Maria Casadevall sobre se assumir lésbica: 'Sempre enxerguei a minha atração por homens como regra e o meu desejo por mulheres como experiência'

Em entrevista a Marie Claire, atriz aprofunda motivo por trás de ausência nas produções televisivas, relembra jornada para se assumir lésbica e entrega importância pessoal por trás do seu ativismo pelos direitos das mulheres, comunidade LGBTQIAP+, fim da desigualdade social e veganismo

Por , em colaboração para Marie Claire — Rio de Janeiro (RJ)


Aos 36, Maria Casadevall expõe como heteronormatividade compulsória a fez se relacionar exclusivamente com homens cisgênero desde os 16 Gustavo Zylbersztajn

Maria Casadevall precisou de 31 anos para entender como a heteronormatividade compulsória afetava sua vida pessoal, ao ponto de acreditar que apenas um relacionamento heteroafetivo traria o que ela chama de "sucesso amoroso". Mas graças à sua inspiração em mulheres que mostraram outras possibilidades de amor, hoje, aos 36, ela ressignificou sua relação com a sexualidade e entende o quanto é importante mostrar o espaço de protagonismo que o amor entre mulheres ocupa na sua vida.

Em entrevista exclusiva a Marie Claire, a artista conta como foi esse processo de descoberta da sua sexualidade, como é viver um romance sáfico de forma pública e defender ativamente os direitos das mulheres, da comunidade LGBTQIAP+, dos animais e, também, o fim da desigualdade social.

"Desconforto" em relacionamentos com homens

A atriz, que ficou um tempo afastada das telas para mergulhar em uma jornada de autoconhecimento que a fez perceber questões relacionadas à sua vida pessoal, ainda refletiu sobre seu antigo relacionamento com o ator Caio Castro e com outros homens com quem se esteve no passado.

Maria Casadevall sobre relacionamento com Caio Castro e outros homens: 'Alguma coisa estava fora do lugar' — Foto: Gustavo Zylbersztajn

"Não sabia nomear, mas sabia que alguma coisa estava meio fora do tom, fora do lugar", destaca ao entender, hoje, como a pressão por um relacionamento heteronormativo a levou a se envolver de forma mais séria exclusivamente com homens cisgênero desde os 16 anos, apesar do desconforto que sentia nessas relações.

Monogamia é uma ferramenta capitalista?

A paulista, conhecida por ser uma grande defensora dos direitos humanos, também explicou como as pautas sociais que defende atravessam sua carreira e vida pessoal, ao ponto de questionar a monogamia de forma politizada. Nesse sentido, Casadevall, como de praxe, sugere discutir esse modelo de relacionamento de forma profunda, acreditando que é importante reconhecer como ele é uma prática que está à serviço da manutenção de uma estrutura capitalista e adoecida "que produz miséria em largas escalas".

No mais, se esse período recluso e introspectivo mostra mudanças na forma como ela pensa a sociedade, os modos de se relacionar e — por que não? — a própria vida, a atriz, que ganhou destaque ao estrelar a novela Amor à Vida, afirma que continua sendo a mesma jovem corajosa e disruptiva que conhecemos em 2013, sem medo de questionar padrões sociais e, mais que isso, a si mesma.

Maria Casadevall entrega reflexões em entrevista intimista após mergulho em jornada de autoconhecimento — Foto: Gustavo Zylbersztajn

Confira a entrevista na íntegra:

MARIE CLAIRE Em 2020, você fez sua primeira declaração de amor público a outra mulher, revelando sua não heteronormatividade. Em outra entrevista, contou ter se apaixonado por uma mulher aos 19 anos. Como foi esse processo de identificação até o momento em que engatou um relacionamento sáfico pela primeira vez e decidiu tornar isso público?
MARIA CASADEVALL
Na minha vida íntima, desde cedo percebi que me sentia atraída por mulheres também. Mas, por conta da heteronormatividade em que cresci inserida, sempre enxerguei a minha atração por homens como a "regra a ser afirmada", e o meu desejo por mulheres como uma "experiência para ser vivida".
Eu nunca reprimi [o desejo], mas mantinha ele à parte de qualquer reconhecimento, por nem cogitar que houvesse espaço ou possibilidade da homoafetividade assumir um lugar central na minha vida, tanto pessoal, quanto pública, e isso tem nome: heteronormatividade compulsória.
Só aos 31 anos, através de muito afeto e letramento, compreendi que era só mais uma vítima da estrutura que nos obriga a enxergar a heteronormatividade como via única para o "sucesso amoroso" e também compreendi toda a miopia social e distorção emocional que estavam pesando sobre as minhas escolhas afetivas.
Inspirada por muitas mulheres que vieram antes abrindo este caminho e, sobretudo, pelas minhas contemporâneas que estão ali zelando pelo que já tinha sido aberto — mas também, bravamente, abrindo caminhos ainda mais desconhecidos e interditados —, que entendi o quanto era importante pessoal, pública e politicamente que eu assumisse o quanto o amor entre mulheres, hoje, ocupa espaço de protagonismo na minha vida.

Maria Casadevall reflete sobre aceitação da sua sexualidade e importância das causas sociais para sua vida pessoal e carreira — Foto: Gustavo Zylbersztajn

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MC Antes de se assumir lésbica, chegou a namorar o ator Caio Castro. Como a pressão para se encaixar em um relacionamento heterossexual moldou suas relações com homens?
MC
Tive uma vida afetiva de relacionamentos com homens cisgênero (comecei a namorar aos 16), mas como não sabia identificar essa pressão, encarava com naturalidade o desconforto que vinha como consequência das minhas escolhas. Não sabia nomear, mas sabia que alguma coisa estava meio fora do tom, fora do lugar.

MC Em 2021, você assumiu o relacionamento com a musicista Larissa Mares. Como é a relação de vocês e como é para você se permitir viver um amor sáfico abertamente?
MC
Prefiro não comentar especificamente sobre minhas relações íntimas e afetivas, mas hoje reconheço o afeto também como uma bandeira política e como estruturas sociais, psíquicas e emocionais que também precisam ser revistas por todes nós neste novo levante histórico de tantas quebras de paradigmas.
Afinal de contas, a forma como aprendemos a nos relacionar está fundamentalmente construída sobre a mesma estrutura capitalista e adoecida que produz miséria em largas escalas e, para mim, questionar a monogamia de forma politizada, reconhecer que ela é uma prática que está à serviço da manutenção deste (cis)tema é um ponto de partida para começar a redefinir nossa percepção tão limitada e limitante sobre o amor e todas suas formas e frutos.

Maria Casadevall detalha processo de aceitação de sua sexualidade aos 31 anos — Foto: Gustavo Zylbersztajn

MC Até hoje, muitas artistas preferem manter sua sexualidade em segredo por medo da opressão e, também, de perder oportunidades. De onde você tirou a coragem para se assumir? E como foi esse processo em relação à sua família?
MC
Dentro do meu círculo familiar, sempre foi cultivada relativa liberdade e aceitação em relação às minhas escolhas. Não passei pelo clássico momento de me "assumir" para a família, pois, como eu já havia naturalizado a homoafetividade para mim, o reconhecimento deles foi se dando quase que naturalmente. Embora, de vez em quando o preconceito e/ou opressão venham disfarçados de cuidado e de zelo também.

MC Como isso aconteceu durante o período da pandemia e, logo em seguida, você quis seguir em uma jornada de redescoberta de si mesma, realizou poucos trabalhos desde então. Acredita que a sua orientação sexual possa impedir que você conquiste algum papel como atriz?
MC
Se impedir por este motivo, então este é um projeto ao qual eu não gostaria de me envolver.

MC O que você descobriu sobre si mesma depois dessa jornada em que mergulhou no autoconhecimento?
MC
Descobri que a jornada de autoconhecimento é uma caminhada de uma vida inteira — e não só um retiro ou um "mergulho". Que estar aqui é uma escola, desde o dia em que se nasce até o dia em que a gente vai embora deste mundo.

Maria Casadevall critica estrutura capitalista, patriarcal, branca e cisheteronormativa — Foto: Gustavo Zylbersztajn

MC Você atua ativamente pelos direitos da comunidade LGBTQIAP+, pelas mulheres, pelo fim da desigualdade social e tem um estilo de vida vegano. Qual é a importância de levantar essas bandeiras?
MC
A importância de levantar cada um desses debates e trazer visibilidade para cada um deles é, sobretudo, integrá-los como uma luta comum através do reconhecimento de que toda opressão vem como sintoma de uma única estrutura que coloca a vida à serviço do lucro e essa estrutura é capitalista, patriarcal, branca e cisheteronormativa em sua essência.

MC Você já protagonizou várias cenas nua, em filmes, séries e até novelas, como em Coisa Mais Linda e Rio Connection. Como é a sua relação com o seu corpo e a sua autoestima?
MC
Passei por muitas questões com a autoestima na adolescência, mas o teatro me ensinou muito sobre a reconciliação com meu corpo. Certamente o privilégio de meu corpo ser reconhecido socialmente como um corpo "bonito" ou "normal" também me ajudou nessa "tranquilidade" em relação à nudez em cena.

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Maria Casadevall sobre autoestima: 'Teatro me ensinou muito sobre a reconciliação com meu corpo' — Foto: Gustavo Zylbersztajn

MC De que forma você acredita que suas lutas, gênero e sexualidade se relacionam com o seu trabalho?
MC
Impor estes compartimentos à minha vida é outra ilusão, pois aqui tudo se mistura: minha vida pessoal é diretamente afetada pelas minhas escolhas profissionais e vice-versa. Ou seja, o pessoal é político, que é também afetivo, que é também espiritual e por aí vai...

Maria Casadevall: 'O pessoal é político, afetivo e também espiritual' — Foto: Gustavo Zylbersztajn
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