Os cinco estágios do luto, descritos pela psiquiatra suíço-americana Elizabeth Kübler-Ross em 1969, são conhecidos: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. No entanto, no Dia Nacional do Luto, celebrado nesta segunda-feira (19), Marie Claire ouviu especialistas que atestam: não existe fórmula sobre como lidar com uma perda.
Para Tom Almeida, fundador do movimento inFINITO e presidente do Instituto Ana Michelle Soares, o conceito desenvolvido por Elizabeth Kübler-Ross foi deturpado. A psiquiatra, expoente em cuidados paliativos, escreveu no livro Sobre a Morte e o Morrer experiências comuns a pacientes na fase terminal da vida. “Essa interpretação foi distorcida, como se o enlutado vivesse a mesma coisa. E não é”, afirma Almeida.
A palavra “estágio” contém a ideia de passo a passo, como se um degrau levasse ao outro e, no final, a pessoa alcançasse o objetivo — nesse caso, superar a dor de uma perda. “Os cinco estágios se tornaram tão populares, porque essas listas nos organizam. Mas o luto, ao contrário, nos desorganiza totalmente e não cabe em caixinhas”, diz ele.
A psicóloga norte-americana Mary-Frances O'Connor, autora do livro O Cérebro de Luto (Globo Livros) e professora da Universidade de Arizona, nos Estados Unidos, concorda. “Os estágios descritos por Elizabeth Kübler-Ross passaram a ser usados como uma receita de como o luto deveria ser. Pesquisas mais recentes mostram que, embora essas experiências de luto possam acontecer, elas não são lineares e ordenadas. A saudade tende a diminuir com o tempo e, simultaneamente, a aceitação tende a aumentar”, explica ela.
Como é o luto de verdade?
Um olhar mais contemporâneo aponta que o luto é um processo dual. Como num movimento pendular, o enlutado navega entre a dor e a reorganização da vida naquele novo contexto.
“Normalmente, as pessoas no início do luto estão mais ao lado do sofrimento associado à perda. Com o tempo, tende a ficar mais para o da reorganização. Mas, como é um pêndulo, uma data, um cheiro, uma música, um sonho ou uma comida podem deflagrar a volta da dor”, aponta o criador do movimento inFINITO.
O sofrimento decorrente de uma perda é individual e não acaba — ele se transforma. A saudade que, no início, dói muito, com o tempo desperta um sorriso no rosto.
Durante esse processo, a pessoa pode experimentar negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Mas também pode sentir alegria, alívio e culpa, tudo ao mesmo tempo. Estágios passam uma ideia de exclusão. O luto real, por outro lado, é inclusivo; tudo pode acontecer.
Mary-Frances O'Connor ressalta a importância de se permitir encarar a dor. “Tentar evitar o que estamos sentindo pode ser bom temporariamente em uma situação de trabalho ou durante uma reunião social. Mas, a longo prazo, isso nos impede de descobrir como essa perda está nos impactando agora e encontrar uma maneira de restaurar o sentido da vida”, atesta.
Segundo a psicóloga e pesquisadora, os cientistas estão começando a deixar claro que o luto é uma experiência emocional e também fisiológica.
“O luto geralmente vem com um aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial nas primeiras semanas e até meses (após a perda). Isso pode aumentar o risco de eventos como ataque cardíaco ou derrame. A pesquisa em meu próprio laboratório mostrou que encontrar maneiras de reduzir o estresse físico durante o luto pode ser muito útil”, afirma ela, diretora do Laboratório de Neurociência do Luto na Universidade do Arizona.
Muitas ferramentas podem ajudar uma pessoa a navegar pelas ondas de dor. Entre elas, estão conversas com amigos, práticas de esportes e visitas ao túmulo do ente que morreu. Se a pessoa fica estagnada na dor, a ajuda de um profissional de saúde pode ser útil.
Quando o luto não é por morte
De acordo com Mary-Frances O'Connor, pesquisas mostram que as pessoas classificam a morte de um ente querido como mais estressante do que qualquer outro evento da vida. No entanto, o pesar faz parte de muitos tipos de rompimento de vínculo, como o divórcio, a perda de um membro, a mudança de endereço ou a aposentadoria.
Tom Almeida aponta que a experiência costuma vir carregada de julgamento, como se o martírio fosse desproporcional ao fato em si. “Na verdade, a dor maior é a que a pessoa está sentindo naquele momento. O sofrimento não pode ser comparado ou hierarquizado”, afirma Almeida.