Beleza

Por Paola Deodoro


Daniele DaMata está mudando o perfil do desenvolvimento de produto de beleza no Brasil — Foto: Divulgação
Daniele DaMata está mudando o perfil do desenvolvimento de produto de beleza no Brasil — Foto: Divulgação

"Comecei minha carreira dando aulas de maquiagem para que as mulheres pretas deixassem de ficar com a pele cinza. Hoje eu me dedico a ampliar e aprimorar as cartelas de cores de grandes empresas de cosméticos, criando novas fórmulas, exatamente com o mesmo objetivo", conta Daniele DaMata, empresária e especialista em pesquisa de beleza.

Ela é um dos nomes decisivos para o ajuste de olhar sobre padrões estéticos que a sociedade vive atualmente. Parte de uma trajetória que começou cedo, aos 15 anos, como estagiária de uma fábrica de maquiagem. Ali, já entendeu que o assunto era muito pouco inclusivo ou diverso, apesar das possibilidades técnicas que já enxergava. Depois, como maquiadora, se dedicou a criar caminhos para estimular o encontro com essa beleza. Até que inaugurou a primeira escola de maquiagem para pele negra no Brasil – e ali multiplicou a sua história.

DaMata já não dá mais aulas, também não maquia mais. Seu foco em pesquisa de tendências e consultoria de produtos vai desde as necessidades da formulação até a conversa com o público final, nomenclaturas, embalagens. "Senti necessidade de colocar minha energia e expertise em outros canais. O mercado precisa de um olhar diverso para chegar mais longe. Quando maquiava peles retintas, para escurecer a base eu misturava um pouco de sombra azul (adaptação nem um pouco segura!), que escurecia o tom sem acinzentar. Mas a formulação da base só tem branco, amarelo, vermelho e preto. Então passei a pedir pigmento azul nas bases mais escuras e conseguimos ir cada vez mais longe nos tons da paleta", revela a expert que trabalha com empresas como Avon, Sallve, Bruna Tavares e Contém 1g.

Nova beleza

"Vivi intensamente toda essa mudança no mercado de beleza. Então eu também acabei mudando e hoje tenho atuado em três pilares que considero importantes. O primeiro é desenvolvimento de produto junto às marcas, sempre com foco em pele negra. É a expertise que eu tenho, e acabo me envolvendo tanto que atuo na linha inteira. Estou tendo essa experiência com a Contém 1g, que fiz basicamente tudo [risos]. E aí em seguida vem a produção de conteúdo na internet, que se intensificou muito nos últimos tempos. Sinto que, cada vez mais, de maneira mais nichada. Antes eu fazia coisas mais abrangentes, e hoje penso em produções de conteúdo com pessoas pretas e falando diretamente para pessoas pretas. E em paralelo tem a Belong Be, uma plataforma que reúne diversas marcas brasileiras independentes, da qual eu sou sócia e faço planejamento estratégico. Além do trabalho com as marcas também vamos abrir uma loja física logo, logo. Com tudo isso, eu acabei parando de maquiar. E não sinto falta, não. Parei em 2019 porque achei que tinha que ir para um outro lugar na indústria de cosméticos de beleza, que é a parte de desenvolvimento. Foi ali que comecei a focar na minha mudança. E também achava que tinha muito mais energia, podia entregar muito mais nas redes sociais com produções e conteúdos autorais, do que maquiar. Acho que tinha uma questão de sentir a minha criatividade sendo reprimida. Eu já não podia mais ser tão criativa nas publicidades, até mesmo em editoriais de revistas. Sentia uma limitação de criatividade mesmo. Mas não era nem do lugar ou da empresa que estava, achava que o momento da maquiagem já estava esgotado, eu não podia ir além. E se fosse além, sempre parecia que eu estava exagerando. E aí eu pensei, quer saber, tenho essa mente criativa, gosto muito de falar, me comunicar com as pessoas, amo ficar explicando detalhes sobre os produtos. Foi quando decidi parar de maquiar. Parei também de dar aulas nesse período, parei com as duas coisas, tanto maquiar quanto dar aulas de maquiagem em si. Foi orgânico, não foi uma decisão pontual. Fui diminuindo aos poucos, deixando de fazer alguns trabalhos, negando outros. Mas confesso que sinto falta de dar aulas, de maquiar não sinto, não. Das aulas sinto bastante falta, do contato direto com as pessoas. Porque na internet e nas consultorias eu fico muito distante. É a sua cabeça com a sua cabeça. O processo de desenvolvimento é totalmente diferente. Eu amo porque na fase de pesquisa eu fico olhando tendências, testando. Quando eu entro no laboratório eu tenho todos os caminhos para usar o que eu fiquei esse tempo todo pesquisando. Acho que tem esse lado gostoso. E também tem a questão de voltar ao lugar em que comecei de fato na maquiagem, que é na fábrica. Me deu outro sentido de posicionamento de marca e de vida, eu diria. É um lugar que sempre foi meu, mas eu negava ele. Ter a expertise hoje de ter dado aula e viajado faz toda a diferença. Se fosse virar química sem ter a experiência que eu tenho, seria só mais uma química, talvez."

A consultora de beleza Daniele Damata ajuda a ampliar as cartelas de cores das marcas nacionais — Foto: Reprodução Instagram
A consultora de beleza Daniele Damata ajuda a ampliar as cartelas de cores das marcas nacionais — Foto: Reprodução Instagram

É preciso contar a história

"Meu trabalho está muito baseado na parte criativa, de estudar cor, ver o que precisa, o que falta ou o que tem que complementar. Mas a parte técnica, quando entra nas formulações, na maioria das vezes eu converso com os químicos, sugiro os pigmentos, e com a minha experiência eu sei bem o que não vai dar certo. Mas tudo depende muito da equipe, do time de pesquisa e desenvolvimento da empresa, porque elas executam o projeto todo. Então eu chego lá, falo a ideia do produto, mas já apresento as referências com exemplos práticos. Um blush que tem que ser cremoso, tem que ter uma textura confortável, então eu descrevo a experiência e elas convertem isso em matéria-prima. A criatividade das cores, por exemplo, é uma expertise que geralmente os químicos não têm, então se torna uma criação em conjunto. Quando o produto está pronto, entra a comunicação para o público, que eu também faço. Entender quem vai testar, como vai ser mostrado, qual nomenclatura vai ser usada no produto. É importante conseguir explicar para o consumidor o motivo pelo qual aquele produto foi desenvolvido, senão é só mais um produto. E tem muita gente interessada nessas histórias. Querem saber a origem, o motivo, por que escolhemos aquela essência, porque tirou parabeno, porque tem que ter parabeno, por que é origem animal ou não, todos esses processos, as pessoas se interessam muito. Então tento levar isso para dentro da marca, falar sobre o processo, senão não vai fazer sentido. Acho isso uma mudança muito grande, o mercado não se comportava assim antes".

Sempre um novo projeto

"Pelo fato de eu já ser focada e especializada em pele negra, quando eu entro no projeto eu viro um monstrinho, só falo de pele negra [risos]. Nesse processo da consultoria eu fui entendendo o que eu podia entregar para as marcas, porque no começo eu não sabia o que fazer. Me pediam para fazer a cartela de tons, eu fazia e não vendia. Foi então que senti falta de participar da etapa de comunicação do produto. Comecei a fazer workshops de testes de pele antes de lançar, e exigir que isso acontecesse dentro da marca. Aprendi isso no processo com a Avon. Fui inserindo mais etapas no processo, ampliando a experiência para poder entregar o melhor. E hoje as marcas me chamam muito por isso. Óbvio que com o tempo eu fui entendendo os meus espaços porque, afinal, eu sou uma profissional preta dentro desses lugares. E para mim talvez o desafio não fosse o desenvolver, mas lidar com essa estrutura corporativa que não deixa de ser uma estrutura complicada e racista, a gente sabe. E era um lugar que eu nunca tinha acessado, então me assustei no começo, mas foi um processo… Tem todas as fases, de ver as pessoas usando depois e dando certo, ou dando errado e pensando, eu errei aqui, tenho que ajustar isso aqui. É uma experiência gostosa, mas é um trabalho não só cansativo, mas longo, intenso. É briefing, reunião, vai para a fábrica, volta, teste, mais teste, a Anvisa não liberou, volta tudo de novo, tá tão lindo, mas não dá, vai ter que voltar… Isso acontece muito. E ainda com projetos funcionando paralelamente. Durante o desenvolvimento da Contém 1g, também estava fazendo um projeto para Sallve também. Um produto inédito, universo novo para mim, que depois conto em off… vai ser lançado em julho. É uma categoria que eu não tinha expertise, mas sabia exatamente o que o mercado queria, o que o consumidor queria, então foi um processo gostoso para mim, amei fazer, mas foi bastante desafiador".

Tremendo na base

"Criar novos produtos é sempre um desafio, porque envolve muito investimento das empresas. E o processo de ampliar cartelas, respeitar tipos de pele, ouvir o consumidor de maneira verdadeira, é muito novo. Então em algumas empresas isso é tranquilo, em outras exige mais jogo de cintura. Tem muita coisa que eu estou vendo lá fora, na gringa, e o mercado nacional não conseguiu fazer ainda. E quando eu proponho, sempre tento deixar claro que é uma aposta, mas que é um processo que depende de mais fatores. Um exemplo: eu fico completamente em choque quando vou lançar uma base. Eu tremo na base mesmo [risos]. Meu coração dá um negócio, porque é um mundo de possibilidades. Ainda mais para o público brasileiro. Então tem um número específico de tons que a marca vai lançar, mas poderiam ser milhares. Então eu coloco e tiro cor o tempo todo. Até alguém chegar e falar: chega, não tem como mexer mais. Senão eu não paro de mudar".

Daniele Damata começou como maquiadora e hoje é uma das maiores consultoras de beleza do país — Foto: Reprodução Instagram
Daniele Damata começou como maquiadora e hoje é uma das maiores consultoras de beleza do país — Foto: Reprodução Instagram

Agora conseguimos gritar

"Sabe o que eu acho, de verdade? Que a gente começou a conseguir gritar. Com uma grande ajuda da internet, que deu voz a muita gente. Porque a gente sempre ficou cinza, não achava o tom, mas era difícil de comunicar isso. Quando a gente começou a falar, ainda ficamos muito tempo ignorados. Mas com uma quantidade maior de pessoas falando, dizendo o que funciona e o que não funciona na sua pele, se negando a comprar o que não era feito para ela, aí começa a mudança do mercado. Porque não foi uma iniciativa bondosa do mercado, nunca vai ser, tá aí o capitalismo bombando… Passamos pelo processo completo. Gritamos, o mercado entendeu que esse grito tinha valor e começou a avaliar o que valia a pena produzir. Foi um período de uns 10 anos, que é onde eu entro. E entra a discussão sobre tecnologia e pigmento. Porque as possibilidades de ampliar as cores já existiam. Eu trabalhei numa fábrica de cosméticos por cinco anos, pequena, que não tinha a melhor tecnologia do mundo, não era grande. A gente fala que é uma fábrica C. Era boa, eu conseguia fazer produtos legais lá. Saí de lá em 2010 e já dava para fazer cartelas bem amplas com os pigmentos que tinha na época. Porque nada mudou muito, a diferença é que hoje a gente usa um pigmento tratado. Ele se dispersa melhor. Antes as bases eram feitas com pigmentos puros, elas ficavam escuras ao aplicar porque oxidavam muito facilmente. Mas isso era para todo o mercado, até mesmo nas bases para peles brancas acontecia isso. Mas a questão da diversidade de cores não era por falta de tecnologia. Acho que sempre foi por falta de vontade, de verdade, sendo muito franca".

Pequenas e audaciosas

"Quando eu comecei a fazer parte da comunicação e das campanhas, acompanhar tudo, eu entendi a importância do processo completo. Consegui provar para mim mesma a relevância da minha atuação profissional. Porque eu tinha muitas dúvidas. E também percebi que quem começou a fazer esse processo de adicionar diversidade e ampliar os tons foram as marcas pequenas. É por isso que meu olho brilha quando falo da Belong Be. Acredito demais em empresas pequenas, elas conseguem fazer o suco que eu não sei de onde, mas conseguem pensar em inovação, fazer testes de produtos, lançar cores diferentes. Em escalas diferentes, claro, mas sinto que é mais audacioso. Se a gente comparar Bruna Tavares com Avon, ela é uma marca pequena nesse universo todo, e ainda assim lançou 30 cores de bases. Então a gente também teve essa movimentação do mercado, de diferença, para chegar até aqui".

Tudo azul

"Foi no desenvolvimento de produto que comecei a entender muita coisa. A gente fazia os pigmentos normais com a mistura de branco, amarelo, vermelho e preto, muito preto. Como amam usar preto para fazer base para pele negra! Mas fica horrível na gente, porque acinzenta no contato com a pele. Então entra a minha experiência como maquiadora. Quando comecei a trabalhar em uma multinacional, comecei a fazer os testes e pedi para a equipe do laboratório colocar pigmento azul na fórmula, que era uma coisa que eu fazia quando maquiava. Pegava sombra azul, misturava na base para escurecer e passava na pele retinta. O pigmento da sombra era muito pesadão, mas queria saber se existia alguma possibilidade no laboratório e me disseram que sim, que existia pigmento azul para usar diretamente na pele. Aí fiquei pensando: como ninguém tinha tido essa ideia antes? Agora eu entro nas fábricas e já peço pigmento azul! Vamos fazer as cores primárias e já peço azul também. É uma necessidade nova porque não se fazia base para pele retinta. Mas agora precisa fazer! O azul diminui a quantidade de preto na mistura e ajuda a não acinzentar. É um negócio lindo, você coloca o azul e ele escurece, não precisa do preto para fechar a cor. O preto vai misturando com as outras cores, aí coloca branco e fica parecendo achocolatado. Essa mudança foi muito boa. Isso tudo da minha experiência de maquiadora. É uma matéria-prima que tem no mercado há anos, sempre esteve ali. A questão é que nunca ninguém parou para pensar em desenvolver tecnologias para pele negra. Não tecnologia de maquinário só, mas estudo, pesquisa, pigmento. Hoje em dia eu trabalho com algumas químicas muito interessadas no processo. Então a gente experimenta, tenta, chega mais longe. Um trabalho em conjunto que sempre dá um bom resultado. Óbvio que existem parâmetros que precisam ser respeitados, mas a vontade de testar é o que nos faz ir além. Por isso que falo que sinto que falta vontade, sinto que falta interesse em desenvolver para um mercado que é tão lucrativo. As marcas estão tendo feedbacks incríveis, resultados positivos, as bases mais vendidas. Aí eu paro e penso que eu estou ajudando a aumentar a venda das maiores empresas de maquiagem do país. É isso, acho que consegui".

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