamentares e órgãos passaram a se reunir para discutir e viabilizar a criação de protocolos que reforcem a segurança de mulheres nesses espaços.
No Piauí, uma comissão integrada por delegadas da Polícia Civil se reuniu com membros da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP-PI) para elaborar um regulamento similar ao "No Callem". O encontro foi motivado pelo assassinato de Janaína da Silva Bezerra, aluna da Universidade Federal do Piauí (UFPI) que, no último sábado (38), foi estuprada e teve o pescoço quebrado dentro de uma sala da instituição durante uma festa organizada por alunos.
Outra iniciativa para instaurar o protocolo foi movida pela deputada estadual Marina Helou (Rede-SP). A parlamentar iniciou conversas dentro da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) para conseguir estabelecer as mesmas diretrizes. Em diálogo com deputadas estaduais, entidades que representam estabelecimentos privados e organizações civis, as movimentações de Helou podem resultar em um projeto de lei ou protocolo que determine treinamentos para que funcionários possam identificar e agir em casos de violência.