Carreira

Por Camila Cetrone


Natália Trindade, Raianna Farhat Fantin, Márcia Camargo e Ana Cláudia Sanches Baptista estão entre as 200 mil pessoas que tiveram a bolsa da Capes cortada em dezembro — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
Natália Trindade, Raianna Farhat Fantin, Márcia Camargo e Ana Cláudia Sanches Baptista estão entre as 200 mil pessoas que tiveram a bolsa da Capes cortada em dezembro — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Na última sexta-feira (9), a brasileira Ana Cláudia Sanches Baptista pôde viver uma das experiências mais almejadas por pesquisadores de todo o mundo: ela apresentou seu trabalho em um congresso na Universidade de Harvard. Estava em Boston, nos Estados Unidos, com outros pesquisadores brasileiros e divulgou seu projeto sobre racismo ambiental e justiça ambiental no Brasil. O que era para ser uma conquista se misturou com sentimentos de incerteza e medo. Durante a estadia, soube que sua bolsa da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que recebe desde 2015, poderia não ser paga em dezembro.

O anúncio veio por meio de mensagens e se concretizou quando uma colega viu que o valor, geralmente pago antes do 5º dia útil, ainda não havia sido depositado.

“Todo mundo começou a ficar desesperado. O dólar está altíssimo e muita gente veio [a Boston] contando com esse dinheiro”, conta a pesquisadora a Marie Claire. "Imagina estar num evento internacional, numa das universidades mais conceituadas do mundo e completamente abalada psicologicamente, sem saber se vai poder pagar as contas ou vai conseguir comer naquele dia", acrescenta.

Ana Cláudia é uma das mais de 200 mil pessoas que realizam mestrado, doutorado ou pós-doutorado no Brasil que tiveram suas bolsas congeladas após o governo de Jair Bolsonaro (PL) suspender, no último dia 1º, os pagamentos de dezembro ao MEC (Ministério da Educação). Foram bloqueados R$ 366 milhões que seriam direcionados a universidades e institutos federais. O governo federal chegou a anunciar que o valor seria repassado no prazo, mas voltou atrás.

O ministro da pasta, Victor Godoy, afirmou na última quinta-feira (8) que o pagamento será realizado nesta terça-feira (13), já que o MEC conseguiu a liberação de R$ 460 milhões para arcar com as despesas da educação. Em torno de R$ 50 milhões serão direcionados às bolsas da Capes.

Ana Cláudia Sanches Batista descobriu que não receberia sua bolsa da Capes em Boston, prestes a apresentar sua pesquisa na Universidade de Harvard — Foto: Reprodução/Acervo pessoal
Ana Cláudia Sanches Batista descobriu que não receberia sua bolsa da Capes em Boston, prestes a apresentar sua pesquisa na Universidade de Harvard — Foto: Reprodução/Acervo pessoal

Márcia Camargo conta que tem dúvidas sobre se vai receber o pagamento na data. "Tento manter a esperança, mas nem aparece no sistema ainda. Depois que entra nele são no mínimo 10 dias para cair”, diz. Mesmo que a promessa seja concretizada, Ana Cláudia afirma que a situação "abalou a saúde mental" e causou transtornos aos pesquisadores.

Durante esse tempo, elas foram mantidas no escuro e não receberam aviso prévio, tampouco algum suporte da Coordenação. Todas as notícias foram descobertas através da imprensa ou de grupos nas redes sociais.

Foi assim com Ana Cláudia, Márcia e ainda com Natália Trindade e Raianna Farhat Fantin, que também conversaram com Marie Claire para falar das consequências do congelamento da bolsa em suas vidas.

"Só entendi que não ia receber de fato quando a ANPG [Associação Nacional dos Pós-Graduandos] procurou a Capes e teve retorno que não havia dinheiro em caixa. Antes disso, ninguém nos avisou", lembra Natália.

Raianna é doutoranda em Infectologia e Medicina Tropical da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e trabalha com o desenvolvimento de vacinas para a malária vivax (doença que impacta especialmente o Norte do Brasil). Ela conta que pesquisadores responsáveis pelo seu laboratório enviaram e-mails em nome dos alunos para a Capes para questionar sobre o atraso. O retorno nunca veio.

A falta de respostas fez com que relatos começassem a surgir nas redes sociais, o que causou forte mobilização por parte de pesquisadores e da população brasileira. No Twitter, a hashtag #PagueMinhaBolsa figurava entre os assuntos mais comentados do momento ao lado de acontecimentos de grande proporção da última semana, como a Copa do Mundo e a Farofa da Gkay.

As manifestações desembocaram em atos nas ruas de todo o Brasil – incluindo protestos na Avenida Paulista, em São Paulo, no último dia 9 – e deram vazão a outras reivindicações. A principal delas é o reajuste do valor da bolsa, que não é corrigido desde 2013. Atualmente, o auxílio varia entre R$ 1.500 e R$ 2.200. "É bizarro que uma profissional que se dedica à pesquisa há 10 anos tenha que enfrentar tamanho descaso e desrespeito", desabafa Raianna.

“Virei pet sitter de cachorros para conseguir pagar o aluguel”

Natália Trindade teme que o bloqueio da bolsa da Capes se estenda até janeiro de 2023 — Foto: Reprodução/Instagram
Natália Trindade teme que o bloqueio da bolsa da Capes se estenda até janeiro de 2023 — Foto: Reprodução/Instagram

Desalento, insegurança e descaso são apenas algumas definições da longa lista de sentimentos depois de as pesquisadoras entenderem que o auxílio de dezembro, referente ao que foi trabalhado em novembro, não viria. “Foi como se um buraco tivesse aberto e tentasse sugar a mim e a todos os pós-graduandos. É uma sensação de grande catástrofe”, define Natália.

Ela, que atua na área do direito e das ciências sociais e participa de estudos de gênero na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), se viu em uma situação sufocante em que os boletos não pararam de chegar e a meta se tornou guardar o máximo de dinheiro possível para sobreviver caso o bloqueio se estenda até janeiro.

Um dos critérios do edital da Capes é de que o pesquisador não pode ter outro vínculo empregatício para garantir foco integral à pesquisa. No entanto, Natália conta que vai precisar encontrar algo para sobreviver caso a bolsa não seja paga. “Vou viver como todo brasileiro tem vivido: fazendo bico e sem conseguir dar atenção total a minha pesquisa”, lamenta.

Márcia está em um intercâmbio sanduíche na Suécia. A cientista social integra atualmente o CEMFOR (Centro de Estudos Multiétnicos sobre o Racismo) da Universidade de Uppsala. Seu projeto de pós-graduação é baseado na identidade e divulgação de conhecimento das mulheres indígenas na aprendizagem.

Márcia Camargo está na Suécia para um interâmbio sanduíche, acompanhada dos três filhos. Ela precisou se tornar pet sitter para arcar com as contas — Foto: Reprodução/Acervo pessoal
Márcia Camargo está na Suécia para um interâmbio sanduíche, acompanhada dos três filhos. Ela precisou se tornar pet sitter para arcar com as contas — Foto: Reprodução/Acervo pessoal

Além da cláusula de exclusividade da Capes, o visto de estudante também impossibilita que ela busque por outra maneira de subsistência. A solução foi buscar por bicos que não tirassem sua atenção de sua pesquisa. “Virei pet sitter de dois cachorros para conseguir pagar o aluguel, a alimentação, a internet… enfim, o básico. Nem pensar que vou deixar minha pesquisa de lado”, diz.

Márcia é mãe solo e está no país nórdico com os três filhos, o que agrava ainda mais seu desamparo. Além da questão financeira, ela explica que mulheres que são mães têm ainda menos incentivos da Coordenação para que se tornem pesquisadoras.

Frequentemente, ela sente impotência e vergonha perante a outros pesquisadores. “Como que a gente justifica aqui fora uma promessa do governo não sendo cumprida em relação a salários?”, questiona.

Raianna também sentiu um baque na saúde mental e na autoestima. A situação está ruim, mas ela reconhece que poderia ser pior. Ela consegue ser apoiada financeiramente pelos pais, ao contrário de muitos colegas que não sabem como agir diante do vencimento do aluguel.

Apesar de reconhecer o privilégio, ela se sente degradada. “É humilhante que, aos 30 anos, eu tenha que recorrer aos meus pais para pagar minhas contas porque meu empregador – porque é isso que a Capes é, eu assinei um contrato – de uma dia para o outro resolveu que não pode me pagar."

Não é ajuda de custo. É trabalho

Raianna Farhat Fantin, que trabalha no desenvolvimento de vacinas para a malária vivax, recebe ajuda dos pais devido à baixa remuneração — Foto: Reprodução/Acervo pessoal
Raianna Farhat Fantin, que trabalha no desenvolvimento de vacinas para a malária vivax, recebe ajuda dos pais devido à baixa remuneração — Foto: Reprodução/Acervo pessoal

Além de condensar relatos de pesquisadores, a hashtag #PagueMinhaBolsa recebeu apoio de anônimos, figuras políticas e personalidades famosas. No entanto, também recebeu ataques. “Basta saber escrever um currículo”, “Vão trabalhar” e “Faz o L” foram comentários recorrentes em postagens de estudantes que pediam pelo pagamento das bolsas e a valorização da ciência no Brasil.

As pesquisadoras contam que esse tipo de reação intensifica o desânimo e coloca uma lupa sobre a maneira como o trabalho intelectual é visto no país, mas também causa indignação. Raianna afirma que a pesquisa científica é um trabalho voltado primariamente “para a sociedade e para o bem maior” e que quem está por trás dele é desvalorizado.

A bióloga relata jornadas de trabalho que extrapolam as 40 horas semanais, falta de décimo terceiro salário e férias remuneradas, por exemplo. Tudo isso com uma remuneração que, quando vem, é baixíssima. “O valor é ridículo considerando toda a expertise e dedicação que essa profissão exige”, diz.

Ana Cláudia acrescenta que a função do pesquisador é a mesma que a de qualquer outro trabalhador em outras empresas e deveria ser encarado dessa maneira; da mesma forma que as bolsas precisam ser vistas como salários, não uma ajuda de custo. “Acham que bolsa é algum prêmio, mas é uma baixa remuneração pelo nosso trabalho intelectual”, ressalta.

Mesmo antes de se tornar cientista social, Márcia sentiu esse descaso na pele por ter vindo de uma família de cientistas. Durante a conversa com Marie Claire, ela lembra do pai, que tinha jornadas exaustivas de trabalho e nunca tirou férias. “Na verdade, tirou férias forçadas apenas quando teve um câncer”, acrescenta.

Para ela e Natália, a reação de desdém está atrelada à precarização da educação como um todo. “Sem educação a gente não tem nenhuma outra profissão. É isso que eu acho que o país ainda não entendeu. Nós, pesquisadores e educadores, somos essenciais para o futuro do nosso país, mas infelizmente não somos vistos”, diz Márcia.

Natália acrescenta que, por mais que as reações causem raiva, elas têm raízes mais profundas que escancaram o baixo índice educacional do país, em que o trabalho do estudante ou do pesquisador é visto como “menor”. A compreensão está nos números, já que o país tem menos 1% da população tem uma pós-graduação, segundo dados do Instituto Semesp. Por outro lado, 69, 5 milhões de brasileiros não completaram o ensino médio, segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios); ou seja, 31,5% da população.

Além disso, ela explica que as funções se confundem: enquanto o estudante passa por uma formação, o pós-graduando se aperfeiçoa para entregar avanços, ideias e descobertas a toda sociedade. Para reverter isso, o investimento da ciência e a valorização de pesquisadores se fazem cada vez mais necessários para trilhar um caminho em que seja possível o desenvolvimento social, mas também o reconhecimento por quem está por trás desse trabalho.

“As pessoas que desvalorizam acham que a gente está demandando estudo. Não. Estamos reivindicando direitos de quem é trabalhador da ciência, de quem é precarizado. Estamos demandando o certo, que é receber por um trabalho feito”, conclui a pesquisadora.

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