• Redação Marie Claire
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É preciso fomentar um ambiente onde mulheres vejam cargos no topo como uma possibilidade real (Foto: Getty Images)

É preciso fomentar um ambiente onde mulheres vejam cargos no topo como uma possibilidade real (Foto: Getty Images)

É impossível falar em autonomia financeira e independência para as mulheres sem levar em conta o fato de ainda ocuparmos ínfimas posições de liderança no mundo do trabalho. E sem mencionar como a remuneração das mulheres segue dois dígitos abaixo daquela recebida por homens – em cargos semelhantes.

Por mais que o tema da igualdade de salários e oportunidades venha sendo debatido pelo movimento feminista ao longo dos anos, esse enorme gap financeiro resiste a ceder. A ausência feminina em posições de liderança e poder impacta, inclusive, a autoconfiança das mulheres, que se sentem presas sob um teto de vidro incapaz de partir.

Prova disso está na pesquisa “Women in Business”, da consultoria Grant Thornton, dedicada avaliar a proporção de cargos de liderança feminina em todo o mundo. Os dados de 2021 mostram que apenas 31% dessas posições são geridas por mulheres. O estudo avalia que o crescimento feminino em cargos de poder ainda é lento e irregular. Em 2019, o índice era de 29%, ou seja, houve um aumento de apenas 2% nos últimos dois anos.

Considerando o histórico de pesquisas anteriores, a consultoria prevê que chegaremos em um ponto onde um terço de todos os cargos de alta administração estará nas mãos de mulheres. Segundo a avaliação da Grant Thornton, esse é o tipo de ascensão que pode promover reais mudanças de base no mercado de trabalho e trazer remunerações mais justa.

Por mais líderes mulheres nas empresas

Já no Brasil, a pesquisa “Women In Business” constatou um cenário mais positivo que o ranking global: por aqui, 39% das posições de lideranças do empresariado no país são ocupadas por mulheres. No entanto, de acordo com o estudo da consultoria IDados, com base em informações do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2021, as mulheres ainda ganham 20% menos que os homens. Apesar do avanço em certas áreas, a questão financeira precisa de ajustes, ainda mais quando o nível de escolaridade das mulheres já se mostra mais alto do que dos homens, como comprova o estudo.

Por mais líderes mulheres negras nas empresas

No caso das mulheres negras, a situação é desoladora: apesar de serem cerca de 28% dos trabalhadores disponíveis no mercado de trabalho brasileiro – de acordo com  dados da PNAD de 2019 – elas ocupam a base da pirâmide social e as custa ainda mais para chegar a postos de liderança. Dados divulgados pela consultoria Indique Uma Preta, especializada em colocar mulheres negras em melhores postos no mercado de trabalho mostram que 6,6% dos cargos de liderança em São Paulo são ocupados por essa parcela da população. Em outras palavras, na maior cidade do país não há espaço para profissionais negras, em números recentes, de 2020, e coletados pelo Quero Bolsa/ Caged, do Alma Preta Jornalismo.

De olho nesse cenário, fica cada dia mais claro que é preciso fomentar um ambiente onde mulheres vejam cargos no topo como uma possibilidade real – e onde não depender do salário do companheiro, do pai, do irmão ou de qualquer outro homem da família também deixe de ser opção.

Para Dhafyni Mendes Borges, co-fundadora do TodasGroup – uma escola de liderança feminina, com objetivo impulsionar carreiras através do apoio cursos e de uma comunidade online de experts em suas áreas – desde a infância as mulheres precisam lidar com uma educação que já é reflexo da desigualdade de gênero no que se refere à habilidades que meninos e meninas são estimulados a desenvolver. “Precisamos diminuir esse gap de autoconfiança que engloba toda a jornada de crescimento profissional feminino. É fundamental que as mulheres acreditem que suas ambições são possíveis e que, principalmente, tenhamos a capacidade de alcançá-las”, diz a fundadora do TodasGroup.

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O que Dhafyni coloca é comprovado por pesquisa científica. Em um estudo publicado pela revista Science, os dados mostram que, a partir dos seis anos de idade, o nível de autoconfiança entre as meninas já é menor do que o de meninos. Da mesma forma, outro estudo realizado pela Universidade de Harvard aponta que mulheres igualam o nível de autoconfiança masculina somente aos 40 anos de idade. Isso é um reflexo do fato concreto de que crianças de gênero masculino são mais incentivadas a se arriscar e ousar, tornando-se mais competitivas quando adultas no mundo profissional. Enquanto entre as meninas, esses impulsos são severamente contidos e vistos como inadequados a um comportamento tido como “tipicamente feminino”.

O poder das mulheres de 40 anos

O próprio Todas Group também faz seus mapeamentos para sentir como as mulheres andam se posicionando no mercado de trabalho.  E ao observar um grupo de 40 líderes femininas, elas concluíram que há cinco habilidades que são essenciais para o crescimento profissional e financeiro feminino. São elas a autoconfiança, o posicionamento (de acordo com seus valores e objetivos), a inteligência emocional, a capacidade de adaptação diante das mudanças cada vez mais rápidas no mundo, e a autoralidade, para assumir a própria autenticidade.

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Outro ponto que Dhafiny destaca para que a mulher passe a ver a si mesma menos como uma “impostora” e mais como alguém apta a conquistar mais poder e cargos mais altos, é a necessidade valorizarmos a nossa própria história e o caminho trilhado: “Já passou o tempo em que se encaixar era a melhor estratégia. Hoje, o diferencial é o maior ativo. É isso que torna a bagagem profissional de cada uma de nós única e autoral. Jamais pense que por ser diferente da maioria das pessoas numa liderança, ainda majoritariamente masculina, você não tem espaço. Precisamos estar nesses lugares! A inovação que o mundo busca vem exatamente daqui”.

As barreiras aparentemente invisíveis

Mais espaço, salário equiparado e lugar com poder de decisão não significa, no entanto, acumular tarefas. É preciso dizer que se no campo profissional, as mulheres ainda precisam avançar contra o teto de vidro, entre outras barreiras aparentemente invisíveis, no ambiente doméstico as jornadas (duplas ou triplas) drenam a energia e a criatividade que deveria ir também para o desenvolvimento pessoal e profissional feminino.

“Além de todos os outros empecilhos, a jornada de ascensão da mulher é muito mais exaustiva e, geralmente, vem acompanhada de burnout”, comenta Dhafyni Mendes Borges.  Essa é mais uma informação confirmada pelas pesquisas presentes no  estudo “Women in the Workplace”: 42% das mulheres, em 2021, foram vítimas da síndrome de burnout no trabalho, enquanto para os homens o número foi de 35%. “As empresas precisam impulsionar carreiras de mulheres de forma inclusiva, sustentável e saudável”, pontua Dhafyni.

Para aquelas que não vêem a hora de avançar na carreira e já conseguiram deixar para trás outros obstáculos (como as jornadas infinitas em casa), a fundadora do Todas Group deixa uma dica capaz de controlar uma eventual Síndrome da Impostora: “Foque nos fatos, fazendo uma lista de suas entregas e resultados” diz ela. Isso é bom para você mesma ver até onde avançou e melhor ainda para sentir-se merecedora do que vem por aí.