Lu Neto é um nome conhecido na cena do skate brasileiro: ela foi duas vezes campeã brasileira na categoria masculina, quando ainda se identificava como homem. Faz nove meses que a catarinense começou sua transição de gênero e passou a se chamar Luiza-- o processo não tem sido fácil para a atleta, que anda na elite do street há 16 anos.
“Foi difícil iniciar a transição, mesmo que tenha sido um desejo antigo. Desde criança, sempre gostei de roupas mais femininas. Queria ter uma aparência feminina, né? Porém também iniciei minha carreira no skate cedo e sempre soube que quando eu fizesse a transição, muita coisa mudaria”, contou em entrevista com Marie Claire.
O medo de se assumir como uma mulher trans a segurou por muito tempo. Isso mudou quando entrou em um relacionamento que a fez se sentir segura o suficiente para “sair da bolha”. “Cheguei num momento também que não dava mais para seguir daquele jeito. Felizmente tive uma pessoa que me apoia muito e falou: ‘Tô aqui, pode pode ser quem você é. Eu te amo de qualquer jeito’”.
Após dar início ao tratamento com hormônios, Luiza pensou que seria um tipo de “Mulher-Maravilha”, por achar que mulheres trans têm uma “super força”. “Estava errada em pensar assim. Como não tinha tanto conhecimento, passei por uma endocrinologista que avisou que meu rendimento no skate iria cair. Mas não achava que seria tão drástico".
“No primeiro mês da transição eu entrei em depressão, não saí da cama. Só queria chorar e ficar no colo. Apenas consegui forças pra andar de skate depois e mesmo assim, não estava conseguindo direito. Comecei a culpar o shape, o tênis, a roda, troquei tudo que poderia até o momento que vi que não se tratava de uma peça, era eu quem estava mudando”.
As mudanças aconteceram também em seus treinos, que precisaram ser readaptados: “É algo que está sendo complicado para mim até hoje. Entrou num ponto que fiquei até meio frustrada, pensando se valia a pena ‘jogar’ fora minha carreira e tudo que eu sabia fazer.”
“Mas, vale a pena sim. Pois você sai de uma bolha para ser exatamente a pessoa que você nasceu para ser. É uma coisa que vem de dentro, aquela dor de se olhar no espelho e não se reconhecer”, avalia ela.
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'Recebi todas as pedradas possíveis'
Luiza teve apoio da Confederação Brasileira de Skateboarding (CBSk), que, em 2023, passou a usar as mesmas diretrizes do Comitê Olímpico Internacional (COI) para que atletas transgêneros pudessem participar de suas competições nas modalidades em que se identificam. Mesmo assim, a sua transição não foi bem aceita na comunidade do skate.
“Perdi todos os patrocinadores que eu tinha, sem exceção. Ninguém quis assumir um compromisso com com a imagem de uma pessoa transgênero, justamente pelo preconceito que a gente sofre. Então as marcas não querem se associar”, lamentou a atleta.
A skatista também revelou sua saída do Circuito Brasileiro de skate (STU). “Tive que sair porque quando transicionei não existia regras e leis para pessoas transgêneros no skate. Depois de cinco meses, o Comitê Olímpico lançou uma nova regra em que o seu hormônio é a sua categoria. Então, pessoas com hormônios femininos competem entre si e vice-versa”.
“Na época, a Confederação Brasileira me ligou, queriam que eu fosse o novo ‘rosto trans’ para mostrar essas regras. Foi uma repercussão muito grande, alguns gostaram, outros não. Ainda não sei se foi algo benéfico pra mim. Geralmente quando se é a ‘1ª algo’, você leva uma pedrada".
Desde que passou por essa decisão, Lu Neto trancou os comentários em suas redes sociais e tem feito menos presença online. “Recebi todas as pedradas possíveis, muita gente do skate parou de me seguir. Por outro lado, ganhei um apoio muito forte de mulheres que não competem. Já a parte que compete me surpreendeu, achei que não seria algo tão negativo, mas muitas queriam fazer boicote para eu não competir. São pessoas que eu considerava amigas, então está sendo algo bem difícil.”
O futuro no skate
Nas regras da CBSk, Lu teria que ter no mínimo um ano de tratamento hormonal para competir no Circuito. “Estarei apta a participar no meio do ano, mas como já aconteceram as outras etapas, eu não vou ter a vaga. Só no final do ano que terá a competição que dá a vaga para 2025, quando começa o circuito pré-olímpico”.
“Sinceramente, não sei muito o que esperar. Não estou pensando muito nisso agora porque uma hora a mente cansa de tantos comentários. Tenho algumas cirurgias para fazer no próximo mês e estou focada nisso, senão a gente fica maluca de verdade”, desabafa.
A catarinense espera ver como será a repercussão quando fizer sua volta às pistas, mas faz uma ressalva: “O Brasil é um país muito preconceituoso, temos que lembrar que é onde mais mata pessoas trans no mundo. Porém, estamos na luta para tentar mudar isso. A gente tenta conversar, só que não nos entendem. É difícil explicar para alguém que não passou por isso”, finaliza.