Dengue: como está o processo da vacina desenvolvida pelo Butantan, liderado por cientistas mulheres?

Imunizante produzido pelo Instituto Butantan foi premiado e tem cientistas mulheres em posição de destaque em seu desenvolvimento

Por Talita Fernandes


Em desenvolvimento desde 2009, a vacina tetravalente contra dengue rendeu um prêmio à equipe de pesquisadores do Instituto Butantan. O desenvolvimento do imunizante – que deve ser concluído em 2024 – é liderado por uma mulher, a professora Neuza Frazatti, que recebeu junto à sua equipe a 21ª Edição do Prêmio Péter Murányi.

A fachada do Instituto Butantan em São Paulo: celeiro de vacinas — Foto: Mateus Serrer/Comunicação Butantan

A premiação é oferecida anualmente pela fundação de mesmo nome para trabalhos científicos que beneficiem o desenvolvimento e bem-estar das populações abaixo do paralelo 20 de latitude norte, como o Brasil. Ao receber a premiação, Frazatti disse à Fundação Carlos Chagas (que compôs o júri) que “a vacina é um produto que evidencia, sobretudo, a capacidade dos cientistas brasileiros”.

A premiação se dá junto com resultados positivos que vêm sendo encontrados até aqui. De acordo com dados do instituto, as pesquisas mostram uma eficácia de 79,6% da vacina para evitar a doença. Os pesquisadores destacam ainda a importância de outro dado, o fato de não ter havido nenhum caso grave de doença no período de dois anos, quando foram feitas testagens do imunizante com mais de 16 mil pessoas. Os números foram divulgados no fim do ano passado, parte da fase 3 do estudo clínico.

A dengue é considerada uma doença endêmica no Brasil. Ou seja, mesmo com variações ela está constantemente presente no país. Os médicos explicam que, embora muitas pessoas contraiam a doença de forma assintomática, preocupa o fato de a reincidência muitas vezes provocar as versões mais severas, como a dengue hemorrágica, que pode levar a óbito. Em março, o Ministério da Saúde divulgou dados preocupantes: um aumento de 53% dos casos de dengue desde janeiro de 2023. A Pasta fala em 404.485 casos prováveis e 117 óbitos registrados.

“A gente continua seguindo os participantes e o que queremos realmente é evitar que as pessoas tenham dengue grave”, explica a doutora Mônica Cintra, gerente de desenvolvimento clínico do instituto, em entrevista à Marie Claire.

Durante a conversa, a diretora médica do Butantan, Fernanda Boulos, destacou ainda a importância do momento em que a vacina chega à sua fase final de testes e desenvolvimento, acrescentando que muitos dos países do Hemisfério Sul passam por situação semelhante à do Brasil em relação à endemia da doença.

“Uma vacina para essa doença vem atender a uma necessidade de saúde pública no Brasil, tanto do nível individual, que é para diminuir a quantidade de pessoas que adoecem e que adoecem severamente, como do ponto de vista de saúde pública. Para diminuir a demanda no SUS, nos hospitais. Sabemos que a vacina não é um milagre, é preciso continuar lutando para não ter mosquito, porque [com a vacina] não se está falando em erradicação da doença, mas em controle”, explica Fernanda Boulos.

As médicas dizem que uma vacina como essa tem um longo período de elaboração e testagem por vários motivos. Um deles é o acompanhamento de grupos de testagem ao longo dos anos. Elas acrescentam que são quase 17 mil participantes e com acompanhamento deles ao longo de pelo menos cinco anos cada um. São divididos grupos de aplicação da vacina e de placebo e o acompanhamento ao longo do tempo permite entender a resposta imunológica à doença de forma separada nos casos de pessoas que foram imunizadas ou não.

A fase 3, que é a final, está em andamento desde 2016 e envolve voluntários de 2 a 59 anos, distribuídos em 16 centros de pesquisa em diferentes regiões do Brasil. A vacina foi aplicada em 10.259 pessoas (do total de 16.235 participantes) e as restantes receberam placebo.

“Estudamos tanto pessoas que já tiveram dengue, quanto as que não tiveram. A nossa vacina é de uma dose só e, por enquanto, não vai precisar fazer um reforço”, detalha Mônica Cintra.

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Ainda não há uma data para saber quando a vacina será disponibilizada para a população. Mas as pesquisadoras do Butantan explicam que, após o período de observação e acompanhamento dos participantes da fase 3, em julho de 2024, são necessários alguns meses de tabulação dos dados para a conclusão total da pesquisa. Depois que isso for feito, caberá à Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) analisar e aprovar a vacina antes de ela ser usada para o público em geral.

Questionadas sobre quem será o público-alvo da vacina, e se isso está em discussão com o Ministério da Saúde, Mônica e Fernanda respondem que todo o trabalho tem sido relatado para a Pasta. “Estamos construindo isso com o Ministério da Saúde. Já fomos para o Programa Nacional de Imunização apresentar tudo o que o Butantan vem desenvolvendo. E eles demonstraram um grande interesse em que isso seja feito em colaboração”, diz Fernanda.

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