• Natacha Cortêz
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“Violência contra a mulher é assunto de homem. Digo isso porque esse problema é causado por eles e nunca vamos resolvê-lo se os próprios não se propuserem a se educar sobre o tema.” O entendimento é da linguista carioca Branca Vianna, 58 anos, a mulher que narra Praia dos Ossos, podcast sobre a história do feminicídio da socialite belo-horizontina Ângela Diniz.

Branca responde isso quando indagada sobre o perfil dos ouvintes do podcast – 72% são mulheres, dado que particularmente a entristece. “Queria que fosse ao menos 50/50. Porque eles é que estão perpetrando as violências contra a gente. E não são os loucos e perturbados, são homens comuns, da nossa convivência, muitas vezes por quem temos amor”, afirma. Por isso a importância de ter o público masculino entre seus ouvintes. “Nós, mulheres, nos educamos por força, porque aos 11 anos você já está sendo agarrada no ônibus. Os homens só são forçados a pensar em violência de gênero quando os agressores são eles mesmos ou alguém próximo.”

Branca Vianna (Foto: divulgacao)

Branca Vianna (Foto: divulgacao)

Branca cresceu impactada pela morte da socialite de 32 anos, ocorrida na Praia dos Ossos, em Búzios, no ano de 1976. Na época, a linguista tinha 14 e, embora não fosse afeita às histórias de crime (como não é até hoje), acompanhou a repercussão do caso na cobertura das revistas, que traziam fotos de página inteira da vítima. O crime fugia da trivialidade dos cadernos de segurança pública por dois motivos. Primeiramente, porque os envolvidos eram figuras de destaque da alta sociedade fluminense e, mais tarde, por causa do inacreditável julgamento do assassino, Doca Street. No processo, seus advogados usaram a tese da legítima defesa da honra como argumento. “Retrataram Ângela Diniz como culpada pela própria morte. Uma mulher que, com seu comportamento libertino, teria provocado no namorado uma ânsia assassina”, lembra Branca. “Muito machista, a imprensa da época comprou a tese com boa vontade. Mas, felizmente, a coisa mudou. Veja só a diferença na cobertura do caso Mariana Ferrer [ela se refere à repercussão da audiência em novembro deste ano].”

Outro detalhe do caso, exposto por Branca no podcast, é a relação da própria mãe com os protestos feministas que cobravam justiça por Ângela no fim da década de 1970. Seu ativismo fez com que os nomes de suas duas filhas (além de Branca, ela é mãe de Ana Vianna) fossem descobertos na assinatura de um manifesto que Flora Thomson Deveaux, pesquisadora de Praia dos Ossos, encontrou.

Com Isabela Teixeira da Costa, nos arquivos do jornal Estado de Minas (Foto: Divulgação)

Com Isabela Teixeira da Costa, nos arquivos do jornal Estado de Minas (Foto: Divulgação)


O crime contra Ângela Diniz ficou latente em Branca até o início de 2019, quando decidiu, depois de uma conversa com a amiga e então colega de trabalho na revista piauí, Paula Scarpin, transformá-lo em podcast. “Nossa vontade mais legítima era, para além do feminicídio, tratar um tema pouco debatido na sociedade brasileira. E essa história, que atravessou os anos e continua de grande importância para todas as mulheres, se mostrou perfeita.” Com Praia dos Ossos, nasceu a produtora Rádio Novelo, da qual Branca é presidente e fundadora, e Paula, diretora de criação.

A empresa, responsável por uma mudança de carreira para Branca, que passou 25 anos como intérprete simultânea de eventos, é, segundo ela, “explicitamente feminista”. E isso se reflete em seu quadro de funcionários – hoje com 32 colaboradores. “A gente criou a Rádio Novelo para ser uma empresa declaradamenre feminista. Não por acaso nossa equipe tem poucos homens, raríssimos deles héteros, e toda vez que abrimos uma vaga pensamos em mulheres, se possível, negras”, explica a fundadora, que dá outro exemplo de projeto autoral realizado pelo time, Retrato Narrado. Criado, apresentado e roteirizado pela jornalista Carol Pires, o podcast, que teve como parceiros comerciais o Spotify e a revista piauí, é uma investigação sobre as origens e os valores de Jair Bolsonaro. “Se o projeto fosse de um homem, não teria saído. Nossa prioridade é ter trabalhos liderados por mulheres ou por grupos sub-representados”, afirma Branca. A inclusão de mulheres na parte técnica é mais uma de suas exigências na produtora. “Quando se trata de TV e rádio, é comum que elas não façam parte disso”, diz. Ou, pelo menos, era.