Boa de Copo

Por Elaine de Oliveira, colunista Marie Claire — do Rio de Janeiro

Se tem uma região que personifica o charme e a tradição de Portugal, é a deslumbrante área de enoturismo de Lisboa. Estive lá por uma semana e preciso contar que não imaginava encontrar lugares tão deslumbrantes! Que a cidade de Lisboa é linda todo mundo já sabe, mas o que muita gente não imagina é que os arredores estão repletos de castelos medievais, construções cheias de histórias, praias belíssimas, vistas de tirar o fôlego, que mais parecem cenários de filmes, vinhedos ondulantes para todo lado, e uma rica herança cultural. Se prepare para embarcar numa viagem única e com experiências inesquecíveis.

A região é conhecida por seus vinhos distintos e de caráter único. As vinhas que se estendem pelos campos beneficiam-se de um clima mediterrâneo, criando condições ideais para o cultivo de uvas. Entre as variedades que você mais vai encontrar por lá estão a Arinto, a Castelão e a famosa Touriga Nacional. Os vinhos brancos são frescos, frutados e com uma salinidade típica de vinhos feitos com uvas plantadas próximo ao mar, e os tintos você encontrará desde os encorpados até os mais elegantes, tudo vai depender do produtor e da área que visitar.

Meus dois primeiros dias foram na cidade, afinal, Lisboa é maravilhosa demais para ser ignorada. Há quem vá preferir ficar direto na cidade e aos poucos ir conhecendo os arredores e há quem, assim como eu, talvez prefira alugar um carro e ir visitando as regiões vinícolas aos poucos, mudando de cidade e de hotel de acordo com o roteiro. As duas opções são ótimas, tudo vai depender da sua preferência. Se você quiser curtir igualmente a cidade de Lisboa, quanto os arredores, se hospedar na cidade é a melhor opção, recomendo o Hotel Dom Pedro de Lisboa, um hotel SPA incrível que tem uma vista linda e ampla de toda a cidade e é de fácil acesso às estradas.

A vista do Hotel Dom Pedro Lisboa, em Portugal — Foto: Divulgação/https://www.dompedrolisboa.com/galeria
A vista do Hotel Dom Pedro Lisboa, em Portugal — Foto: Divulgação/https://www.dompedrolisboa.com/galeria

Fiquei lá meus dois primeiros dias e parti para uma praia chamada Azenhas do Mar, quando cheguei me perguntei se estava mesmo em Portugal ou na Grécia, tamanha era a semelhança. Localizada nas falésias da costa de Sintra, freguesia de Colares, Azenhas do Mar é uma vila pitoresca que combina uma beleza natural deslumbrante. Fundada no início do século XX, a aldeia preserva o seu charme original, com casas brancas em contraste com o azul do oceano Atlântico. Possui uma piscina oceânica esculpida nas rochas, alimentada pela maré alta, que só ela já vale a ida até lá, é linda demais. A apenas 45 minutos de carro de Lisboa, recomendo almoçar por lá, tem um restaurante com o mesmo nome da praia, Azenhas do Mar, colado na piscina oceânica que é uma festa de frutos do mar frescos.

Depois aproveite para conhecer as vinícolas de Colares e se prepare para morrer de amor pelos vinhos da região. As vinhas de Colares são completamente diferentes de tudo que já vi, rasteiras e plantadas diretamente na areia, em valas profundas, o que conferem aos vinhos de Colares um caráter único. As uvas nativas, como Ramisco e Malvasia, ganham vida neste terroir singular, resultando em vinhos complexos, ricos em personalidade, autenticidade e bem salgadinhos, acredite em mim, são verdadeiras jóias da vinicultura portuguesa. As adegas centenárias contam histórias de tradição, paixão e dedicação, preservando métodos artesanais que resistiram ao teste do tempo. Recomendo ir a vinícola Ramilo, dos irmãos Pedro e Nuno Ramilo, que são de uma família que fazem vinhos nessa região há quatro gerações e o que fazem hoje é de beber ajoelhado! Outra que indico é a Quinta San Michel, experimente o Malvarinto, uma mistura das uvas Malvasia com Arinto, que é um espetáculo.

Elaine de Oliveira com o vinho da Quinta San Michel — Foto: Acervo pessoal
Elaine de Oliveira com o vinho da Quinta San Michel — Foto: Acervo pessoal

Se você gosta de história e construções antigas, aproveite que já está em Sintra para conhecer o belo Castelo dos Mouros e o Convento de Mafra, ambos vão te impressionar bastante. Para se hospedar, recomendo muito o Immerso, um hotel mergulhado numa paisagem linda, em harmonia com a terra e com uma vista belíssima para o mar, na Ericeira.

Pela manhã, parti para conhecer a AdegaMãe, em Torres Vedras. Vá para conhecer a vinícola e também almoçar no restaurante Sal na Adega, a vinícola faz parte do Grupo Riberalves, há décadas ligada ao mercado do bacalhau, lá você vai poder experimentar todo tipo de receita com o peixe imaginável, tem até ceviche de bacalhau, que até então eu nunca havia visto. A vinícola é linda e os vinhos deliciosos, afinal, os enólogos são dois feras, uma parceria com Anselmo Mendes e Diogo Lopes, não poderia dar errado. Vá de AdegaMãe Vinhas Velhas e o Terroir Branco, ambos são incríveis.

A região de Óbidos, em Portugal — Foto: Getty Images
A região de Óbidos, em Portugal — Foto: Getty Images

Depois de um dia com muito vinho e bacalhau, fui para um dos lugares mais lindos de Portugal: Óbidos! Se você nunca ouviu falar de Óbidos, dê um Google agora para entender do que estou falando, é tão lindo que tenho que te avisar: você não vai querer ir embora. Óbidos parece um conto de fadas que virou realidade, uma vila medieval rodeada pelas muralhas do Castelo de Óbidos, que fica no topo de uma colina, a vista do castelo é deslumbrante e dá pra fazer caminhada em cima das muralhas, o que deixa o passeio ainda mais bacana. Deixe-se perder pelas ruazinhas do centro histórico, repleta de flores e casinhas brancas com janelas pintadas de amarelo, na rua principal há inúmeras lojinhas de artesanato e guloseimas, aproveite para provar o tradicional Licor de Ginja, uma espécie de cereja silvestre muito comum em Portugal, servido num copinho de chocolate, é uma delícia. Se você é dos meus e ama livros, te indico se hospedar no The Literary Man, um hotel literário único, o maior do mundo deste tipo, que já foi um convento e manteve seu encanto original, foi convertido em um hotel em 1965. Hoje conta com uma coleção de 40 mil livros, tem no quarto, nos corredores, no restaurante, no café da manhã, na área de eventos, dá pra esquecer da vida e se perder na imensidão que possuem lá.

O hotel The Literary Man, em Óbidos — Foto: Divulgação
O hotel The Literary Man, em Óbidos — Foto: Divulgação

A vila é rodeada de vinhedos e ótimas vinícolas não faltam para conhecer. Amei de paixão a Quinta das Cerejeiras e Quinta do Sanguinhal, ambas são do mesmo grupo. A Cerejeiras abriga uma casa de família histórica mantida intacta, construída na primeira metade do século XX, onde a tradição e o charme se encontram e perduram no tempo. O jardim da casa é de uma beleza singular, onde a natureza se funde com a arquitetura clássica. Não deixe de visitar o Museu do Vinho dentro da vinícola, que é extraordinário, e explore a história rica do vinho em Portugal, cada canto desta Quinta conta uma história única de tradição e paixão pela viticultura. Os vinhos são maravilhosos e refletem bem o terroir único da região, cada garrafa contém uma história de paixão e dedicação da família Pereira da Fonseca desde 1928. Recomendo o Quinta das Cerejeiras Reserva tanto branco, quanto tinto, são maravilhosos.

Quinta das Cerejeiras e Quinta do Sanguinhal, em Portugal — Foto: Divulgação
Quinta das Cerejeiras e Quinta do Sanguinhal, em Portugal — Foto: Divulgação

Já a Quinta do Sanguinhal, que fica bem pertinho, inclusive, é outra propriedade histórica, conhecida pela produção de vinhos e pela preservação de tradições vinícolas ao longo de gerações. Possui um jardim belíssimo do séc. XIX que lembra aqueles jardins secretos de filmes, eu ficaria um dia inteiro passeando por ele. Além do jardim, não saia de lá sem conhecer a antiga destilaria totalmente recuperada com 300m², os lagares de pisa-pé com prensas de vara datadas de 1871 e a cave de envelhecimento com 36 tonéis enormes. Eles oferecem vários serviços de enoturismo que valem muito a pena fazer, com tour marcados com antecedência, degustações e almoço inclusos. Prove o Quinta do Sanguinhal D.O.C Óbidos Reserva Tinto, é delicioso. Por último, não deixe de passar na Quinta Várzea da Pedra, que é muito pertinho dali, um pequeno produtor que faz vinhos maravilhosos e bem artesanais, os rótulos são uma graça, inspirados nos azulejos portugueses da casa da família.

Mosteiro de Alcobaça, em Portugal — Foto: Acervo pessoal
Mosteiro de Alcobaça, em Portugal — Foto: Acervo pessoal

A próxima parada foi em um lugar que sempre sonhei conhecer: Alcobaça. Particularmente, sou apaixonada pela história de amor mais bela que já tive conhecimento, que é a de D. Pedro I e Inês de Castro, o famoso Romeu e Julieta lusitano, porém, muito mais bonita que a história de Shakespeare, uma vez que é verdadeira. Quem não conhece pode ler completa aqui. Eles estão enterrados no Mosteiro de Alcobaça, uma das construções mais imponentes e lindas de Portugal, classificado como Monumento Nacional e como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Sua história remonta ao século XII, quando foi fundado em 1153, o mosteiro foi construído para celebrar a vitória de Portugal sobre os mouros na Batalha de Santarém. A parte mais notável é a igreja, consagrada em 1252, um exemplo marcante da arquitetura gótica, com sua nave longa e impressionantes vitrais. O destaque vai para os túmulos de D. Pedro I e Inês, que foram tragicamente separados pela morte de Inês, mas cujas tumbas foram colocadas de frente uma para a outra, simbolizando a união na morte.

Montebelo Hotel em Alcobaça — Foto: Acervo pessoal
Montebelo Hotel em Alcobaça — Foto: Acervo pessoal

Há um ano foi construído o Montebelo Mosteiro de Alcobaça Historic Hotel, um hotel de luxo feito dentro do mosteiro, projeto do prestigiado arquiteto Souto Moura. A adaptação para uma hospedaria preservou cuidadosamente a arquitetura histórica e a atmosfera do local, proporcionando aos hóspedes uma experiência única com vistas lindas para o mosteiro e seus jardins, com SPA e uma piscina de banho turco que é a mais linda e impressionante que já vi. Foi nesse ambiente cheio de histórias que me hospedei e recomendo de olhos fechados para quem estiver indo para lá, foi uma experiência marcante pra mim.

Elaine de Oliveira no Montebelo Hotel — Foto: Acervo pessoal
Elaine de Oliveira no Montebelo Hotel — Foto: Acervo pessoal

De frente para o mosteiro, fica a famosa Pastelaria Alcôa, uma parada obrigatória para quem ama os doces conventuais portugueses, lá você vai encontrar os mais delicados e bem feitos doces de Portugal, totalmente artesanais, não saia de lá sem experimentar o cornucópia, o torrão real, o manjar real e o pastel de natas, vai por mim, você vai alcançar o paraíso. Para almoçar, recomendo o Antonio Padeiro, o mais tradicional restaurante da cidade, é excepcional.

Doce conventual cornucópia da Pastelaria Alcôa — Foto: Divulgação
Doce conventual cornucópia da Pastelaria Alcôa — Foto: Divulgação

Pertinho dali, fica a Quinta do Gradil, uma vinícola histórica. As mais antigas referências escritas encontradas sobre a propriedade remontam ao final do século XV, num documento régio de D. João II que data de 14 de fevereiro de 1492. Com 200 hectares, dos quais 120 plantados com vinha, a vinícola produz vinhos maravilhosos e oferece ótimas experiências enoturísticas. Prove o Espumante Reserva Brut Nature, o Gradil Viosinho e o Quinta do Gradil Maria do Carmo Branco e Tinto, valem muito a pena.

Caves Velhas em Bucelas, Portugal — Foto: Acervo pessoal
Caves Velhas em Bucelas, Portugal — Foto: Acervo pessoal

No dia seguinte fui para Bucelas, uma região vinícola de Portugal que se destaca pelos seus vinhos brancos, especialmente os que são feitos com a uva Arinto, uma variedade nativa dessa região, que produz vinhos com uma acidez refrescante e caráter cítrico bem presente. Fui conhecer a vinícola Caves Velhas, do Grupo Enoport Wines, com uma história de mais de um século e que testemunha a longa tradição vitivinícola da região. Uma das principais atrações da vinícola é a sua adega subterrânea com o teto cheio de estalactites formadas ao longo dos anos, onde os vinhos são envelhecidos em barricas de carvalho e depois em garrafa, onde guardam safras antiquíssimas. O Bucelas Arinto DOC é maravilhoso, experimente. Sugiro ir próximo a hora do almoço e aproveitar que ao lado é servido o mais famoso coelho assado da região, numa taberna chamada Tocobicho, onde você vai tomar seu vinho numa caneca de barro e o ambiente mais parece que você acaba de entrar na tela da série Game of Thrones, é impressionante.

Vinhedos da Quinta de Chocapalha, Portugal — Foto: Acervo pessoal
Vinhedos da Quinta de Chocapalha, Portugal — Foto: Acervo pessoal

Outro lugar perto que vale muito a sua atenção é Alenquer, uma cidadezinha charmosa que foi a minha próxima parada. Não deixe de conhecer a Câmara Municipal, que desempenha um papel fundamental na administração local, promovendo o progresso da região, que fica em uma construção imponente que combina arquitetura clássica com elementos mais modernos e é linda. Vá conhecer a Quinta de Chocapalha, que tem como enóloga Sandra Tavares, que faz um trabalho maravilhoso ao lado da sua família, são todos uns queridos. A Quinta é belíssima, com um visual que dá vontade de aplaudir e os vinhos são espetaculares. Vá de Quinta de Chocapalha Branco e CH Chocapalha branco e tinto. Outra que vale a visita na região é a Cas'Amaro, uma propriedade com 4,5 hectares na Aldeia Galega da Merceana com uma casa lindíssima, que, para sorte nossa, podemos alugar e acordar olhando para o mar de vinhedos que circunda a casa. Prove o vinho Falatório branco, rosé e tinto.

Vinhos de Carcavelos, Portugal — Foto: Acervo pessoal
Vinhos de Carcavelos, Portugal — Foto: Acervo pessoal

Minha última parada foi em Carcavelos e com certeza uma das que mais me impressionou. Os vinhos produzidos nessa região contam séculos de história. Situada na periferia de Lisboa, é conhecida pelos seus vinhos únicos e de grande prestígio. A história dos vinhos de Carcavelos vem dos tempos dos descobrimentos portugueses, os primeiros foram produzidos no século XVII e ganharam destaque no século XXIII, tornando-se queridinhos da corte real portuguesa. A região experimentou o auge de produção no século XIX, mas enfrentou dificuldades no início do século XX, devido a problemas econômicos e doenças nas vinhas, quando a produção caiu drasticamente, quase desaparecendo. Foi então que o vinho de Carcavelos renasceu de forma histórica, quando a prefeitura de Oeiras iniciou um plano de recuperação, por um lado com a recuperação das vinhas, e por outro dando consistência à produção do vinho. Este foi apenas o primeiro passo de uma autarquia que pela primeira vez na história de poder local de Portugal assumiu uma relevante posição na produção de um produto vitivinícola. Os vinhos de Carcavelos são conhecidos pelas suas características únicas: são fortificados, o que significa que possuem um alto teor de açúcar residual e álcool, geralmente acima de 20%. Possuem cor âmbar dourada deslumbrante e aromas complexos com notas de frutas secas como passas, damasco, nozes e especiarias como canela e baunilha. Na boca são sedosos, com uma doçura que é bem equilibrada pela acidez, é sensacional. Prove o de 7, 15 e 30 anos, você vai se apaixonar.

Elaine de Oliveira em Portugal, da rota de enoturismo — Foto: Acervo pessoal
Elaine de Oliveira em Portugal, da rota de enoturismo — Foto: Acervo pessoal

De lá fui direto para o aeroporto de Lisboa, que fica a apenas 30 minutos de Carcavelos. Com um sorriso colado no rosto, as malas abarrotadas de vinho e uma bagagem que não tem preço: de experiências únicas vividas em uma semana tão especial que jamais vou esquecer.

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