Cultura

Por Camila Cetrone, redação Marie Claire — São Paulo


Isis Valverde vive Ângela Diniz em filme sobre os últimos meses de vida da socialite, assassinada em 1976 por Raul "Doca" Street — Foto: Reprodução/Aline Arruda
Isis Valverde vive Ângela Diniz em filme sobre os últimos meses de vida da socialite, assassinada em 1976 por Raul "Doca" Street — Foto: Reprodução/Aline Arruda

Chega aos cinemas brasileiros no próximo dia 7 o filme Angela, cinebiografia que narra os últimos meses de vida da socialite e empresária Ângela Diniz que, em 1976, foi morta por seu então companheiro, o empresário Raul “Doca” Street.

O feminicídio de Ângela é um dos casos mais emblemáticos de violência contra mulheres no Brasil e reverbera até os dias de hoje – principalmente pela forma como escancarou a misoginia do Judiciário e da sociedade brasileira.

Com direção de Hugo Prata, responsável pela cinebiografia “Elis”, e roteiro de Duda de Almeida, de “As Aventuras de José e Durval” e “Sintonia”, o longa traz Isis Valverde na pele da socialite e Gabriel Braga Nunes como Raul.

O filme, que ganhou uma indicação na categoria de longas-metragens brasileiros no Festival de Gramado, onde fez sua primeira exibição, traz uma dramatização dos conflitos que Ângela enfrentou antes de morrer: a perda dos filhos após o desquite do primeiro marido, o julgamento que viveu por seu status de “femme fatale” e o ciclo de violência ao qual Raul a submeteu ao longo de 4 meses, antes de tirar sua vida.

"A ideia de falar desse recorte era de mostrar quem é essa mulher”, diz Duda a Marie Claire.

“Tem um movimento que não é só artístico, mas social, que busca humanizar essas vítimas para além da violência que sofreram e lembrar que elas tinham uma vida, família, sonhos. Independentemente da personalidade dela, nada justifica tirar uma vida”, continua a roteirista.

"Quando Hugo me convidou para viver Ângela, fiquei chocada. Minha mãe me contava que meu avô perseguia minha avó com a história dela. Ele dizia: ‘Matou mesmo, tinha que ter matado’. Sou de Aiuruoca, no interior de Minas Gerais. O interior é um meio muito machista, de um jeito escancarado. Ficam com pena quando nasce uma menina”, lembra Isis sobre o impacto da história na vida dela e de sua família.

O caso de Ângela Diniz já foi destrinchado no documentário Praia dos Ossos, podcast da Rádio Novelo — Foto: Reprodução/Acervo Estado de Minas
O caso de Ângela Diniz já foi destrinchado no documentário Praia dos Ossos, podcast da Rádio Novelo — Foto: Reprodução/Acervo Estado de Minas

Com pesquisa de Helena Dias, o roteiro foi feito com base em matérias jornalísticas, depoimentos de amigas de Ângela, os autos do processo e a biografia que Raul Street escreveu em que narra seu lado da história. “Me assustei com relatos de amigos dela que diziam: ‘Ângela também não era fácil. Se ele não matasse, outra pessoa mataria’”, conta Isis.

Duda diz ainda que foi usado o depoimento que ganhou pouca atenção da polícia na época: o da empregada de Ângela, testemunha ocular do crime. "Ela deu detalhes riquíssimos para entender a dinâmica desse casal. Falava, por exemplo, que Ângela era provedora da casa, que dava muitos presentes e que Raul gostava de presentes caros. Ângela gastava muito com ele, que a pressionava para que abrissem uma conta conjunta. Essa própria empregada chegou a ser agredida por Raul", descreve a roteirista.

Outra base de informação importante foi o podcast Praia dos Ossos, da Rádio Novelo. Lançado em 2020, o documentário em áudio faz uma reconstrução da vida de Ângela e Raul, do assassinato, do julgamento e da forte movimentação feminista que foi responsável pela condenação do empresário.

Construindo Ângela Diniz

Isis Valverde diz que não chegou a ser vítima de violência de forma tão intensa quanto Ângela. “Consegui parar antes. Quebrei no meio do caminho e acordei antes de deixar chegar no ponto que chegou para a Ângela”, conta. “Mas passei por situações constrangedoras, de homens passarem dos limites comigo: tentaram tocar meu corpo de alguma forma, sem eu autorizar aquilo. Me calei, cheguei em casa, chorei e pensei: ‘Por que não falei nada?’”, lembra.

Além dessa vivência e do estudo minucioso de fotos, vídeos e imagens de Ângela, Isis usou como força motriz para criar a personagem a “ancestralidade feminina” – explorando dores em comum entre mulheres, como o julgamento de seus corpos ou a forma como são podadas por desejarem coisas demais – e perdas pessoais – em pouco tempo, perdeu o pai, o tio avô, o cachorro e a melhor amiga. "Usei essa dor para retratar as perdas da Ângela: dos filhos, da proximidade da família, da dignidade”, conta.

"Entrei numa solidão muito grande e, nesse processo, vi na pele como esse agressor trabalha. Essas mulheres vítimas vão se vendo igual um bicho acuado, vão tentando fugir, mas chega uma hora que você não tem para quem falar, não tem quem ouve. Muitas têm vergonha", diz a atriz.

Isis Valverde: 'Me assustei com relatos de amigos dela que diziam: ‘Ângela também não era fácil. Se ele não matasse, outra pessoa mataria' — Foto: Reprodução/Aline Arruda
Isis Valverde: 'Me assustei com relatos de amigos dela que diziam: ‘Ângela também não era fácil. Se ele não matasse, outra pessoa mataria' — Foto: Reprodução/Aline Arruda

Angela é um filme atual, todas as questões tratadas ali a gente vive hoje na sociedade. Por isso aceitei o convite. Ele se soma com o que acredito, nas lutas das vozes que não são escutadas”, acrescenta.

No primeiro julgamento, a tese da legítima defesa da honra funcionou, e Raul foi absolvido. Ângela, por sua reputação “libertária”, foi revitimizada diversas vezes na corte e tida como culpada de seu próprio assassinato. Contudo, desencadeou uma forte onda de protestos de movimentos feministas no país, que chegaram a criar o slogan "Quem Ama Não Mata".

Após dois anos, o caso foi reaberto, e Raul foi condenado a 15 anos de prisão.

Toda movimentação após o assassinato foi imprescindível para poder tratar do ciclo de violências contra mulheres e o crime de feminicídio – mesmo que uma lei com esse nome, colocando-o como crime hediondo, tenha surgido só em 2015.

No entanto, essa parte da história fica de fora do longa, por mais que seja citado brevemente nas considerações finais.

De acordo com Duda, o motivo para isso está em não dar protagonismo para o feminicida: "No momento do julgamento, Ângela está literalmente ausente. Nunca pensamos em colocar isso no filme porque deixa de ser a história da Ângela."

A direção de um caso de feminicídio assinado por um homem também chama atenção. No entanto, a roteirista afirma que Prata “tinha muita consciência sobre ser um homem dirigindo um filme sobre uma mulher, e se preocupava com isso”.

“Existem cenas em que eu percebia que mostravam situações que, enquanto homem, Hugo não conseguia acessar totalmente – como quando Ângela não sabe qual esmalte passar, mesmo sendo muito vaidosa. Mas ele confiou em mim para contar esse aspecto. Rodou o filme totalmente como estava no roteiro e não tirou nada na edição."

‘Se não for minha, não vai ser de mais ninguém’

Duda de Almeida: 'Nunca pensamos em colocar o julgamento no filme porque deixaria de ser a história da Ângela' — Foto: Reprodução/Acervo Estado de Minas
Duda de Almeida: 'Nunca pensamos em colocar o julgamento no filme porque deixaria de ser a história da Ângela' — Foto: Reprodução/Acervo Estado de Minas

Para além de resgatar e consolidar a memória e a versão de Ângela enquanto vítima do crime, o interesse da equipe que assina o projeto é de alertar para o fato de que o caso de Ângela não é uma exceção.

Muito pelo contrário: em 2022, o Brasil registrou um feminicídio a cada 6 horas – um recorde no país. Foram 1.437 crimes, segundo o 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o que significa um aumento de 6,1%. Ao contrário de Ângela, no entanto, as que mais morrem são mulheres negras (61,11%) e pobres.

"Acho que Ângela é uma mulher comum, como qualquer outra. A questão é que ela tinha dinheiro. Ser rico na sociedade conta muito. As mulheres pobres não só morriam como o cara confessava que matou, dizia que a mulher traiu, ficava na cadeia um aninho e depois voltava para casa para tomar a cachaça dele", pensa Isis.

Assim, o interesse é de chacoalhar a estrutura machista que permite que mulheres continuem tendo suas vidas ceifadas. "O filme não entrega um discurso pronto, mas situações que cabe ao espectador elaborar o que é abusivo e violento. Percebo que esse filme causa um incômodo profundo, e enquanto algumas pessoas lidam com rejeição, outras ficam muito tocadas, se reconhecem ali", diz Duda.

“Ouvi histórias de mulheres que me contaram que o marido batia nelas, que tiveram de fugir com o filho... É como se você pegasse um espelho e, por meio da Ângela, conseguisse reconhecer que algum ponto ali na história é seu”, continua Isis.

“Acho importante bater na mesa, impactar e fazer as pessoas começarem a pensar. A arte ensina, e um país sem história é um país sem alma, sem passado, sem nada. Essa é a contribuição que a gente leva [com o filme].”

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