Um recente e polêmico artigo da revista New Yorker questiona: “O que está acontecendo com os homens? Eles estão se saindo mal na escola e no ambiente de trabalho, apesar de todos os recursos, das mesmas oportunidades e da até então superioridade masculina. Alguns conservadores atribuem a culpa a uma crise da masculinidade, mas os problemas – e suas soluções – são muito mais complexos”.
Entender por que os homens e meninos estão ficando para trás não é nada simples. Gostaria que ao menos explicar fosse fácil, ainda que algumas respostas ao problema viessem com um certo sentimento de vingança, como “bem feito”, ou “reparação histórica”. Só que para entender o que está acontecendo com esses homens – que vivem menos, se matam mais – é preciso olhar para a sociedade patriarcal dos últimos séculos, para a biologia, para a psicanálise, para a neurociência e, claro, para os meninos.
A crise há muito anunciada começa nas escolas, na nossa casa, na mesa de jantar ou café da manhã, na conversa com os amigos, na tela do computador, nos vídeos do TikTok. Agora, os meninos estão com notas mais baixas, uma porcentagem menor termina a escola e na graduação, nos Estados Unidos, já temos duas mulheres formadas para cada rapaz. Inclusive na área STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) um terço agora é mulher – até os anos 1990, praticamente não havia mulher nessas turmas.
No Brasil, os dados também não são animadores. No começo de 2020, ainda antes da pandemia – que prejudicou o desempenho escolar sem respeitar fronteiras –, já era sabido que as meninas têm mais sucesso na trajetória escolar. A partir do final do ensino fundamental, as mulheres vão ganhando terreno: representam 50,8% dos que terminam o 9º ano, que aumentam para 53,9% entre as matriculadas no 3º ano do ensino médio e 56,1% no ensino superior, chegando a 60,5% de formandas mulheres (dados do censo de educação básica em 2019).
A virada das mulheres nesses números foi rápida e expressiva. Estudos sociológicos já falam da “redundância masculina”. A masculinidade é frágil. A constatação não só dói como atrapalha: os homens seguem tendo oportunidades, só não conseguem aproveitá-las como antes.
No entanto, não se trata somente de uma crise indenitária, existem fatores evolutivos, biológicos e neurológicos contribuindo para que eles fiquem para trás. A economia do cuidado, enquanto atrapalhou a vida das mulheres significativamente, deixou um legado: mulheres se cuidam e vivem mais. Fácil não é, justo não foi, mas os dados de hoje justificam que a evolução seguiu seu curso.
Há estudos e livros que constatam que o gene XX é biologicamente superior, deixando as mulheres mais resistentes a doenças, mais cuidadosas e menos impetuosas, com isso menos violentas e suscetíveis. Ainda biologicamente, a tempestade de testosterona não ajuda os meninos na aprendizagem e nisso temos problemas cognitivos e mais atrasos.
Num experimento em que o hormônio foi administrado em homens e mulheres, notou-se, entre eles, um aumento da agressividade, abuso de substâncias ilícitas e hipomania e, entre elas, um aumento da impulsividade e dificuldade em reconhecer alguns aspectos emocionais que podem levar a um comportamento agressivo e antissocial.
Já há uma sugestão para os meninos terem um ano a mais no jardim de infância, atrasando sua conclusão ou iniciando a etapa mais tarde. Algo similar já é feito nos esportes, quando um atleta mirim não está 100% preparado para competir. Ele treina com os demais, participa, mas não joga oficialmente até estar de fato preparado. Enquanto isso, usa uma camisa vermelha que o diferencia dos demais.
Na escola, a experiência de atrasar os meninos se mostrou eficaz na redução do déficit de atenção, por exemplo, em que eles são campeões. Além da testosterona elevada, o córtex pré-frontal, área vital para a tomada de decisão e essencial ao analisar o comportamento dos adolescentes, desenvolve-se totalmente um pouco mais tarde nos meninos. E isso também pode estar a favor desse atraso para o bem: mais um ano de brincadeiras e amadurecimento para uma vida de menos dificuldade, e mais êxitos? Parece justo.
Enquanto Terra das Mulheres (Ed.: Rosa dos Tempos, 256 págs., R$39), de Charlotte Perkins Gilman, segue sendo uma utopia, é importante pensar nos meninos. Educá-los melhor é possibilitar que eles sejam homens melhores, e que tenhamos um mundo mais justo tanto para homens quanto para mulheres.