Um Só Planeta

Por Jaquelini Cornachioni, Redação Marie Claire

"Nós somos a primeira geração a sentir os impactos da mudança climática e a última geração que pode fazer algo sobre isso". Essa frase foi dita pelo primeiro presidente negro dos Estados Unidos, Barack Obama, em 2015, durante o lançamento do Plano de Energia Limpa, com objetivo de reduzir as emissões de gases do efeito estufa no setor energético americano. Na época, o debate era sobre os desafios para combater o aquecimento global no futuro.

Quase 10 anos se passaram e seguimos lidando, diariamente, com notícias sobre a crise ambiental. No Brasil e no mundo, a Amazônia, maior floresta tropical do planeta, se tornou um dos assuntos mais comentados. Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, a taxa de desmatamento aumentou 59,5%, de acordo com pesquisa realizada pelo Prodes, que faz parte do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Ligar a televisão, o rádio ou acompanhar pela internet notícias sobre os efeitos do aquecimento global - agora em fase de ebulição - bem como sentí-los diariamente, fez um termo entrar em ascensão: ecoansiedade.

Essa palavra, criada pela professora de psicologia e estudos ambientais Susan Clayton, em 2017, é usada para descrever, de forma geral, preocupações e angústias graves com a situação do meio ambiente, o que pode gerar sintomas como perda de apetite e até síndrome do pânico.

Karina Penha, bióloga, educadora, socioambientalista e ativista pela justiça climática, ouviu o termo pela primeira vez em 2020 e define essa ansiedade como uma “sensação de impotência diante de todos os efeitos da crise climática, principalmente quando entendemos o quanto isso afeta a nossa vida”. Mas é fato que a ecoansiedade não atinge a população da mesma maneira.

Ambientalista Karina Penha — Foto: Arquivo pessoal
Ambientalista Karina Penha — Foto: Arquivo pessoal

“Lembro que um momento muito forte de ecoansiedade foi quando li uma notícia específica, de dois anos atrás, onde revelava que as mulheres negras são as mais afetadas pela crise climática, em especial as gestantes. Como mulher negra periférica, isso me gerou uma sensação muito ruim”, começa Karina.

“Quando pensamos em comunidades negras no Brasil, que estão nas periferias, sabemos dos inúmeros problemas que esse grupo enfrenta. É uma grande sobreposição de opressões: racismo, falta de acesso à mobilidade urbana, falta de espaços públicos verdes, falta de saneamento básico, entre outros. E, assim que entendi que a crise climática seria mais uma opressão em cima da população negra, fiquei ansiosa”, conta Karina, que é coordenadora de Mobilização da campanha Amazônia de Pé no NOSSAS e participa do Engajamundo, organização de liderança jovem que atua na conscientização sobre o meio ambiente.

O mesmo acontece com Amanda Costa, ambientalista e criadora do Perifa Sustentável, Instituto que mobiliza juventudes em prol de uma agenda de desenvolvimento sustentável a partir da justiça racial e ambiental. “A primeira vez que pensei em ecoansiedade foi durante a pandemia. Estávamos passando pela covid-19, mas a minha ansiedade não era apenas por esse motivo. Tem um colapso ambiental batendo na nossa porta. Foi quando escrevi um artigo sobre o tema e entendi mais o significado. A verdade é que a ecoansiedade está no nosso dia a dia. Na periferia, por exemplo, é uma grande preocupação quando chove. Não sabemos se vamos perder o nosso imóvel, o telhado da casa e tudo o que temos. Isso envolve até mesmo alimentação. O fato de um pé de alface custar mais de 4 reais, sendo que antes era vendido pelo valor de R$1, mexe muito com esse grupo, e a crise climática está dentro disso também.”

Amanda Costa — Foto: Divulgação/ Johnny Miller
Amanda Costa — Foto: Divulgação/ Johnny Miller

Alterações e desastres climáticas podem gerar traumas

O relato de Karina e Amanda vai ao encontro dos estudos da pesquisadora María Pastor-Valero, da Universidade Miguel Hernández de Elche, na Espanha. No congresso da Sociedade Espanhola de Epidemiologia, realizado em setembro deste ano, ela lançou ainda mais luz ao assunto.

María estudou como as mudanças climáticas eram percebidas por três grupos de jovens no Brasil: a população que vive nas periferias, dois estudantes universitários de classe média alta e um grupo de mulheres negras líderes comunitárias na cidade de São Paulo. Segundo conclusões iniciais, afeta mais jovens e mulheres do que homens adultos.

“Além disso, as populações mais vulnerabilizadas nos países mais pobres sofrem e sofrerão os maiores impactos das alterações climáticas com menor capacidade de resposta (...). Uma diferença é que os jovens estudantes universitários tendem a falar sobre o assunto de forma abstrata — não é uma experiência direta — enquanto as pessoas vulneráveis ​​contam as suas histórias pessoais sobre como as alterações climáticas afetaram as suas vidas. Por exemplo, os jovens que vivem em favelas contaram as suas experiências diretas com o impacto das alterações climáticas, como as suas casas desabarem durante as chuvas torrenciais ou como perderam familiares nas enchentes”, pontua María em entrevista ao Él País.

Uma pesquisa de 2014, feita na comunidade rural da Canafístula, no Ceará, mostrou a prevalência de transtornos mentais em 36% das pessoas. O principal motivo é a seca que atinge a região, que também afeta mais mulheres do que homens. “As mulheres têm uma relação mais direta com o meio ambiente. Por exemplo, no sertão do Brasil, elas estão mais ligadas à água, já que precisam lavar roupa e trazer água para casa. Esse é um processo que ouvi muito a minha mãe e avó contarem. Quando a seca chegava, isso afetava diretamente a vida delas”, fala Karina.

Segundo a psicóloga Gabriella Pessoa, as alterações climáticas e os desastres podem gerar traumas. “Acidentes climáticos afetam a vida das pessoas diretamente, a começar pela perda da qualidade de vida, além do que chamamos de quebra do ‘mundo presumido’. Este conceito criado por Collin Parkes, um psiquiatra inglês que constituiu muito sobre a teoria do Luto, explica o que acontece quando nos deparamos com um evento traumático ou um rompimento, que quer dizer que o mundo como conhecíamos antes não existe mais, ou seja, há a necessidade de refazer o modelo interno de mundo.”

“Um acidente climático afeta nosso senso de segurança e confiança - nosso sistema de crenças- no presente a partir da nova realidade que é literalmente um desastre. A depender da proporção e do que aconteceu diante do evento traumático: se perdeu casa, trabalho, relacionamentos, pessoas - se foi exposto ou não a outros estressores, é possível experienciar sintomas como: hipervigilância, dificuldade de concentração, preocupação, raiva, flashbacks, sentimento de culpa, ansiedade, dificuldade de se relacionar, entre outros. Muitos desses sintomas, vão passando conforme as pessoas vão se recuperando do desastre. Outros podem desenvolver transtorno de estresse agudo ou até transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Também pode ocorrer um maior nível de sintomas de ansiedade”, finaliza.

A ecoansiedade não se trata de uma patologia específica e foi apresentada pela American Psychology Association (APA — a associação de psicologia dos EUA) como um medo crônico. “Este termo abrange as questões das mudanças climáticas e a ansiedade sobre o impacto negativo que as mudanças climáticas podem causar. É comum escutar que o mundo não é mais o mesmo, ou mesmo preocupações e apreensões em relação ao futuro. Já me deparei com casos assim, bem como com pessoas que buscam se adaptar como por exemplo não querendo ter filhos, cuidando de ações como comer não comer carne entre outras ações, pensando no que o planeta pode vir a ser. Por isso a importância de trabalhar em ações e políticas que possibilitem o sentimento de esperança”, explica Gabriella.

A responsabilidade não deve ser individual

Apesar da ecoansiedade ser um assunto cada vez mais frequente nas redes sociais, Amanda Costa destaca que falar sobre meio ambiente ainda é elitizado. “Me aproximei com mais intensidade do debate climático em 2017, quando comecei a desenvolver um projeto de pesquisa na minha universidade sobre a agenda 2030, com ênfase no ODS 13, que é relacionado à ação climática. Então, surgiu a oportunidade de eu viajar para participar de uma conferência de clima da ONU na Alemanha. Consegui bolsa e ajuda com a passagem. Essa conferência foi, para mim, uma mudança de chave profunda. Eu me vi muito sozinha naquele espaço e comecei a questionar o motivo de não ter tantas mulheres negras e indígenas naquele ambiente.”

Até mesmo o termo, de acordo com Karina, pode ser considerado elitista. “A ecoansiedade não é algo que as pessoas vão conseguir identificar. Inclusive, acredito que, quem fala sobre isso com propriedade, é privilegiado por ter tanto acesso à informação.”

Mahryan Sampaio, Amanda Costa e Gabriela Santos — Foto: Divulgação/ Johnny Miller
Mahryan Sampaio, Amanda Costa e Gabriela Santos — Foto: Divulgação/ Johnny Miller

Foi pensando em tornar o debate sobre clima mais acessível que Amanda Costa, após a criação do Perifa Sustentável, em 2019, está focando no letramento em sustentabilidade através do projeto Clima de Quebrada, que aborda formação racial e climática. Além de Amanda, o Instituto também é liderado por outras duas mulheres negras: Mahryan Sampaio e Gabriela Santos.

“Temos que falar sobre isso em um megafone, trazer mais foco para a sustentabilidade e engajar outros jovens da periferia a se interessarem pelo tema. A pauta do meio ambiente também é uma questão política e precisamos de minorias dentro desses espaços”, fala Amanda, que reforça que, desde o início do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, o meio ambiente voltou a ser um tema de grande importância.

“Temos a possibilidade de fazer com que a nossa nação volte a ser uma liderança ambiental e utilizar o debate climático como essa plataforma. Não é à toa que o presidente bateu o pé para que a COP acontecesse no Brasil. E não é à toa que vai acontecer em uma região onde tem grande presença da floresta amazônica”, conta.

A responsabilidade pelo clima é, no entanto, um dever de toda a população. Karina finaliza falando sobre ações que podem ser tomadas tanto pelo governo, como pela população. “Precisamos de políticas públicas, além de trabalhar a saúde das pessoas que já estão sendo afetadas diretamente pela crise ambiental e todas as suas nuances e aspectos. Também temos que responsabilizar quem de fato tem culpa, como as grandes empresas, para garantir que, no futuro, não vamos ter esses efeitos em níveis macro. Como população, podemos nos comunicar. Quem já sabe sobre o tema, fale sobre com outras pessoas, e exigir que, nos planos de governo, eles abordem essas questões. Outra coisa é garantir que nenhuma discussão sobre o meio ambiente seja feita sem discutir justiça climática, que é a solução para combatermos a desigualdade e injustiças ambientais”, finaliza.

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